Ouvido aguçado: mais de 250 aves identificadas pelo canto

dezembro, 21 2010

Ouvido aguçado: mais de 250 aves identificadas pelo canto. Dante Buzzetti, 45 anos, consultor especialista em avifauna.
Por Ligia Paes de Barros

A III Expedição Científica à Terra do Meio, ao Parque Nacional da Serra do Pardo, contou com uma equipe de 12 pesquisadores experientes e apaixonados pelo que fazem. Eles andaram nas trilhas do Parque Nacional durante dias e noites procurando indicadores da biodiversidade local. Conheça um pouco sobre a rotina de pesquisa desses cientistas e saiba mais sobre quais plantas, aves, mamíferos, peixes, répteis e anfíbios eles encontraram durante a expedição.

Dante Buzzetti, 45 anos, consultor especialista em avifauna.

- Como é sua rotina de trabalho na expedição?

A minha ferramenta de trabalho em campo é, basicamente, a bioacústica, ou seja, eu me guio pelo som das aves. É pela vocalização que eu consigo identificar as espécies presentes nos ambientes. Então, minha rotina é acordar sempre muito cedo, quando as aves vocalizam mais, identificar de qual ave é tal vocalização e registrar o som.  Por isso, eu sempre saio com o gravador e binóculo, e sozinho, porque para ouvir e identificar não pode ter barulho nem de pessoas ou mesmo barulho do mato. Se eu saio um dia ensolarado com muita cigarra, por exemplo, não dá para gravar.

- Você consegue identificar as espécies sem mesmo vê-las?

Ao longo de anos, eu fui acumulando experiência em relação ao reconhecimento das vocalizações e essa é a base do meu trabalho. Com essa metodologia, é possível alcançar um resultado muito rápido: em alguns dias de trabalho consigo registrar um grande número de espécies, o que é bem diferente de outras áreas de pesquisa, que precisam de um tempo muito maior para obter um volume equivalente de dados.

Por isso, a bioacústica é um instrumento muito bom para quem trabalha em floresta e ambiente fechado, onde você vê muito pouco. A gente costuma dizer que a gente vê 10% e ouve 90% das aves. Às vezes eu gravo a vocalização e atraio as aves com playback do seu próprio som para confirmar a identificação da espécie. Não é preciso ter o registro sonoro para identificar a espécie, mas geralmente eu faço por segurança. Muitas vezes eu gravo a vocalização para uma consulta mais específica ou apenas para ter aquele som no banco de dados. 

Também acontece às vezes de demorar anos para se conseguir identificar uma ave. Você ouve um som, procura no banco de dados e não tem nada, e depois demora anos até escutar o mesmo som de novo e só então consegue visualizar e identificar a ave. Aí é gratificante.


Canto e comportamento das aves

O som das aves está associado a um tipo de comportamento. Algumas aves têm um repertório vasto e possuem de oito a dez tipos de vocalização. Tem um chamado, o canto territorial, tem o grito de alarme, tem a voz de contato com a fêmea. Em geral, as aves se comunicam dentro da própria espécie, mas existem algumas vozes específicas que algumas aves emitem que várias espécies entendem. Por exemplo, nos bandos mistos há sempre um líder que tem essa capacidade de ser entendida por todos: ele é a espécie mais atenta do bando e se aparece um predador, uma cobra, um gavião ou uma coruja, ele dá um grito e todas as outras entendem.

Além disso, existem três componentes no canto das aves: o componente genético, que é herdado; o componente de aprendizado, que a ave ouve e incorpora no repertório coisas que ela ouve, e tem algumas espécies que improvisam, depois de aprender elas ainda improvisam com os sons que elas conhecem. Alguns papagaios, por exemplo, imitam e improvisam. Os sabiás também. Dentro do canto do sabiá, existem cantos de vinte outras espécies que ele incorporou e improvisa. Ele usa os sons aprendidos em sequências diferentes e faz cada vez de um jeito. Os inhambus, por exemplo, tem só o canto geneticamente determinado, então o canto deles não muda nunca, está na carga genética.


- O que você encontrou no Parque Nacional da Serra do Pardo?

