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O bloqueio de uma carga de 1,7 tonelada de mercúrio no porto de Itajaí, em Santa Catarina, em 29 de março de 2018, dá uma ideia do tamanho do desafio que o Brasil enfrenta para cumprir a Convenção de Minamata, acordo internacional que limita o uso de mercúrio por problemas que o metal causa ao meio ambiente e à saúde.

A carga interceptada no porto foi importada pela Quimidrol, uma empresa de produtos odontológicos e químicos, localizada em Joinville (SC), que revendia o metal para uma outra empresa supostamente fantasma na região metropolitana de Cuiabá, no Mato Grosso. O destino seria, na verdade, o garimpo ilegal de ouro na Amazônia, mostrou investigação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), responsável pelo controle nacional do comércio, da produção e da importação de mercúrio metálico.

Foto: Divulgação/Ibama

Agentes do Ibama vistoriam galpão da Depósito da Quimidrol, responsável pela importação irregular de mercúrio, em Joinville (SC). Foto: Divulgação/Ibama

Essa era a segunda carga para o mesmo destino no intervalo de menos de dois meses. A Quimidrol foi a maior importadora de mercúrio no Brasil nos últimos três anos, num total de 6,8 toneladas. Em decorrência das investigações, a carga interceptada foi transferida ao Vietnã, já que a Turquia, por onde o mercúrio passou, vindo do Quirquistão, não aceitou a carga de volta. A operação seguiu as recomendações da Convenção de Minamata. 

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Na primeira metade do século passado, no Japão, habitantes da cidade de Minamata apresentaram sintomas como fortes convulsões, surtos de psicose, perda de consciência e febre. As vítimas haviam consumido peixes pescados na Baía de Minamata, onde uma empresa de produção de PVC, que usava mercúrio na fabricação, descartava os resíduos do processo. Em 1956, a origem da doença de Minamata foi esclarecida. Cerca de 5.000 pessoas foram atingidas. Além das vítimas que ficaram com sequelas graves, estima-se que o número de mortos tenha chegado a 900 pessoas. Minamata ficou conhecido como um dos maiores desastres ambientais do planeta.

Décadas depois, em outubro de 2013, outra cidade japonesa, Kunamoto, sediou a Conferência Diplomática para a assinatura da Convenção de Minamata sobre Mercúrio. O tratado internacional era o resultado de várias rodadas de negociações, que envolveram 140 países no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).  Após a ratificação pelo Congresso Nacional, em novembro de 2017, o acordo internacional foi finalmente promulgado pelo presidente da República em agosto de 2018. Minamata impõe metas que o Brasil deve cumprir até 2020.

O Brasil não produz mercúrio. No período de uma década antes de ratificar a convenção, o país importou 88,4 toneladas de mercúrio metálico. Cinco países _  Espanha, Estados Unidos, Reino Unido, Quirquistão e Japão _ foram os que mais exportaram para o Brasil.  Santa Catarina e São Paulo foram os Estados que mais importaram. O comércio caiu bastante na última década. Nos três primeiros anos do século 21, as importações somaram 210,2 toneladas, contra 51,7 toneladas importadas entre 2014 e 2016. Em 2017, foram importadas cerca de 26 toneladas de mercúrio, informou o Ibama. 

© Diego Padgurschi

Se a carga de 1,7 tonelada não tivesse sido interceptada em Itajaí, mais mercúrio entraria para poluir a água, o solo e o ar e contaminar peixes e pessoas. O mercúrio é um metal líquido, que evapora com facilidade em temperatura ambiente. Liberado em rios e lagoas, em contato com matéria orgânica, pode se transformar em metil-mercúrio, ainda mais tóxico. A exposição pode causar danos nos sistemas nervoso, digestivo e imune, além de problemas no coração, pulmões e rins. A contaminação de pessoas também pode se dar por alimentos contaminados, como peixes.

Estudos geológicos demonstraram a presença natural do mercúrio na Amazônia, independentemente da atividade de garimpo, onde o metal ajuda a separar pequenos grãos de ouro de sedimentos e a agregá-los em uma amálgama. Pesquisa publicada em 2017 no American Journal of Environmental Sciences, em coautoria com Marcelo Oliveira-da-Costa, do WWF, mostrou a presença de mercúrio em 81% dos peixes coletados, entre os mais consumidos pela população local, na região do Parque Nacional Tumucumaque, no Amapá. O mercúrio detectado nas amostras superava os níveis permitidos pela Organização Mundial de Saúde, mais restrito do que o nível de tolerância definido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A contaminação foi atribuída ao uso de mercúrio na mineração de ouro em pequena escala na fronteira entre Brasil, Suriname e Guiana Francesa.

© Nigel Dickinson / WWF

MINAMATA PODERIA ACONTECER NO BRASIL?

