Cortes no orçamento da União atingem Unidades de Conservação e combate ao desmatamento

outubro, 24 2017

Se não houver recursos para financiamento da área ambiental, país pode comprometer a biodiversidade, o fornecimento de água e o combate às mudanças climáticas, alerta WWF-Brasil
Em meio à ofensiva para reduzir o tamanho ou rebaixar o status de proteção de Unidades de Conservação (UCs) na Amazônia, estimulada pela bancada ruralista e por representantes do setor de mineração, o governo propôs o corte pela metade das verbas destinadas às UCs no projeto de lei orçamentária encaminhado ao Congresso.
 
Levantamento feito pelo WWF-Brasil em parceria com a ONG Contas Abertas mostra que as ações orçamentárias que tratam de criação, implantação, monitoramento e projetos de manejo nas áreas protegidas têm reservado no Projeto de Lei do Orçamento de 2018 R$ 122,9 milhões, contra uma previsão de gastos de R$ 244,5 milhões na proposta de 2017. Os dados fazem parte de um estudo a ser divulgado no final do ano, sobre o financiamento público à área de meio ambiente. Acesse aqui.
 
Os cortes na previsão de gastos para 2018 alcançam o combate ao desmatamento, a adaptação às mudanças climáticas e sua mitigação, o manejo florestal, a regularização dos imóveis rurais, o licenciamento ambiental e, em menor proporção, a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos.
 
O corte mais profundo atingiu o Bolsa Verde, programa que paga R$ 300 a cada três meses a famílias extremamente pobres moradoras em áreas protegidas, como incentivo à conservação. O Bolsa Verde teve gastos autorizados de mais de R$ 70 milhões nos últimos dois anos e simplesmente desaparece na PLOA 2018. O governo busca repassar a conta ao Fundo Amazônia, que também pode sofrer corte nos aportes.
 
No conjunto, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem R$ 3,278 bilhões na proposta de lei orçamentária de 2018, contra R$ 3,786 bilhões que teve na proposta para 2017. O valor é 29% menor do que a média destinada ao MMA pelos projetos de lei orçamentária na última década, de R$ 4,6 bilhões.
 
“O quadro é preocupante e sugere um desmonte da área ambiental, avalia Jaime Gesisky, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, um dos responsáveis pelo estudo.
 
Em decorrência da mudança da meta fiscal para 2018, aprovada no início de setembro, para uma estimativa de déficit de R$ 159 bilhões (ou R$ 30 bilhões maior), o governo deve alterar a proposta até o início de novembro, antes de o Congresso começar a votar o Orçamento. O novo Orçamento, porém, só deve ser conhecido no fim de dezembro ou no ano que vem. 
 
A maior despesa do MMA é com pagamento de pessoal, com mais de R$ 1 bilhão de gastos previstos em 2018. Nenhuma ação finalística do ministério chega perto dos gastos estimados com pagamento de aposentadorias e pensões dos servidores, R$ 578 milhões.
 
Entre as diferentes autarquias subordinadas ao ministério, o corte é mais acentuado no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra as Unidades de Conservação federais. O Orçamento proposto para 2018 (R$ 589 milhões) é 52% menor do que o do ano passado (R$ 1,246 bilhão). O valor é menor até ao total já desembolsado pelo ICMBio nos primeiros oito meses de 2017.
 
No ano da realização do 80 Fórum Mundial da Água, que reunirá representantes de mais de cem países em Brasília em março, a Agência Nacional de Águas também perde recursos, em relação ao Orçamento de 2017. Embora a recuperação e a preservação de bacias hidrográficas mantenha os R$ 900 mil propostos no ano passado, na principal ação da área em volume de verbas, a proposta para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos cai de R$ 153 milhões para R$ 136 milhões.
 
NA ONU
 
Ao mesmo tempo em que o presidente Michel Temer discursava na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas que o Brasil concentrava “atenção” e “recursos” no combate ao desmatamento, a ação “Controle e Fiscalização Ambiental”, que inclui o combate ao desmatamento entre outras ações de fiscalização, perdeu 57% em relação à proposta de orçamento de 2017. A ação do MMA que trata especificamente das estratégias de prevenção e controle do desmatamento tem um volume bem menor de recursos e também foi alvo de corte R$ 225 mil para R$ 220 mil.
 
No Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o monitoramento do desmatamento nos diversos biomas teve corte de 60%. A proposta de orçamento da ação cai de R$ 5,4 milhões, em 2017, para R$ 2,2 milhões em 2018. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é responsável pelos dados que orientam o combate ao desmatamento no Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
 
Na Assembleia Geral da ONU, o presidente Michel Temer também prometeu vigoroso combate às mudanças climáticas. Embora os recursos do Fundo Nacional sobre Mudanças do Clima (FNMC) aumentem em 2018 em R$ 24 milhões, a ação final de fomento a estudos, projetos e empreendimentos para a mitigação e adaptação tem a previsão de gastos em queda, de R$ 17,3 milhões para R$ 4,7 milhões.
 
 
“Acompanhar o Orçamento da União é fundamental tanto para entender o destino do dinheiro arrecadado com taxas e impostos, como para avaliar o desempenho do governo e suas prioridades” destaca Michel dos Santos, coordenador de Políticas Públicas do WWF-Brasil.
 
Temas igualmente importantes da agenda ambiental, como a regularização ambiental dos imóveis rurais, um processo que começou com o cadastramento dos imóveis rurais e seus passivos de vegetação nativa, e o licenciamento ambiental de empreendimentos, também tiveram cortes no projeto de orçamento que o governo submeteu ao Congresso, de 30% e 37%, respectivamente.
 
Algumas ações mantiveram o volume de recursos públicos do ano anterior, como a implementação do sistema de acesso ao patrimônio genético e conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios da biodiversidade. A queda foi pequena numa dotação igualmente pequena. A ação de Conservação e Recuperação de Ecossistemas aumentou a previsão de gastos, mas tampouco é significativa (de R$ 84 mil para R$ 204 mil). Já a ação que trata do monitoramento e controle das espécies ameaçadas de extinção teve a proposta de gastos reduzida de R$ 6 milhões em 2017 para R$ 3,9 milhões em 2018.
 
O cenário de aperto fiscal instituído pela emenda constitucional que estabeleceu teto para os gastos públicos a partir de 2018 torna mais acirrada a disputa por verbas do orçamento federal a partir do ano que vem. A votação do projeto de lei orçamentária de 2018 no Congresso é o primeiro movimento dessa disputa. Para alcançar a média dos gastos autorizados ao MMA na última década, a proposta de gastos apresentada pelo governo para a pasta teria de crescer R$ 1,7 bilhão durante o processo de votação. A autorização de gastos é uma etapa importante do processo orçamentário, que se completa com o efetivo desembolso dos recursos.
 
“Com a série de estudos sobre orçamentos públicos para a área de meio ambiente que lançaremos até meados do ano que vem, queremos que o país atente para a importância de se destinar cada vez mais recursos para cuidar das áreas protegidas, a biodiversidade, a água, o combate ao desmatamento e as mudanças climáticas. Esses fatores são essenciais à vida de todos nós, são nossa garantia de futuro”, lembra o diretor executivo do WWF-Brasil, Maurício Voivodic.
 
Sem financiamento, biodiversidade, fornecimento de água e combate às mudanças do clima estão em risco
© WWF-Brasil
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