novembro, 15 2024
Por Fábio de Castro, especial para o WWF-Brasil
Povos originários do Brasil, da Austrália e das Ilhas do Pacífico lançaram na quarta-feira (13), uma aliança para fortalecer o protagonismo e a liderança das comunidades ancestrais nas ações globais contra a crise climática. A iniciativa, chamada de “Troika dos Povos Indígenas”, foi apresentada no Pavilhão WWF da Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP29), com a presença da ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara, e da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana. A cúpula teve início no dia 11 de novembro e prossegue até o dia 22, em Baku, no Azerbaijão.
O nome da iniciativa remete à Troika da COP, que é composta pelos Emirados Árabes Unidos, Brasil e Azerbaijão, presidências das cúpulas da COP28, COP29 e COP30, respectivamente, formada para dar continuidade e coerência às conferências na busca pela meta de manter o aquecimento global limitado a 1,5oC.
No caso da Troika dos Povos Indígenas, o objetivo é colocar no centro dessas discussões as organizações e membros das comunidades originárias, que são os grandes guardiões da natureza e exercem um papel fundamental na mitigação climática e conservação dos recursos naturais. Os países integrantes devem sediar as próximas três Conferências do Clima.
Segundo a ministra Sônia Guajajara, a iniciativa partiu dos indígenas e não se limita a organizar a participação dos povos originários nas COPs, mas busca fortalecer o protagonismo indígena nos espaços das conferências do clima, reconhecendo seu papel de guardiões do planeta.
“Embora já haja essa constatação da importância dos povos e territórios indígenas, nossa participação ainda não está no centro das discussões. Isso precisa ser dito todos os dias, porque as mudanças climáticas não são mais um problema do futuro, são problemas que já sentimos fortemente hoje”, disse a ministra.
Ela destacou que a participação indígena vem aumentando nas COPs, mas ainda não se tornou central. De acordo com ela, na COP de 2009, na Dinamarca, havia apenas três representações indígenas do Brasil e pouquíssima participação de comunidades locais. Na COP de 2012, no Catar, já havia 12 organizações indígenas do Brasil e na Espanha, em 2019, a conferência teve a maior participação de mulheres indígenas na história. No ano passado, nos Emirados Árabes, a cúpula teve a maior delegação indígena de toda a história das COPs, com mais de 300 indígenas de todo o mundo e uma centena de representações do Brasil.
“No ano que vem, na COP30, em Belém do Pará, queremos ter a maior e melhor participação indígena de toda a história das COPs. Mas temos que pensar como será esse processo. Como vamos chegar em Belém?”, questionou a ministra. De acordo com ela, além do aumento de credenciais para indígenas, o ministério propôs a criação de uma credencial específica para identificar os povos originários - e já há sinalizações positivas para isso.
“Nas COPs, ou você participa como ONG, governo, ou empresa. Nós, indígenas, não estamos em nenhuma dessas categorias. Queremos ter essa diferenciação no nosso crachá, para mostrar essa participação indigena de forma diferenciada, como merecemos ser reconhecidos nesse espaço de debates”, explicou Sônia.
Além disso, segundo ela, o ministério tem uma iniciativa em curso com o objetivo de garantir a incidência direta dos povos indígenas nas decisões da COP. “Nós lançamos a formação de líderes indígenas para a política global. É um curso que já está em andamento, uma parceria com o Ministério das Relações Exteriores e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática. Na COP30, no Brasil, esses líderes indígenas que participam desse processo de formação já estarão atuando diretamente nas salas de negociação.”
Chamado global de união
Alana Manchineri, que lidera a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) afirmou que a Troika Indígena é um chamado global de união e solidariedade entre povos indígenas de todos os continentes.
“Enquanto nós sangramos no Brasil, vocês sangram na Austrália, no Pacífico e em todos os continentes. A nossa luta é uma só: garantir nossos direitos territoriais e nossas vidas, que têm sido ceifadas por aqueles que se dizem autoridades. Mas, as verdadeiras autoridades somos nós, povos indígenas, mulheres, homens, crianças, anciãos, que têm feito da sua vida a luta pela garantia do território”, afirmou.
Alana destacou que a Troika da COP, formada por Brasil, Emirados Árabes e Azerbaijão, foi estabelecida para liderar os esforços globais para limitar o aquecimento global, mas na realidade planeja aumentar a produção de combustíveis fósseis em 32% até 2035.
