Ações de coexistência com onças-pintadas são reforçadas no Pantanal
dezembro, 08 2023
Projeto do WWF-Brasil, realizado com organizações parceiras, dissemina conhecimentos para evitar conflitos entre humanos e fauna
Por Maíra Teixeira, do WWF-Brasil, de Poconé (MT) O Pantanal vem passando, ano após ano, por secas prolongadas e queimadas intensas, acumulando impactos negativos para a população, a flora e a fauna. Um deles é a perda e a fragmentação de habitats, como é conhecido o processo de modificação e divisão de áreas de ocupação pelas espécies, causado por fenômenos naturais ou pela ação humana. Entre os animais que mais têm sofrido está a onça-pintada (Panthera onca). De acordo com o estudo “Incêndios florestais afetaram desproporcionalmente onças-pintadas no Pantanal”, publicado pela revista científica Nature, apenas em 2020, o fogo atingiu 746 indivíduos de uma população estimada em 1.668 exemplares no bioma. Considerando outras pressões, no entanto, os prejuízos para o maior felino das américas foram ainda mais significativos.
Quando o ambiente em que as onças-pintadas vivem é transformado, elas acabam ficando encurraladas em pequenas áreas e não têm como migrar livremente pela mata. Tendem, então, a se aproximar de propriedades rurais ou de comunidades, abatendo animais domésticos ou de criação para se alimentar e consumindo carcaças encontradas pelo caminho. Por isso, para reduzir os conflitos entre esses grandes felinos e humanos, o WWF-Brasil vem investindo na promoção de técnicas favoráveis à coexistência e na sensibilização de produtores rurais, lideranças comunitárias e agentes públicos em sete estados brasileiros, nos biomas Pantanal, Amazônia e Mata Atlântica.
As ações mais recentes ocorreram em outubro e novembro, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Pantanal, em parceria com o Instituto Pró-Carnívoros, Ampara Silvestre, Fundação Panthera Brasil, Pousada Piuval, SESC Pantanal, IHP, Onçafari e Associação Aliança 5P. No mês anterior, o WWF-Brasil promoveu, com apoio de organizações parceiras, uma oficina no Acre, bioma amazônico que vive esse mesmo problema. Esse trabalho tem, em grande medida, como referência a experiência do projeto Onças do Iguaçu - realizado em cooperação com WWF-Brasil e Parque Nacional do Iguaçu/ICMBio - no Alto Paraná, área de Mata Atlântica integrante do Corredor Verde, na divisa entre Brasil, Paraguai e Argentina.
Os resultados são animadores. No Parque Nacional do Iguaçu, lado brasileiro do Corredor Verde, restavam, em 2009, entre 9 e 11 onças-pintadas, e a espécie estava perto da extinção local. No entanto, nos últimos anos tem-se observado uma tendência importante de crescimento e estabilidade da população, alcançando, em 2022, uma média de 25 animais (entre 19 e 33).
Por ser um animal topo de cadeia, a presença da onça-pintada evidencia o quanto o ambiente está saudável e ecologicamente equilibrado. De acordo com a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), esse felino de beleza singular está perto da ameaça de extinção, o que indica um declínio de 20% a 25% em 21 anos. Estudos estimam que existam mais de 170 mil indivíduos no mundo.
Projeto robusto
Essas ações que aconteceram em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul não são novidade para o WWF-Brasil. Desde 2018, a organização atua com parceiros locais para sensibilizar as pessoas que vivem nas áreas de incidência da onça-pintada e promove ações de coexistência em regiões de Mata Atlântica, Amazônia e agora Pantanal. O trabalho abrange a identificação das principais causas de conflitos entre humanos e a espécie nessas paisagens a fim de coconstruir soluções baseadas em experiências exitosas. Um dos resultados foi registrado numa cartilha, divulgada neste ano, com diagnósticos e estratégias de soluções.Paul Raad, coordenador do projeto Humano-Fauna da Ampara Silvestre, destaca que preservar onças é essencial à vida – incluindo a humana – porque elas ajudam na regulação das espécies, controlando a população de animais herbívoros, além de manter a floresta com seus serviços ecossistêmicos funcionando e a interligação de grandes áreas e biomas.
“A morte de onças-pintadas pode acontecer devido à complexa relação de seres humanos com os ecossistemas, com a natureza. Isso é muito preocupante no contexto em que vivemos atualmente, de mudanças climáticas e fragmentação de habitats, seja por fenômenos naturais, pela construção de obras e empreendimentos, ou por queimadas”, diz Cyntia Santos, analista de conservação do WWF-Brasil.