Não tem dúvida que o ambiente do Parque é muito rico. Nesses dias de pesquisa, deu para registrar mais de 250 espécies.  Também encontramos espécies que não esperávamos achar por aqui, que são espécies de cerrado, como por exemplo, o sebinho-olho-de-ouro, choca-do-cerrado e sebinho-estriado. Além disso, aqui eu gravei uma espécie que eu já tinha visto, mas nunca tinha gravado. É uma espécie que eu descobri que só vocaliza no crepúsculo, no finalzinho da tarde, já quase escuro. Essa foi a primeira vez que gravei e deu para fazer uma boa gravação.

- Como é para você, enquanto pesquisador, participar de uma expedição científica como essa?

Eu gosto muito desse tipo de trabalho de plano de manejo de unidade de conservação. Primeiro porque em geral, é uma oportunidade de conhecer áreas pouquíssimo conhecidas, que ninguém andou, que poucos pesquisadores passaram, então a chance de descobrir espécies novas ou de registrar novos, é muito grande. Além disso, esse convívio com os colegas de outras áreas no campo é muito legal.  A gente sempre troca informações sobre plantas, anfíbios, mamíferos, etc., e essa troca é enriquecedora para todo mundo.

- Como você se tornou ornitólogo?

Eu sempre gostei de aves, mas descobri a ornitologia enquanto cursava o quinto ano da faculdade de engenharia civil. Me formei em engenharia, depois cursei administração e só então resolvi fazer biologia, mas já trabalhava com ornitologia. Tenho facilidade para lidar com sons e com o tempo fui percebendo que isso era importantíssimo para fazer pesquisa. Agora, a faculdade de biologia foi essencial para passar a enxergar o mundo como biólogo. E conseguir aliar a visão de biólogo com a de engenheiro é muito interessante, principalmente para trabalhar com planejamento ambiental, como é o caso do plano de manejo que pretende-se fazer aqui com base nesse estudo.



Pesquisa com redes


Luiz Coltro, analista de conservação do WWF-Brasil e ornitólogo, foi responsável pela pesquisa de aves por meio das redes de captura na III Expedição Científica da Terra do Meio. Ele conta como realizou o trabalho:

“As redes são armadilhas utilizadas para captura e manuseio de aves de sub-bosque,
feitas com nylon fino com malhas de diversos tamanhos. Essas armadilhas são utilizadas como método auxiliar no inventário biológico por meio da captura de aves que porventura não estejam vocalizando.

Elas são armadas ao clarear do dia, e fechadas no fim, em lugares preferencialmente mais escuros, onde habitam espécies do interior da floresta, e são vistoriadas preferencialmente a cada hora.   As redes agem como uma armadilha de interceptação: quando a ave está em vôo não percebe a armadilha e cai em sua malha.

As aves retiradas das redes são acondicionadas em sacos de pano, de algodão, que conferem uma posição confortável que acalma a ave. Durante a expedição foram utilizadas dez redes com malhas de 30 mm e registramos 15 diferentes espécies”.




Saiba mais sobre a Expedição Científica à Terra do Meio 2010:
Ornitólogo Dante Buzetti registrando o som das aves durante Expedição Científica ao Parque Nacional da Serra do Pardo 2010.
Ornitólogo Dante Buzetti registrando o som das aves durante Expedição Científica ao Parque Nacional da Serra do Pardo 2010.
© WWF-Brasil / Adriano Gambarini
Biguá (Phalacrocorax brasilianus) no Parque Nacional da Serra do Pardo.
Biguá (Phalacrocorax brasilianus) no Parque Nacional da Serra do Pardo.
© WWF-Brasil / Adriano Gambarini
Luiz Coltro, analista de conservação do WWF-Brasil em expedição ao Parque Nacional da Serra do Pardo.
Luiz Coltro, analista de conservação do WWF-Brasil em expedição ao Parque Nacional da Serra do Pardo.
© WWF-Brasil / Adriano Gambarini
Ave da espécie Manatus manatus, capturada em rede durante a expedição.
Ave da espécie Manatus manatus, capturada em rede durante a expedição.
© WWF-Brasil / Adriano Gambarini
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