Julgamento do marco temporal é adiado para a próxima semana

agosto, 27 2021

Sessão que analisaria o recurso que servirá de diretriz para as demarcações de terras durou apenas 22 minutos. Mesmo assim, a confiança dos 6 mil indígenas que estão acampados em Brasília parece não ter sido abalada

Sessão que analisaria o recurso que servirá de diretriz para as demarcações de terras durou apenas 22 minutos. Mesmo assim, a confiança dos 6 mil indígenas que estão acampados em Brasília parece não ter sido abalada


Por Cristina Ávila, especial para o WWF-Brasil

Durou 22 minutos a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que analisaria o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que servirá de diretriz para as decisões judiciais sobre demarcações de terras no Brasil. O julgamento foi interrompido após a leitura do resumo do relatório do ministro Edson Fachin, que já havia declarado seu voto favorável ao pleito dos indígenas durante audiência realizada em junho. O presidente da Corte, Luiz Fux, justificou que não seria possível prosseguir porque não haveria tempo suficiente para as sustentações orais de 38 advogados. Os trabalhos continuarão na próxima quarta-feira, 1º de setembro. 

Já são mais de 500 anos de resistência. Sendo assim, o novo adiamento parece não ter abalado a confiança dos mais de 6 mil indígenas de 176 povos e 20 estados que estão acampados em Brasília desde o início desta semana, numa mobilização conhecida como Luta pela Vida. “Temos condições de ganhar. Tenho certeza da nossa vitória. Vamos enterrar de vez o marco temporal”, destacou o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy Terena. O marco temporal é um argumento defendido por ruralistas, segundo o qual somente teriam direito a terras os povos que as ocupavam ou disputavam antes de 5 de outubro de 1.988, data da promulgação da Constituição Federal.

O recurso que está no STF trata de um pedido de reintegração de posse feito pelo governo de Santa Catarina contra os Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, mas teve reconhecido o status de “repercussão geral” e, por isso, refletirá em todas as decisões de processos demarcatórios de terras indígenas no Brasil. A sessão terminou às 18h, como é praxe no pleno do STF, que se reúne normalmente às quartas e quintas-feiras. 

Eloy Terena afirmou que, dos 38 advogados que serão ouvidos, 21 são contrários ao marco temporal, 12 são favoráveis e cinco são partes do processo, como Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que defende os Xokleng. Ele estima que as sustentações orais durem entre três e quatro horas e que o julgamento se estenda, no mínimo, até a quinta-feira (2/9). Isso se nenhum ministro pedir vistas dos autos, o que tornaria a data do término do julgamento imprevisível. 

Por conta disso, o coordenador jurídico da Apib enfatizou que os indígenas devem continuar mobilizados em todo o país. Ele acredita que as grandes manifestações feitas durante esta semana contribuíram para que o recurso tenha sido mantido na pauta do STF. Isso não significa, contudo, que o acampamento continuará no mesmo formato em Brasília. Apib e instituições apoiadoras ainda definirão a melhor estratégia. 

No início da noite desta quinta-feira, pouco depois do anúncio do adiamento, os indígenas se manifestaram. Os Kayapó foram os primeiros a voltar para o acampamento, com seus cantos fortes tradicionais de guerreiros e gritos. Em seguida, foram os Terena, que fizeram a rara cerimônia do fogo, que é realizada tanto em caso morte – para que a alma da pessoa seja levada pelas chamas, pelo vento e pelos encantados – quanto de vitória. E dois desses acontecimentos marcaram o dia. A morte da mãe de um dos guerreiros na aldeia Cachoeirinha (MS) e o avanço no STF. Já que os indígenas, segundo Eloy Terena, interpretaram o início do julgamento como um sinal positivo.

Um dos debates mais importantes no Acampamento Luta pela Vida nesta quinta foi sobre candidaturas indígenas às eleições. A coordenadora executiva da Apib, Sônia Guajajara, abriu sua exposição dizendo que a deputada Joenia Wapichana é “a única voz legítima indígena no Congresso, enfrentando leões, sendo muito atacada naquele ambiente hostil de muita disputa”. Ela salientou que os povos originários têm condições de lançar candidaturas próprias no próximo ano, e demonstrou expectativa de que consigam eleger 10 nomes na Câmara Federal. Em 2020, mais de 200 indígenas foram eleitos nos estados.
“Temos condições de ganhar. Tenho certeza da nossa vitória. Vamos enterrar de vez o marco temporal”, destacou o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy Terena (de óculos, no centro da foto).
© Matheus Alves / WWF-Brasil
Indígenas acompanham desde o início da semana a mobilização em Brasília.
© Matheus Alves / WWF-Brasil
O marco temporal é um argumento defendido por ruralistas, segundo o qual somente teriam direito a terras os povos que as ocupavam ou disputavam antes de 5 de outubro de 1.988, data da promulgação da Constituição Federal.
© Matheus Alves / WWF-Brasil
O novo adiamento parece não ter abalado a confiança dos mais de 6 mil indígenas de 176 povos e 20 estados que estão acampados em Brasília desde o início desta semana, numa mobilização conhecida como Luta pela Vida.
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O recurso que está no STF trata do pedido de reintegração de posse feito pelo governo de Santa Catarina contra os Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ.
© Matheus Alves / WWF-Brasil
A líder Sônia Guajajara, da Apib, salientou que os povos originários têm condições de lançar candidaturas próprias no próximo ano, e demonstrou expectativa de que consigam eleger 10 nomes na Câmara Federal. Em 2020, mais de 200 indígenas foram eleitos nos estados.
© Matheus Alves / WWF-Brasil
A deputada federal Joenia Wapichana (de branco, no centro), é a voz indígena na Câmara dos Deputados.
© Matheus Alves / WWF-Brasil
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