As principais causas de perda dessa espécie são: destruição do habitat; concorrência por alimento em áreas de comunidades tradicionais de caça para subsistência, pois moradores locais e onças disputam as mesmas presas; caça para obtenção de partes do seu corpo; abate por medo ou retaliação; ou em encontros incidentais dentro da mata e beira de rios.
“A fragmentação dos habitats, em decorrência da expansão agropecuária, leva à formação de pastagens para o gado”, explica Ricardo Boulhosa, pesquisador e presidente do Instituto Pró-Carnívoros. “Além disso, o desmatamento e as queimadas recorrentes reduzem drasticamente o número de presas. Com menos presas à disposição, a onça pode ter como alvo animais de criação e de estimação ou até carcaças”.
Técnicas para evitar conflitos
Para evitar conflitos entre humanos e onças, ao longo das oficinas foram compartilhadas técnicas de identificação de espécies de mamíferos carnívoros, que ajudam na confirmação do predador em um eventual caso de morte de animais de criação ou domésticos, demonstrando que nem sempre as onças são as vilãs. Também foram ensinadas algumas medidas para prevenir a aproximação do felino, como melhorias no manejo das pastagens e a instalação de cercas adequadas, dispositivos de som ou de luz, ou até mesmo o cercamento com tela de currais para evitar a entrada de felinos nos recintos.Além disso, foram exploradas medidas mitigadoras, como o manejo adequado do rebanho, como, por exemplo, readequação da maternidade e cuidados com os bezerros otimizando sua sobrevivência, sinalização das propriedades que trabalham com turismo de observação da onça-pintada, por meio de placas orientativas e respeito às regras de campo, como não sair dos veículos ou atenção aos procedimentos nos barcos com os guias.
Uma das vertentes desse trabalho é desmistificar que as onças-pintadas são grandes ameaças para a atividade agropecuária. Estudos feitos no Pantanal, no sul da Amazônia e no oeste do Paraná demonstraram que, em média, apenas uma ou duas a cada 100 cabeças de gado perdidas decorrem de ataque pela espécie. Por isso, a adoção de medidas como o manejo adequado das pastagens e dos rebanhos, a implementação de cercas elétricas e o monitoramento utilizando armadilhas fotográficas, são úteis não somente para afastar esses felinos das propriedades como para identificar indivíduos problema.
Breno Dorileu, pecuarista pantaneiro de Poconé (MT), conta que a convivência com a onça no Pantanal é essencial. “Se a gente mata uma onça porque acha que é uma ameaça ao rebanho, a falta desse animal mexe no equilíbrio local. Podem aparecer outras onças, com hábitos diferentes. A natureza sabe o que faz, seja em prover pasto bom para a pecuária extensiva, com a qualidade que temos aqui no Pantanal, seja controlando os animais que devem estar presentes aqui. Temos que ser parceiro, não podemos ser inimigos”, salienta.
“A onça-pintada vai buscar alimento onde está mais fácil, com menos esforço, especialmente se não houver obstáculos. Então, o recomendável, e o que evitará prejuízos, é investir em melhores práticas de manejo do gado, como na colocação de cercas elétricas. Não existe receita única, cada fazenda e região produtora é diferente, mas a solução nunca é matar a onça”, frisa Rafael Hoogesteijn, consultor da Fundação Panthera.
Felipe Feliciani, analista de conservação do WWF-Brasil, afirma que hoje existem muitos exemplos de projetos que comprovam que a coexistência entre onças-pintadas e humanos é possível: “O abate de onças não é uma solução para o conflito, pois um espaço deixado por uma onça morta, será rapidamente ocupado por uma outra, por isso a solução passa pelo manejo da propriedade e pelas técnicas de afugentamento.”
“A onça-pintada pode parecer um problema para humanos e o setor produtivo. Mas a associação de técnicas antidepredação com as atividades agropecuárias são totalmente possíveis em uma propriedade com planejamento e monitorada, basta que o proprietário tenha interesse. Adicionalmente, a onça-pintada agrega inúmeras oportunidades de desenvolvimento econômico local, como fazem atualmente em regiões do Pantanal. Isso gera oportunidades para centenas de pessoas, de todas as idades, poderem contemplar e fotografar o maior felino das américas”, explica Cyntia.