Muitos casos de contaminação não são detectados pelo sistema de saúde

Os riscos de contaminação por mercúrio não se limitam à Amazônia. O mapa de áreas com populações potencialmente expostas a áreas contaminadas por mercúrio não registram áreas de garimpo de ouro. O Sissolo, sistema do Ministério da Saúde, é baseado no preenchimento de fichas em visitas de campo, feitas para validar e complementar informações de instituições, como órgãos ambientais de municípios. O Ministério da Saúde admite que não atinge regiões mais remotas do país. O sistema registra muitos depósitos de lixo e poucas áreas industriais e de garimpo como suspeitas de contaminação. 

Mapa de áreas com populações potencialmente expostas a áreas contaminadas

VALDIVINO DOS SANTOS ROCHA

Contaminado pelo mercúrio

Valdivino dos Santos Rocha foi contaminado quando trabalhava numa fábrica de lâmpadas em São Paulo. Ele preside a Associação dos Expostos e Intoxicados por Mercúrio Metálico, com sede em Osasco (SP). A associação pede na Justiça a reparação de danos aos contaminados pela exposição ao mercúrio metálico, além de maior prevenção a novos casos. Valdivino acredita que o problema da contaminação não cessa com o fim da fabricação de lâmpadas fluorescentes e de vapor de mercúrio no Brasil e o maior controle na importação, dentro das negociações da Política Nacional de Resíduos Sólidos. 

 

 

A Convenção de Minamata proíbe, a partir de 2020, a fabricação, a importação e a exportação de lâmpadas fluorescentes e de vapor de mercúrio.

O descarte adequado de lâmpadas e baterias contendo mercúrio em uso ou em estoque no comércio é um desafio.

A comercialização e a venda de termômetros e aparelhos de pressão que usam mercúrio está proibida a partir de 2019, por determinação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Outro grande desafio para a implementação da Convenção de Minamata no Brasil encontra-se no setor de produção de cloro e soda cáustica, usados como insumos em vários processos produtivos e no saneamento. A instalação de novas fábricas com a tecnologia que usa mercúrio está proibida por lei desde 2000. Mas ainda existem quatro fábricas em funcionamento, que deverão ser desativadas até 2025, pelos prazos da convenção. A Abiclor (Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados) estima que haja em estoque 200 toneladas de mercúrio nessas quatro fábricas, que continuam importando o metal.

O destino a ser dado a esse mercúrio depois da desativação dessas fábricas ainda não foi definido.

© Juca Varella/Folhapress

As ameaças causadas à saúde e ao meio ambiente pelo mercúrio estão espalhadas em todo o país e uma das maiores controvérsias é o banimento do uso do mercúrio em amálgamas dentários, ainda que na forma encapsulada, exigida por resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que entra em vigor em janeiro de 2019. A alternativa tecnológica ao uso da amálgama são as resinas dentárias, já amplamente usadas em restaurações. Mas o custo mais alto e a eficácia das restaurações tradicionais têm impedido o avanço de projeto de lei já em tramitação no Congresso que proíbe o uso de mercúrio em amálgama dentária. Países como a Noruega, a Dinamarca e a Suécia já baniram o produto. A proibição é uma das formas vistas para limitar as importações de mercúrio e o desvio do metal para o garimpo, por exemplo. 

O texto da convenção prevê a diminuição gradativa do uso das amálgamas, sem estabelecer prazos. 

A proibição do mercúrio em restaurações dentárias também facilitaria o trabalho de fiscalização de um metal perigoso vendido até na internet. O Ibama diz que o comércio é ilegal.

Sites revendem mercúrio, o que seria ilegal. Foto: Reprodução
 

Certamente, o principal desafio na implementação da Convenção de Minamata no Brasil está na mineração artesanal e de pequeno porte de ouro. Num esforço para dimensionar o problema, provocado por garimpeiros que atuam sobretudo na ilegalidade, o inventário das emissões da mineração artesanal e em pequena escala do ouro, produzido pelo Cetem (Centro de Tecnologia Mineral), estima entre 10 e 161 toneladas por ano a quantidade de mercúrio lançada no ar, no solo e na água. 

 

 

 

© Reprodução

É TEMPO DE AGIR. O BRASIL DEVE ELABORAR UM PLANO NACIONAL PARA REDUZIR (E, QUANDO POSSÍVEL, ELIMINAR) O USO DE MERCÚRIO NA MINERAÇÃO. 

Ficha técnica
Diretor executivo: Maurício Voivodic
Diretora de Engajamento: Gabriela Yamaguchi
Coordenador de Políticas Públicas: Michel dos Santos
Criação e coordenação do  projeto: Jaime Gesisky
Pesquisa e texto: Quanta Produção de Conteúdo
Vídeos: Cine Poesia
Design gráfico: Okalab
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