Drones ajudam a monitorar áreas remotas da Amazônia
setembro, 15 2020
É com tecnologia que o WWF-Brasil apoia comunidades vulneráveis ao fogo e ao desmatamento
É com tecnologia que o WWF-Brasil apoia comunidades vulneráveis ao fogo e ao desmatamentoPor Jorge Eduardo Dantas
O uso de novas tecnologias para a conservação da natureza é uma tendência irreversível, presente no mundo inteiro. A utilização de armadilhas fotográficas, big data, sensores de ruído, fotos de satélites e tagueamento de animais ameaçados tem facilitado o trabalho de diversos defensores da natureza, que se valem desses recursos para proteger e gerar informações sobre animais, plantas, populações e territórios.
O WWF-Brasil aposta nesta tendência: desde o ano passado, com o registro de altas taxas de desmatamento e queimadas na Amazônia brasileira, a organização deu início a um projeto de utilização de veículos aéreos não tripulados – popularmente conhecidos como drones – para monitorar territórios e tentar antecipar problemas.
Desde então, foram doados 18 drones para 17 organizações de 5 estados da Amazônia – num investimento que, apenas em equipamentos, soma cerca de R$ 300 mil. O 19o drone foi doado para uma organização que atua em Goiás, no Cerrado. Esses parceiros recebem ainda capacitações e outras ferramentas que otimizam o uso dos dados gerados pelos drones, como GPS, telefones celulares e notebooks.
Aumento nas queimadas
Entre as organizações que estão recebendo esse apoio estão o Batalhão de Policiamento Ambiental do Acre; a Apitem (Associação do Povo Indígena Tenharim Morõgwitá), no Sul do Amazonas; a Amoprex (Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes), em Xapuri, no Acre; o Instituto Kabu, no Pará; e as prefeituras das cidades amazonenses de Boca do Acre, Apuí e Humaitá.
O WWF-Brasil trabalha com drones desde 2016; primeiro na contagem de populações de botos na Bacia Amazônica, depois como reforço para monitoramento territorial na Amazônia e no Cerrado. Desde o ano passado, o objetivo é que eles ajudem na proteção contra o desmatamento e as queimadas.
De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), julho de 2020 registrou um aumento de 28% nos índices de queimadas na Amazônia em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 6.803 focos em 2020 contra 5.318 em 2019.
Monitoramento
Uma das experiências mais bem-sucedidas desse projeto acontece hoje em Rondônia, na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, que possui 1.867.117 hectares. Por ali, os indígenas têm utilizado um drone para vigiar seu território, dar mais consistência às denúncias de crimes ambientais e monitorar a biodiversidade na região.
A manutenção de Terras Indígenas é um dos instrumentos mais poderosos de conservação do Meio Ambiente - nos últimos 40 anos, apenas 2% das Terras Indígenas perderam suas florestas originais. Esses territórios mantêm estoques de recursos naturais, promovem serviços ecossistêmicos e ajudam na regulação climática do planeta. Mesmo assim, são regiões bastante ameaçadas, como pela ocorrência de garimpo, roubo de madeira e invasão de terras.
“Com a chegada dos drones, o trabalho de monitorar nossa região ficou muito mais fácil”, disse o coordenador da Associação do Povo Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau, de 20 anos.
De acordo com ele, o drone ajuda a monitorar áreas remotas que, de outra maneira, seriam inacessíveis durante as patrulhas feitas pelos indígenas. “A primeira vez que usamos o drone por conta própria nós encontramos uma área desmatada enorme, muito próxima das rotas que utilizamos dentro da Terra Indígena, mas que jamais imaginávamos que fosse atingida pelas invasões e pelo desmatamento. Por terra a gente não acha o que acha com o drone”, afirmou Bitaté. A área encontrada naquela ocasião possuía 10 hectares.
Gavião Real
O jovem disse ainda que, com o drone, foi possível encontrar às margens do Rio Jamari, dentro da Terra Indígena, um ninho de Gavião-Real (Harpia harpyja). “Acabou que começamos a monitorar a situação daquele ninho também. Toda vez que passávamos por aquela região, levantávamos o drone para saber se o ninho ainda estava lá”, disse Bitaté.