“Essa expansão contradiz diretamente a liderança climática que essas nações afirmam defender. Não haverá missão possível de 1,5oC se os planos de expandir petróleo e gás continuarem, inclusive na Amazônia. Não haverá vida digna em um planeta em chamas. Nós sabemos disso e nos solidarizamos com nossos parentes das ilhas do Pacífico quando dizem: não estamos nos afogando, estamos lutando. Nós, da Amazônia, estaremos com vocês para que o céu não desabe”, declarou Alana.
Ela também exigiu planos climáticos ambiciosos - especialmente nos países que mais contribuem para as emissões de gases de efeito estufa - e que a demarcação de terras indígenas e o direito territorial sejam reconhecidos como política climática.
“Nossa aliança se orienta pelas fronteiras naturais e não pelas linhas imaginárias coloniais. Não descansaremos até que ações climáticas urgentes sejam implementadas. A COP30 será no nosso território e não aceitaremos que as negociações aconteçam sem a participação das nossas vozes e da nossa autoridade climática. Para isso, reivindicamos a copresidência da COP30 no Brasil”, afirmou.
Soluções ancestrais
A presidenta da Funai, Joênia Wapichana, reforçou a proposta de ter indígenas na presidência da COP30, em Belém.
“O lançamento da Troika é um passo a mais de aliança para o enfrentamento climático. São os povos indígenas que têm enfrentado em primeiro lugar o impacto das mudanças climáticas, mas também têm mostrado o caminho para o seu enfrentamento. Nas COPs, não queremos ter apenas o discurso dos povos indígenas, mas também garantir que eles possam apresentar iniciativas fundamentais para o próximo passo. Fazer com que eles ocupem a presidência da próxima COP é importante para que eles não tenham apenas uma presença simbólica”, declarou Joênia.
Cathryn Eatock, representante da Organização dos Povos Indígenas da Austrália - que reúne 360 organizações indígenas do país - afirmou que o conhecimento e as tradições dos povos tradicionais, assim como suas conexões com o ambiente, oferecem insights valiosos que devem ser centrais para soluções globais.
“Hoje anunciamos a criação da Troika dos Povos Indígenas buscando promover uma coordenação própria para os povos indígenas da Amazônia, Austrália e Pacífico, a fim de garantir a implementação do Acordo de Paris, já que as soluções climáticas estão enraizadas nas visões de mundo indígenas”, afirmou Cathryn.
Ela explicou que a Troika não é apenas um chamado por participação e reconhecimento, mas também um chamado para a ação. “Essa Troika é um chamado para a ação. É um chamado para o reconhecimento de que a liderança indígena no movimento climático não é apenas um imperativo moral, é um imperativo prático. Fomos nós os primeiros a vivenciar os efeitos da mudança climática - e dispomos das soluções”, disse.
Um espelho para os líderes globais
Rufino Varea, coordenador da Rede de Ação Climática das Ilhas do Pacífico, afirmou que o esforço coordenado dos povos tradicionais dos três países que compõem a Troika dos Povos Indígenas tem o objetivo de estabelecer uma plataforma que faça avançar o legado e as prioridades desses povos nos espaços globais de negociação climática.
“Esse modelo compartilhado é inspirado na nossa atual presidência da Troika da COP. Mais do que o outro lado da mesma moeda, a Troika dos Povos Indígenas é um espelho que reflete, para nossos líderes, as consequências de suas decisões e da ganância que está prejudicando nossa mãe Terra e suas pessoas”.
Rufino destacou que na cultura indígena de sua região, no Pacífico, como na de vários outros povos pelo mundo, a tradição oral tem um papel central e contar histórias é um meio poderoso e eficaz para passar através das gerações os legados, práticas, costumes e valores.
“Mas hoje, a prática de contar histórias se tornou uma arma perigosa, usada para induzir a erro com narrativas distorcidas e para fugir de responsabilidades. Nós não podemos deixá-los controlar a narrativa. Vamos usar essa Troika dos Povos Indígenas para recuperar o poder de contar nossas histórias e controlar a narrativa. Enquanto nossos povos estão no front da crise planetária, os líderes mundiais não fizeram o suficiente para enfrentar essas questões.”