Jalapoeira Apurada encanta a capital com coleção de Capim Dourado durante o Brasília Design Week
julho, 18 2024
A coleção ficou exposta durante os quatro primeiros dias do evento (03 a 07/07) no anexo do Museu Nacional, ampliando a perspectiva do design para a transformação social
Por Tainá Aragão, do WWF-Brasil“O Cerrado brilha naturalmente”. É assim que Laudeci Ribeiro de Souza Monteiro, 45 anos, diretora da Associação Comunitária dos Artesãos e Pequenos Produtores de Mateiros (ACAPPM) e mestra artesã do capim dourado no Jalapão, enxerga o cerrado. Não poderia ser diferente, já que ela trabalha com esse material desde o tempo em que era chamado de capim ouro. Com o passar dos anos, o capim não mudou somente de nome, mas foi ganhando cada vez mais importância na economia das comunidades tradicionais do Jalapão, sendo moldado em diversos formatos, até alcançar a forma de esculturas na coleção Jalapoeira Apurada, que reluziu no Brasília Design Week.
As obras foram criadas por mulheres de três associações do Jalapão: ACAPPM, Associação de Artesãos e Extrativistas do Povoado do Mumbuca e Associação Quilombo do Prata. Durante três dias, de 03 a 07 de julho, as esculturas foram expostas no anexo central do Museu Nacional, como parte principal do evento.
O Brasília Design Week é um dos maiores festivais urbanos da América Latina, e nesta edição, destacou o design autoral e de produção nacional, evidenciando a feita no Distrito Federal entre 2022 e 2024. A exposição Jalapoeiras Apuradas foi parte principal da abertura do evento, contou com o apoio do WWF-Brasil, Instituto A Gente Transforma (IAGT) e Cooperativa Central do Cerrado, que trabalharam ao longo de quase dois anos junto com as associações para tornar essa coleção uma realidade, com intuito de alcançar outros mercados e valorizar a arte com o capim dourado.
Além da exposição da Coleção, a programação da Design Week contou com dois momentos especiais voltados para o público conhecer mais sobre o projeto. A palestra "Design como ferramenta de transformação social," com a participação de Marcelo Rosenbaum e das Jalapoeiras Apuradas, ocorreu no SEBRAE LAB no segundo dia do evento (04/07). Já a Roda de Conversa com as Jalapoeiras Apuradas, que abordou o tema "Arte Mulheres," foi realizada no Anexo do Museu Nacional no dia 05/07.
Outro encontro importante ocorreu como parte do evento, foi o encontro com o Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Leandro Grass, para discutir possíveis caminhos para fortalecer a proteção do patrimônio material e imaterial associado ao território e ao saber-fazer do artesanato quilombola do Jalapão. O objetivo é garantir a manutenção e salvaguardar a continuidade desse legado de manejo ancestral.
A arte do Jalapão sob ameaça
Laudeci Ribeiro, diretora da ACAPPM é uma das artesãs que encabeçou o projeto. Segundo ela, a proposta foi utilizar os materiais e técnicas tradicionais das artesãs, mas em proporções maiores para criar produtos e dialogar com o mercado de designer. "Era muito difícil para a gente vender antigamente para esse nicho," disse Laudeci, que viu no projeto uma oportunidade de facilitar as vendas e trazer reconhecimento para o artesanato quilombola do Jalapão.A história do capim dourado no Jalapão vem de longe, e é fruto de resistência e o manejo sustentável do capim. Silvanete Tavares da Silva, de 39 anos, presidenta da Associação de Artesãos e Extrativistas do Povoado do Mumbuca, compartilhou que sua avó, Dona Miúda, que começou a trabalhar começou a trabalhar o capim dourado para fazer peças de artesanato. Hoje, em sua comunidade, existem mais de 130 artesãs que dependem do capim dourado para 95% de sua renda, preservando e cuidando dessa riqueza natural do cerrado.
A presidenta da Cooperativa Central do Cerrado, Maria Aparecida Ribeiro de Sousa (Cida), esteve presente no lançamento e reconheceu o compromisso do projeto em atribuir não meramente um valor comercial para as peças, mas reconhecer ancestralidade e social do artesanato quilombola.
“As peças expostas não são apenas objetos de arte; elas carregam a história e a identidade de suas criadoras. Quem compra essa peça não compra só uma peça, mas leva o fruto de uma história, de quem somos e do território que protegemos," enfatizou, Cida.
As esculturas em capim dourado e costurados com a seda do buriti representam uma celebração da cultura quilombola, trazidas à vida pelas mãos habilidosas de 28 artesãs que participaram do projeto. A Central do Cerrado é elo fundamental para a relação de comercialização do artesanato de capim dourado.
Além de Laudeci e Silvanete, Aurelinda Passos Ribeiro, de 73 anos, outra mestra na arte do capim dourado do Jalapão também esteve presente representando a Associação Quilombola do Prata. Para ela, que também confeccionou as peças para a exposição, é um importante legado do reconhecimento do trabalho desenvolvido pelas comunidades do Jalapão. “Eu nunca imaginei que chegaríamos em um espaço como esse, fico muito feliz de ver o nosso capim aqui, na capital”.
Apesar da alegria característica de Aurelinda, algo a preocupa. “O capim tá se acabando, estamos ficando sem água nas veredas por conta do desmatamento que tá chegando no povoado, e ele não se planta em nenhum lugar, além do cerrado, se acabar ali, acaba para sempre”. O que denuncia a veterana artesã é a realidade vivenciada por muitas comunidades do bioma, uma vez que é no cerrado, o bioma mais ameaçado do Brasil, que o capim cria suas raízes.
Segundo o MapBiomas, entre 1985 e 2021, a área ocupada por lavouras de soja no Cerrado cresceu 1443%, chegando a quase 20 milhões de hectares, ou 10% do bioma, no ano de 2021. Além disso, cerca de 80% do Cerrado já foi modificado pelo homem devido à expansão agropecuária, que ganha cada vez mais proporção.
"Já vemos a pressão do agronegócio chegando nas comunidades, e isso é muito preocupante. O Cerrado tem uma importância imensa, e temos um cuidado estratégico em nossa atuação nesse bioma. Além de combater o desmatamento, trabalhamos para restaurar e recuperar o bioma, além de fortalecer as economias da sociobiodiversidade, - buscando garantir a permanência dessas comunidades em seus territórios, uma vez que são as maiores protetoras do Cerrado.", explica Kolbe Soares, especialista de Conservação do WWF-Brasil.