O ninho fica numa trilha a 2 horas de caminhada da aldeia Jamari, onde Bitaté vive – porém, com o drone, é possível monitorá-lo de um ponto específico do meio do rio, acessível a 30 minutos da aldeia.
O Gavião Real é uma das mais poderosas aves de rapina do mundo – e a maior do Brasil. Chega a um metro de altura, 12 quilos e 2,25 metros de envergadura com as asas abertas. É uma ave rara, imponente e que vive de maneira solitária em regiões florestais remotas. Para diversos povos indígenas, o Gavião Real é considerado um animal sagrado, “dono” da floresta e cujas penas são utilizadas para fazer flechas, penas e cocares.
Descoberta
Bitaté contou também sobre uma patrulha feita pelos Uru-Eu-Wau-Wau no final de julho. Eles estavam caminhando quando ouviram barulhos de trator. “Levantaram” o drone e viram uma grande área desmatada, que possuía um acampamento em seu interior.
Os indígenas resolveram voar mais um pouco com o drone, 900 metros adiante, e encontraram outra área desmatada. Mais 400 metros, outro foco de desmatamento. Mais 500 metros, outra área derrubada. “No final, achamos 15 pontos de desmatamento que conseguimos fotografar e outras trrês que não mapeamos”, disse Bitaté.
Nessa operação, os indígenas passaram quatro dias excursionando dentro de seu território, identificaram um invasor e chamaram a polícia. O homem estava sozinho num acampamento – que fica a mais de oito quilômetros dentro da TI – e possuía armas, além de uma motocicleta e uma motosserra. Ele foi levado à delegacia e preso.
Informações preliminares foram repassadas à Polícia Civil – mas várias fotos e vídeos estão em Porto Velho, na capital de Rondônia, sendo processados para subsidiar posteriormente outras denúncias.
Identificar e denunciar
Para o coordenador-geral da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Israel Valle, é possível falar em trabalhos “antes dos drones” e “depois dos drones”. A Kanindé está baseada em Porto Velho, é uma das maiores e mais importantes organizações indigenistas do Brasil e uma das parceiras do WWF-Brasil nessa iniciativa.
“Antes, nós usávamos informações via satélite, que sempre vinham com algum atraso. Quando chegávamos na área, ela já estava queimada. A gente trabalhava com o que aconteceu. Com os drones você consegue identificar o desmatamento e uma queimada, por exemplo, e fazer uma denúncia imediatamente”, explicou.
Em dezembro de 2019, o WWF-Brasil promoveu um treinamento para 40 pessoas na operação dos drones. Dois Uru-Eu-Wau-Wau e o representante da Kanindé participaram desta capacitação. No primeiro semestre, a Kanindé deu início à replicação desses conhecimentos, promovendo um treinamento para outros 15 indígenas, que aprenderam a usar algumas das funcionalidades deste equipamento.
Israel lembrou também que os indígenas têm feito registros de seu dia-a-dia: no plantio de café e na preparação da roça, por exemplo - compondo um registro etnográfico importantíssimo para os indigenistas brasileiros.
Segurança
Israel contou que os drones facilitam bastante a vigilância e o monitoramento. “Ao invés de você gastar um dia inteiro andando pela mata, gasta metade desse tempo e cobre uma área muito maior. Você ganha uma perspectiva mais ampla e outro tipo de visão do território. O drone melhora a qualidade do dado e a coleta de informações”, disse.
O coordenador-geral da Kanindé afirmou também os drones aumentam a segurança dos patrulheiros que estão fazendo o monitoramento. “Assim que você identifica uma área desmatada, você não precisa chegar lá e se colocar em risco, topando com um acampamento, por exemplo”. Israel contou que, no início do ano, num patrulhamento, um invasor soltou um rojão em direção ao drone: “Temos uma filmagem disso. É possível ver o rojão subindo e explodindo logo abaixo do equipamento”.
Para o analista de conservação sênior do WWF-Brasil, Osvaldo Barassi Gajardo, o uso dos drones permite que as associações de base da Amazônia realizem seus trabalhos de monitoramento e proteção territorial de forma mais segura e qualificada. “Este tipo de ferramenta permite obter elementos e evidências concretas, e ajudam a subsidiar denúncias que serão encaminhadas aos órgãos públicos competentes que lidam com fiscalização ambiental”, explicou.
Links relacionados