Tecnologia reforça monitoramento da biodiversidade em UCs estaduais do Amazonas

dezembro, 20 2022

Agentes ambientais voluntários usam a plataforma SMART para sistematizar dados e melhorar a gestão de 19 milhões de hectares
Por Mariana Baptista, do WWF-Brasil 

A tecnologia tem se mostrado uma importante aliada nas ações de conservação da natureza no Brasil e no mundo. No Amazonas, que possui 42 Unidades de Conservação (UCs) estaduais distribuídas em 19 milhões de hectares, área equivalente a quase o dobro do tamanho de Pernambuco ou a cerca de duas vezes o de Portugal, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA-AM) adotou a plataforma SMART como parte do protocolo oficial de monitoramento dessas áreas e vem capacitando gerentes e agentes ambientais voluntários em cursos realizados em parceria com o WWF-Brasil. A formação mais recente ocorreu de 7 a 10 de novembro, na comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Acajatuba, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro. 

Entre os 43 participantes, 38 eram agentes ambientais voluntários de comunidades ribeirinhas que já atuavam no monitoramento das áreas em que vivem. Haviam sido capacitados pela SEMA-AM no Programa de Monitoramento da Biodiversidade e uso dos recursos naturais em Unidades de Conservação (ProBUC), implementado em 2007. O engajamento dos ribeirinhos tem sido fundamental para driblar questões como o tamanho do território e a logística complexa para visitar cada UC, o que dificulta muito a coleta e a sistematização de dados pelos gestores da Secretaria.  

Foco principal do treinamento em Acajatuba, a ferramenta SMART é um software de código aberto de coleta, armazenamento, comunicação e análise de dados sobre biodiversidade, assim como atividades ilegais, rotas de ações de campo e atividades de gerenciamento para melhor uso dos recursos e do espaço. A adoção do SMART, feita pela SEMA-AM em 2020, é parte de uma série de outras inovações tecnológicas que também integraram o curso, como a instalação de armadilhas fotográficas em trilhas na floresta e a utilização da plataforma Wildlife Insights, que permite registrar e analisar informações capturadas pelas armadilhas com uso de inteligência artificial. 

“A ideia é que quando os participantes voltarem para suas comunidades, também capacitem os monitores que não puderam vir. Então, esse aprendizado entre os comunitários é algo que nós também valorizamos muito no projeto”, explica Felipe Spina Avino, que lidera o trabalho de tecnologia para a conservação no WWF-Brasil. A implantação do SMART nas UCs estaduais do Amazonas tem sido apoiada pela Fundação Gordon e Betty Moore. 

Atualmente, os registros dos monitoramentos são feitos em planilhas de papel que são recolhidas e depois transcritas pela SEMA-AM, o que torna o processo mais demorado e burocrático. “A expectativa agora é que, com um retorno mais rápido do monitoramento através do SMART, nós possamos utilizar informações mais precisas para subsidiar a tomada de decisões e auxiliar as comunidades no seu próprio manejo de recursos”, destaca Jaime Gomes, gerente da RDS do Rio Negro pela SEMA-AM. 

Além dos agentes voluntários, servidores da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMAS) de Presidente Figueiredo também participaram do curso. O grupo já havia recebido uma capacitação em 2021 e está responsável pela implantação da plataforma na APA (Área de Proteção Ambiental) Caverna do Maroaga, pois o município seguiu os passos da SEMA-AM e também oficializou, por meio de uma portaria publicada no dia 1o de dezembro, o SMART como a ferramenta de monitoramento oficial de suas UCs. “É importante trabalhar com dados porque as pessoas vão e os dados ficam. Nós vamos deixar esses dados para que as próximas gerações continuem o nosso trabalho daqui para frente”, reforça Ricardo Matos, servidor da SEMMAS e mestre em gestão ambiental.  

A equipe de tecnologia para conservação do WWF-Brasil realizou o treinamento em parceria com os servidores da SEMA-AM e com Midian Salgado, mestra em Ciência Animal pela Universidade Federal do Amazonas, especializada no monitoramento de quelônios e representante do projeto Pé-de-Pincha. Ainda foram doados pelo WWF-Brasil materiais de apoio como celulares e armadilhas fotográficas e distribuídos pela SEMA-AM entre os agentes voluntários. A organização WCS, integrante da Rede Global SMART, e a FVA (Fundação Vitória Amazônica) também estiveram presentes.  

Parceria para fortalecer as comunidades 

Mais do que facilitar as questões logísticas, o envolvimento dos ribeirinhos no monitoramento da biodiversidade é fundamental para fortalecer as comunidades, valorizar os saberes tradicionais e garantir a manutenção do território. “Eles já conhecem o dinamismo de cada espécie, as diferenças entre os períodos de cheia e seca, os animais. O conhecimento tradicional aliado ao conhecimento científico traz um ganho tanto para o meio ambiente quanto para os moradores”, aponta Cristiano Gonçalves, gerente da RDS do Uatumã pela SEMA-AM, que também atuou na equipe de apoio do curso.  

O uso de recursos naturais, como a exploração de produtos madeireiros, caça e pesca, é muito importante no cotidiano dessas populações. Mas tem sido um desafio combater esse uso quando ele é realizado de forma predatória, sem as técnicas de manejo adequadas ou quando se trata de espécies protegidas. Para lidar com esse problema, a SEMA-AM tem realizado um trabalho de sensibilização e educação ambiental, buscando conscientizar os ribeirinhos sobre a importância da preservação de espécies.  

