O que sabemos sobre a biodiversidade e as mudanças climáticas no Brasil?
maio, 22 2018
Análise da bibliografia nacional feita pelo WWF-Brasil destaca maiores ameaças de perda da vida no país e a necessidade de mais pesquisas sobre o tema
Brasília, DF – Qual a importância da biodiversidade no Brasil e a sua relação com o debate global das mudanças climáticas? Para que mais pessoas se interessem pelo tema e conheçam a produção técnico-científica já produzida até este momento no país, em 22 de maio, Dia Internacional da Biodiversidade, o WWF-Brasil lançará a publicação Biodiversidade e Mudanças Climáticas no Brasil - Levantamento e Sistematização de Referências. O material apresenta diversos estudos e autores, além de identificar lacunas de conhecimento para incentivar a elaboração de novas pesquisas.O Dia Internacional da Biodiversidade é uma data comemorativa instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) para chamar a atenção da população mundial para a importância da diversidade biológica e para a necessidade de proteção da biodiversidade em todos os ecossistemas do planeta.
Nessa agenda, o clima é fator determinante para a distribuição dos seres vivos no planeta. Ao longo dos últimos milhares de anos, cada espécie desenvolveu as características específicas para sua sobrevivência de acordo com seu habitat.
Além das muitas ameaças que já afetam a integridade dos ecossistemas naturais e sua biodiversidade, como desmatamento, queimadas e poluição, os efeitos previstos das mudanças do clima devem gerar consequências ainda mais graves à vida. Para continuar a existir, as espécies deverão se adaptar ou migrar para locais com condições climáticas mais adequadas.
Com o objetivo de conhecer e divulgar a produção científica brasileira, o WWF-Brasil convidou a pesquisadora Priscila Lemes, Doutora em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás, para fazer um levantamento bibliográfico sobre estudos e pesquisas relacionando biodiversidade e mudanças climáticas no Brasil.
Mais pesquisas no Brasil
Desde o início do século XX, há estudos internacionais que avaliam a influência das variações do clima sobre as espécies. Já no Brasil, a análise da relação clima e biodiversidade ainda é recente. A quantidade de trabalhos sobre o tema só começou a ganhar volume a partir de 2007 – e por meio de modelagens. Ainda é necessária a realização de estudos com abordagens que envolvam a observação direta.
De acordo com o diretor executivo do WWF-Brasil, Mauricio Voivodic, um dos grandes desafios na relação entre mudanças climáticas e biodiversidade é saber se as espécies se adaptarão rápido o suficiente para acompanhar as alterações em curso – e as respostas serão diferentes de acordo com cada espécie. “A análise dos impactos negativos das mudanças climáticas na biodiversidade brasileira é fundamental para definir as medidas que precisamos tomar para enfrentar esse problema, com metas nacionais mais ambiciosas na defesa da vida”, afirma Voivodic.
Mapa dos estudos
O levantamento solicitado pelo WWF-Brasil encontrou 110 estudos sobre o tema. Desses, mais de 80 foram publicados nos últimos cinco anos. Há também um predomínio de estudos sobre a vulnerabilidade de plantas, animais e ecossistemas terrestres em relação à biodiversidade em ambientes marinhos e de água doce. Uma mostra disso é que as plantas são o grupo mais analisado, com 33 documentos. Já os peixes são menos estudados, com apenas dois estudos.
Em relação à localização dos estudos, foram encontrados 18 documentos com abrangência nacional, e o mesmo número com foco no bioma Mata Atlântica. O Cerrado é tema de 16 estudos, a Amazônia, de 11, e a Caatinga, de quatro. Foram encontrados 15 trabalhos científicos tendo como escopo a América Latina. Dois documentos não reportaram uma localização específica.
O levantamento Biodiversidade e Mudanças Climáticas no Brasil destaca ainda que as áreas protegidas são essenciais para a manutenção da biodiversidade e a mitigação dos efeitos das mudanças do clima. Porém, diferentes pesquisas questionam se as áreas protegidas já estabelecidas serão suficientes para salvaguardar a fauna e flora brasileiras dos biomas. Um dos motivos é que a perda e a fragmentação de habitats impõem obstáculos ao deslocamento das espécies para locais de clima mais adequado. A combinação de diferentes ameaças pode alterar a magnitude e o padrão espacial da perda da biodiversidade.
“Nos estudos levantados, fica clara a necessidade de medidas da redução da vulnerabilidade dos ecossistemas. No caso das florestas tropicais, além das mudanças climáticas, há a constante ameaça de desmatamento. É necessário haver um fortalecimento de ações de conservação e recuperação para aumentar a conectividade dos ecossistemas remanescentes, com a consolidação de unidades de conservação, refletindo uma gestão florestal integrada da paisagem”, afirma André Nahur, coordenador do Programa Clima e Energia do WWF-Brasil.
A publicação destaca resultados importantes para a biodiversidade e para a própria economia do país, com migração ou extinção de culturas ou espécies nativas importantes, como é o caso do pequi, típico da região centro-oeste, cuja diminuição trará implicações na economia de vários municípios, afetando também comunidades tradicionais que têm na agrobiodiversidade uma fonte de sustento.
“Outras espécies, como o jaborandi, a arnica ou outras que nem mesmo conhecemos ainda, são importantes para a área medicinal e correm risco de extinção local. Estudar e entender os efeitos das mudanças climáticas sobre a biodiversidade é essencial para identificar alternativas para lidar com a ameaça da perda e extinção de espécies, fundamentais para a qualidade de vida do ser humano”, afirma a pesquisadora Priscila Lemes.
