Eliminar desmatamento é condição crítica para manter aquecimento abaixo de 1.5°C, diz estudo

novembro, 18 2022

Nota técnica do WWF apresentada na COP27 concluiu que, sem o setor agropecuário, não é possível atingir metas do Acordo de Paris
Por WWF-Brasil

Uma redução radical das emissões de carbono, grande o suficiente para evitar que as médias globais de temperatura ultrapassem o perigoso limite de 1.5oC, requer medidas imediatas de eliminação do desmatamento de áreas cobertas por vegetação nativa. E essa meta não será cumprida sem a participação do setor agropecuário. Essa foi a discussão central de um evento realizado pelo WWF no dia 10 de novembro, durante a 27a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP27), em Sharm-el-Sheikh, no Egito. 

Realizado no Panda Hub, o espaço do WWF na COP, o debate "Por que o desmatamento zero é crítico para um caminho 1.5oC crível?  Evidências e soluções" foi liderado por Jean François Timmers, gerente de Políticas Públicas para Cadeias Livres de Desmatamento da Rede WWF. 

O evento contou com a participação do WWF-Brasil, WWF-EUA e da Prática Global de Mercado, uma estrutura horizontal temática internacional da Rede WWF. O ponto de partida para a apresentação, de acordo com Timmers, foi um estudo feito pelo WWF e apresentado na COP27 no formato de uma nota técnica

O estudo procurou responder à seguinte questão: zerar a conversão de biomas naturais é uma tarefa que se justifica apenas pelos graves impactos do desmatamento na biodiversidade e nos direitos humanos? Ou deter a destruição imediatamente é uma condição incontornável para conseguir uma redução rápida das emissões de GEE?

"Os resultados da pesquisa demonstram que, sim, para cumprir as metas de redução de emissões de GEE é absolutamente necessário tomar medidas imediatas de eliminação do desmatamento de ambientes naturais", diz Timmers.

"Vemos que há um número cada vez maior de empresas se mobilizando para responder à exigência de redução de emissões de GEE. Mas o que significa essa mobilização? Sabemos que é possível reduzir emissões com processos industriais e transportes mais eficientes, ou melhorar os processos da produção agropecuária, por exemplo. Mas agora temos evidências também de que as metas climáticas só podem ser alcançadas com a eliminação do desmatamento e, portanto, com a participação do agronegócio", explica.

A cadeia de produção de alimentos, segundo o estudo, contribui com pelo menos um terço do total de emissões líquidas de GEE que estão alterando o clima do planeta. Por isso, para que as metas do Acordo de Paris sejam cumpridas, as emissões do sistema alimentar precisam diminuir em mais de 80% até 2050 - o que só será possível com uma redução rápida e radical do desmatamento. 

Compromissos frágeis

Porém, os compromissos apresentados pelas grandes empresas do setor agropecuário na COP27 são frustrantes. No dia 7 de novembro, empresas que representam uma fatia dominante do comércio global de commodities agrícolas publicaram o "Roteiro para uma ação aprimorada da cadeia de suprimentos consistente com um caminho de 1,5ºC", que foi considerado insuficiente diante da emergência climática por vários atores da sociedade civil.  

Esse roteiro, de acordo com a avaliação de Timmers, não leva à transformação profunda e urgente necessária para eliminar a devastação ambiental das cadeias de suprimentos de commodities agrícolas. O documento vai na direção contrária da nota técnica por não adotar uma série de medidas de proteção dos ecossistemas, como rastrear os produtos até a origem e se comprometer com zero desmatamento em florestas - e especialmente em outros ecossistemas naturais não-florestais.

Para implementar o desmatamento zero, acrescenta Timmers, será preciso definir claramente as datas de corte: uma data no passado a partir da qual o desmatamento não será mais permitido nas cadeias de suprimentos. 

"O estudo mostra que, se não tivermos essas definições claras e não trabalharmos na redução do desmatamento de forma radical, não haverá nenhuma mudança significativa de redução de emissões em comparação a um cenário no qual nada fosse feito. Esse é um dado novo que o estudo trouxe. Nós sabíamos que essa era uma possiblidade, mas agora temos a prova", frisa Timmers.

Para conseguir a prova, foi realizado um estudo com uma técnica climática que envolve o uso de ferramentas de modelagem e protocolos utilizados pelo IPCC - e que têm sido adotados por empresas para estabelecer suas metas de redução de emissões com base em ciência. Os pesquisadores utilizaram esses dados e ferramentas de modelagem de emissões para três setores em nível global: soja, pecuária e óleo de palma.

"Rodamos a modelagem considerando compromissos de desmatamento zero com metas para 2025, 2030 e 2050, com datas de corte em 2020 e em outros anos. Os resultados mostram duas conclusões principais. Uma é que a soja e a pecuária juntas representam mais da metade das emissões do agronegócio no mundo. A outra é que essas emissões precisam ser reduzidas em 80% imediatamente - ou, ao menos, o mais rápido possível - para que possamos atingir a meta climática que permite limitar o aquecimento global médio em 1.5oC, evitando uma catástrofe climática", destaca Timmers.

Mudança radical

Outra conclusão, que vale para os três setores, é que se não houver uma mudança radical na cadeia de produção, não há nenhuma chance de manter o aquecimento abaixo de 1.5oC. "É o que a ciência diz. Não vai adiantar fazer uma mudança paulatina nessas cadeias. Esse dado é relevante, pois mostra que a urgência de zerar o desmatamento também é necessária para evitar um desastre climático - além de ser crucial para evitar a perda catastrófica de diversidade de espécies e serviços ecossistêmicos", declara.

As metas de redução de intensidade de emissão que podem manter o aquecimento abaixo de 1.5oC, segundo Timmers, exigem que a conversão de terras relacionadas à produção de commodities diminua drasticamente até que seja totalmente eliminada de todas as cadeias de suprimentos até 2025. 

“A soja, a carne bovina e o óleo de palma têm emissões tão altas que a compensação não pode substituir as ações sistêmicas para eliminar todo o desmatamento relacionado à sua produção, nem seus enormes impactos globais sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos”, salienta Timmers. “Ou seja, commodities ‘neutras em carbono’, onde as emissões da produção são compensadas, não serão suficientes”. 

O estudo descreve ainda as ferramentas de monitoramento à disposição das indústrias de alimentos e assinala a responsabilidade compartilhada por esse setor, destacando que as estratégias de mitigação devem se concentrar em reduzir os níveis totais de conversão, rastreando de forma confiável até a origem de produção que as compras de commodities não estão contribuindo para a conversão contínua.
Jean François Timmers, gerente de Políticas Públicas para Cadeias Livres de Desmatamento da Rede WWF, durante evento promovido pela organização na COP27
© Reprodução
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