Na região de Acajatuba, uma das maiores ameaças à biodiversidade é a caça de ovos de diferentes espécies de quelônios, como tartarugas e tracajás, para comercialização. Então, um dos focos dos treinamentos da SEMA-AM nos últimos anos tem sido justamente o monitoramento dos ovos. E tem surtido efeito: a comunidade conta com uma chocadeira construída pelos próprios moradores onde são armazenados os ovos coletados da praia para protegê-los da caça, além de um berçário para o cuidado com os animais recém-nascidos. Após crescerem, eles são soltos em seu habitat natural e seguem sendo monitorados.  

Muitos ribeirinhos, que antes trabalhavam ilegalmente, decidiram abandonar a prática após os cursos e hoje atuam no monitoramento. “Não tem preço que pague, nós criamos amor pelos animais. Hoje eu tenho a visão de criar para mais tarde ainda ter esses animais dentro da Reserva. Eles vão ficar para os nossos filhos e netos”, afirma a ex-caçadora Neuzimar Macedo da Silva. A trabalhadora rural, que vive na comunidade 15 de Setembro, tornou-se agente ambiental junto com o marido e tenta repassar os aprendizados para amigos e vizinhos que ainda caçam predatoriamente. “É difícil porque ainda somos muito criticados. Acredito que é uma questão de informação, de convidar as pessoas para conhecerem o que fazemos na prática”, destaca. 

A falta de alternativas de renda, contudo, ainda distancia muitos ribeirinhos do trabalho de monitoramento e é um desafio que precisa ser enfrentado. Em Acajatuba, o presidente da Associação Mãe da RDS, que representa 19 comunidades, Viceli Siqueira da Costa, tem buscado estabelecer uma estratégia de geração de renda por meio do ecoturismo para garantir a qualidade de vida dos moradores em longo prazo. “Se eu trabalho o social, o ambiental e o econômico, eu trabalho a sustentabilidade”, salienta.  

Viceli, que também é agente voluntário e brigadista, é filho de um dos fundadores da comunidade e reitera a importância da manutenção da biodiversidade no território para as próximas gerações. “É fundamental mover as comunidades porque nós moramos aqui, nós queremos manter a floresta em pé, comer peixe sadio, ver os animais. Eu quero que meu filho de um ano e meio possa ter isso também”, completa.  

Uso da tecnologia atrai a juventude 

A implantação do SMART e de armadilhas fotográficas também são ferramentas importantes para atrair cada vez mais jovens para o monitoramento por conta do interesse pela tecnologia. “O que nós queremos é conquistar mais pessoas, apresentar números. Esse aplicativo vem para nos ajudar na conscientização das pessoas porque vai nos ajudar a tabular os dados e mostrar que o projeto é um sucesso”, afirma Viceli. 

O incentivo parte da própria juventude que já atua no monitoramento, como é o caso da agente Darlene Ferreira da Silva, da comunidade São Francisco do Chita, na RDS Puranga Conquista. “Na minha comunidade, os jovens não têm muito interesse nesse trabalho. Mexer com celular é o que eles mais gostam, então acho que com isso eles podem se interessar e se envolver mais”, observa.  

Outros treze jovens entre 17 e 25 anos também participaram do treinamento em Acajatuba. Darlene, que tem 18, foi influenciada pelo padrasto que também trabalha como agente ambiental voluntário e hoje busca conscientizar amigos e crianças de sua comunidade. “Gosto muito de conversar com as crianças sobre o lixo. Elas aprendem muito rápido e agora dão exemplo para os adultos”, completa. A jovem atua principalmente no monitoramento de pesca em parceria com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e pretende continuar os estudos na área.   

Os monitores mais experientes também alertam para a importância de envolver os mais novos no processo. “Nós tentamos passar para os jovens a ideia de que esse é o nosso quintal, por isso precisamos ter o maior zelo possível com ele”, explica Francisco Carlos Borges de Souza, gestor ambiental e mestre em Áreas Protegidas, conhecido na região como Seu Peba. Aos 63 anos e com 23 de trabalho ambiental voluntário, ele atua no Conselho do Mosaico do Baixo Rio Negro apoiando a gestão de treze UCs. “Tenho muitas expectativas, mas muitas conquistas também. Os nossos agentes, brigadistas, presidentes das Associações Mãe, todos eles têm um pouco do meu olhar e do meu caminhar nesse território do mosaico”, diz. 
Tecnologia reforça monitoramento da biodiversidade em UCs estaduais do Amazonas
© Myke Sena / WWF-Brasil
Formação mais recente do SMART com gerentes e agentes voluntários ocorreu em novembro na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro
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O engajamento dos ribeirinhos tem sido fundamental para driblar questões como o tamanho do território e a logística complexa para visitar cada UC
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A comunidade conta com uma chocadeira e um berçário para o cuidado com os ovos e os animais recém-nascidos
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A trabalhadora rural Neuzimar Macedo da Silva é uma ex-caçadora que abandonou a prática depois dos cursos e hoje atua no monitoramento
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Midian Salgado, mestra em Ciência Animal pela Universidade Federal do Amazonas e representante do projeto Pé-de-Pincha, treinou os participantes para o monitoramento de quelônios
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A agente ambiental voluntária Darlene Ferreira da Silva busca conscientizar amigos e crianças de sua comunidade
© Myke Sena / WWF-Brasil
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