Destaques do levantamento:
Plantas
- Todas as populações naturais de jaborandi (Pilocarpus microphyllus), espécie de planta medicinal de diferentes usos (expectorante, tônico capilar, anti-reumático e tratamento oftalmológico) serão perdidas quando o clima se tornar menos adequado; contudo, se habitat naturais forem protegidos e restaurados, é provável que a espécie persista em longo prazo (Zwiener et al., 2017).
- No Cerrado, as projeções do clima futuro devem ser especialmente severas para as plantas. No final do século, a mangaba (Hancornia speciosa), rica em vitamina C e cujo leite é fonte de medicamentos para tuberculose e úlceras, e a arnica (Lychnophora ericoides), famosa por sua ação anti-inflamatória, poderão ter mais de 90% da distribuição atual reduzida (Simon et al., 2013). Já o pequi (Caryocar brasiliense) poderá sofrer uma forte diminuição da diversidade genética (Nabout et al., 2011; Colevatti et al., 2011), resultando em grandes perdas econômicas para os extrativistas.
- Na Mata Atlântica, que atualmente tem menos de 12% da cobertura vegetal nativa, haverá redução de 25 a 50% na distribuição de 38 espécies lenhosas (Joly & Colombo 2010).
- No caso do ipê-amarelo (Tabebuia aurea), muitos alelos têm potencial perdido como efeito do aquecimento global, resultando em perda de variação entre populações (Lima et al., 2017) e aumentando os riscos de extinção local.
Vertebrados
- No Brasil, os pontos de maior ocupação humana possivelmente vão ser palco de maior tensão para a conservação. O tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) e o tatu-canastra (Priodontes maximus) talvez sofram redução na distribuição geográfica (Zimbres et al., 2012).
- A combinação de mudança do clima e redução da cobertura florestal deve causar o declínio demográfico de todas as espécies do gênero Callicebus, primata de médio porte conhecido como sauá ou guigó, no leste do Brasil (Gouveia et al., 2016).
- Na Mata Atlântica, o desmatamento pode ter repercussão imediata na riqueza de espécies, como no caso das aves (Loiselle et al., 2010), tornando-se mais grave quando combinada com as condições climáticas em curso. Com isso, prevê-se uma diminuição de até 45% da distribuição geográfica de aves endêmicas e ameaçadas (Souza et al., 2011).
- Algumas espécies, como o jacu-de-barriga-castanha (Penelope ochrogasteri), terão reduções de até 80% na distribuição geográfica no clima atual -(Marini et al., 2009b).
- O papa-mosca-de-costas-cinzentas (Polystictus superciliaris), deve ter uma distribuição menor em 22% a 75% (Hoffmann et al., 2015).
- A serpente Phalotris lativittatus, endêmica do bioma do Cerrado, deve diminuir sua extensão territorial em até 70%, até 2050, além de um deslocamento para o oeste (Vasconcelos, 2014).
- Os anfíbios têm características que os tornam mais sensíveis às alterações no ambiente, já que sua fisiologia e seu comportamento alteram diante da temperatura (Navas et al., 2013). Eles também precisam de água para a reprodução ou, pelo menos, de microambientes mais úmidos (Haddad et al., 2013). Isso significa que as alterações na precipitação e na disponibilidade de água devem reduzir sua biodiversidade.
Ecossistemas e serviços ecológicos
Os polinizadores, fundamentais na provisão de serviços ecossistêmicos essenciais aos sistemas naturais e à agricultura, também podem ser afetados pela mudança do clima. As mudanças climáticas podem afetar a distribuição geográfica, a abundância local e a sincronia no florescimento das plantas e na atividade dos polinizadores (Hegland et al., 2009).
Giannini e colaboradores (2017) analisaram a distribuição potencial de 95 espécies de polinizadores relevantes a 13 tipos de lavouras, cujas projeções apontam para a redução de áreas climaticamente adequadas a espécies de polinizadores e sua influência na produção de culturas. Considerando-se esse cenário, é prevista a desaceleração da produtividade nas plantações, independentemente do déficit de polinização.
Isto pode resultar em prejuízos à renda agrícola, reforçando a vulnerabilidade socioeconômica em face das alterações em curso (Giannini et al., 2017).
A abelha Xylocopa hirsutissima poderá ter uma severa perda de área adequada (93,7%) e se deslocar para a região norte do Cerrado (Gianinni et al., 2013).
Doenças emergentes
- O aumento da temperatura e a incidência de secas, resultantes desse processo, podem alterar a distribuição, a densidade e a prevalência de doenças transmitidas por vetores (dengue, leishmanioses, malária, febre amarela etc.), e levar à adaptação de vetores e hospedeiros a novos ciclos de transmissão em vista do impacto das condições climáticas no desenvolvimento, no comportamento e na vida-útil de muitos insetos (Mills et al., 2010; Campbell-Lendrum et al., 2015).
- A perigosa combinação de altas temperaturas, baixa disponibilidade de água e perda e fragmentação de habitat na Amazônia pode elevar a importância de vetores secundários do mosquito do complexo Albitarsis na transmissão da malária na América do Sul (Laporta et al., 2015). Além disso, dois vetores de malária no norte da América do Sul, Anopheles darlingi e Anopheles nuneztovari s.l., podem expandir suas distribuições geográficas em locais onde também houve a fragmentação do habitat (Alimi et al., 2015).
- No Brasil, estima-se uma provável expansão do mosquito Aedes aegypti para o sul até 2050 (Cardoso-Leite et al., 2014).
- Há evidências da existência de uma relação entre as condições climáticas atuais e futuras e o aumento da incidência de leishmaniose (Mendes et al., 2016; Piggot et al., 2014), assim como da influência da mudança do clima nos vetores da doença (González et al., 2010; Moo-Llanes et al., 2013).