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Por Denise Cunha
Caracterizadas como uma das peculiaridades da segunda fase da Expedição Científica Juruena, realizada no período de 24 de fevereiro a 15 de março, as reuniões abertas com moradores de comunidades localizadas no entorno do setor norte do Parque Nacional do Juruena, mobilizaram reações que reafirmam as expectativas sobre o que seria um dos grandes desafios do processo de construção do plano de manejo para a área: a criação e implementação de alternativas que contemplem mudanças socioeconômicas essenciais e atendam tanto às condições ideais para a gestão do parque, quanto às necessidades básicas dessas populações.
Realizadas nas comunidades Pontal (no último dia dois) Barra de São Manoel (no dia nove de março) e Colares (no dia dez de março) as reuniões foram marcadas por um clima de grande desconfiança e incertezas em relação às conseqüências da criação da unidade de conservação nas proximidades da área em que residem e é fonte de grande parte e seu sustento.
Simar do Rosário Correia, ex-líder comunitário da Barra de São Manoel e agente ambiental pela Fundação Djalma Batista, entende que a criação do parque é importante para manter conservado o lugar onde nasceu, há quase quarenta anos, porém, teme que os direitos de sua comunidade sejam lesados.
“Acho bacana deixar a natureza intacta, mas agente lá da comunidade da Barra também precisa usar ela um pouco, precisamos sobreviver. E se você observar, nos vivemos ali há tanto tempo e danificamos muito pouco. Isso porque agente sempre procura preservar a natureza, pois sabemos que se agente convive com ela, não há razão para danificá-la”, declarou.
Segundo Roberta Freitas, uma dos quatro analistas ambientais do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio) responsáveis pelo Parque Nacional do Juruena e que também ajudou a ministrar as atividades com os moradores, a reação não surpreendeu. Desde que passou a existir, o homem estabeleceu uma relação de sobrevivência com o ambiente que está inserida e condicionada a conjuntura sociocultural e religiosa humana. Como não poderia deixar de ser, essa realidade estabelece as peculiaridades dos hábitos e a forma como os recursos naturais de um determinado lugar são usados, além de também reger a vida das populações que estão ligadas direta ou indiretamente com o parque.
“Receber uma notícia que vai acarretar em mudanças em nossas vidas e adaptar a nossa rotina a uma nova realidade nunca é algo que assimilamos com facilidade. Mudanças são sempre temidas. Estaríamos surpresos se a reação fosse de completa aceitação”, declarou Roberta que também explica que esse primeiro contato foi importante por ter sido uma oportunidade para ouvir as percepções e angústias dos moradores e também para tranqüilizá-los ao informar que sua rotina não deve mudar até que sejam levantadas alternativas que, além de garantir a manutenção de sua dignidade, também promovam melhorias na qualidade de vida deles.
Envolvendo os principais grupos sociais, compostos por pessoas representativas das comunidades, lideranças e instituições ou organizações relacionadas com a unidade, as reuniões foram uma importante etapa para a construção do Plano de Manejo e também para a formação do conselho gestor da recém-criada unidade de conservação. O próximo encontro com os comunitários acontecerá em maio quando será realizado um curso de capacitação sobre associativismo e cooperativismo. A agenda para essas populações deve se estender até agosto, período em que as queimadas no estado do Mato Grosso ficam mais críticas e a equipe do ICMBio vai passar a focar esforços para a parte sul do parque.
O diagnostico para o plano de manenjo para o Juruena é uma cooperação técnica entre o ICMBio, o Instituto Centro de Vida (ICV) e o WWF-Brasil, realizada em parceria com a Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal do Acre (UFA).
Conhecendo os moradores
De maneira geral, as populações que moram dentro e no entorno do parque são remanescentes do ciclo econômico da borracha e da extração do ouro, que até hoje, mesmo que a maioria dos garimpos tenha sido desativada na região, ainda é fonte de renda complementar ou mesmo única para alguns. Além disso, dependem de recursos naturais do interior da unidade de conservação, lugar onde são encontrados com mais abundância.
Aldeia primavera que é habitada por índios Mundurukus, por exemplo, tem uma peculiaridade interessante, segundo Maria Elizabeth Ramos, socióloga responsável pelo levantamento de informações em campo para o diagnóstico socioeconômico que vai compor o plano de manejo e que incluirá populações das comunidades e municípios localizados nas áreas de dentro e da zona de amortecimento do parque. Mesmo que não haja a intenção de se trabalhar com comunidades indígenas, essa especificamente poderá ser inserida ao diagnóstico final, pois, mesmo morando fora do parque, eles tem o hábito de transferirem-se para dentro da unidade de conservação, durante três meses no ano, e extrair castanhas e outros recursos naturais para subsistência.
Comunidade da Barra, que tem cerca de 300 moradores, foi o lugar em que a reunião se fez mais acalorada. Isso porque, entre as comunidades que compõe o trecho estudado nessa etapa da pesquisa, esta e a que mais tempo compõe a região, constituindo também uma relação de grande dependência com o parque. Vivem não só de agricultura de subsistência associada às atividades remanescente do ouro, mas também dos recursos que a floresta oferece. A coleta da castanha é uma fonte de renda complementar, a pesca e a caça são a fonte de proteína principal e a palha de babaçu, utilizada para cobrir suas casas, é recurso essencial.
Mas, para Maria Elizabeth, apesar de o desafio de mobilizar mudanças que inspirem o uso racional dos recursos naturais no cotidiano historicamente construído junto às populações ser grande, a forma respeitosa com que essas populações convivem com a natureza pode ser um grande ponto a favor.
“Ainda é cedo para citar alternativas, mas estou otimista com o trabalho, especialmente com as comunidades residentes no trecho contemplado por essa fase da expedição. Eles não chegam nem perto serem um problema para a implementação dessa unidade de conservação”, completou.
O desafio é encontrar alternativas que atendam às condições ideais para a gestão do parque e também às necessidades básicas das populações que residem na área.
Como se diz no Juruena
Piloteiro - pessoa habilitada e com experiência em pilotar pequenas embarcações, como as chamadas voadeiras, em rios do território brasileiro.
Voadeiras - pequenos barcos de alumínio com motores de popa.