Por que a Lei da Grilagem (PL 2633) não deve ser aprovada

julho, 13 2021

Câmara dos Deputados pode votar o projeto de lei em regime de urgência
Câmara dos Deputados pode votar o projeto de lei em regime de urgência

Por WWF-Brasil


Está para ser aprovada, na Câmara dos Deputados, a urgência para votação do PL (Projeto de Lei) 2633, sucessor da MP (Medida Provisória) 910, que trata da legalização de ocupações irregulares em terras públicas e que pode incentivar um aumento de invasões e desmatamento na Amazônia.

“Não faz sentido colocar esse PL em votação em regime de urgência”, afirma Raul Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil. “Em primeiro lugar, porque não há motivos plausíveis para se alterar a legislação hoje existente, que já é suficiente para garantir os direitos territoriais de todos aqueles que efetivamente ocupam e produzem em terras públicas há décadas. Em segundo lugar porque não há nenhuma razão que justifique uma tramitação fora das comissões num momento em que o país ainda precisa resolver os problemas decorrentes da pandemia.”
 
Até o momento, não foi protocolado o relatório oficial, há apenas uma versão informal em circulação, a qual, no entanto, poderá ser completamente modificada antes de ser apreciada no plenário ou mesmo durante a votação.
 
“É difícil analisar o relatório informal, dado que ele provavelmente será profundamente modificado se colocado em votação (ou mesmo antes)”, completa Valle. “Dois pontos centrais, que são a não prorrogação da data-limite da ocupação para permitir regularização e a não extensão da dispensa de vistoria para imóveis acima de 6 módulos fiscais, muito provavelmente serão alterados, dado que esses são os pedidos centrais da Frente Parlamentar da Agropecuária e do Governo Federal, que tem ampla representatividade na casa.”
 
Se aprovado com essas e outras modificações, como propõe o PL 1730/21, a ele apensado, o projeto será efetivamente uma proposta para legalizar grandes grileiros, não para atender o justo anseio de pequenos produtores rurais que aguardam há décadas a entrega de título de propriedade da terra na qual produzem.
 
Veja a boiada que vai passar, caso o PL 2633 seja aprovado:
  • Anistia a quem invadiu e desmatou ilegalmente terra pública após a data limite da legislação atual (2011). Seria a segunda modificação nessa data em 3 anos (em 2017 a data passou de 2004 para 2011). Não se trata, portanto, de regularizar posses antigas, mas de invasões recentes;
     
  • Dispensa de vistoria não apenas às pequenas ocupações (97% dos que aguardam titulação), como previsto na legislação atual (Lei Federal 11952/09), mas também áreas de até 2500 ha, o que permitirá a titulação de grandes áreas com ocupação irregular e aumentará os conflitos fundiários;
     
  • Concessão de título a quem já tem outros imóveis rurais ou invadiu terra pública em diversos lugares, não apenas àquele que encontrou na ocupação daquela parcela de terra pública a única forma de sobreviver e produzir;
     
  • Concessão de título àqueles que já invadiram e obtiveram título de propriedade sobre terra pública, mas venderam o imóvel regularizado. Ou seja, legalizava o negócio de invasão e venda do patrimônio público;
     
  • Concessão de indenização para grileiros que não cumpriram cláusulas resolutivas ou não pagaram pela área;
     
  • Permissão para que terras públicas invadidas a qualquer momento, inclusive no futuro, possam ser tituladas a particulares, por meio de licitação (art. 38, §2º). Isso é uma porta aberta a novas invasões e contraria o princípio fundamental estabelecido na legislação brasileira (Lei Federal 11.284/06) de que as florestas públicas devem ser destinadas ao manejo florestal sustentável, por meio de concessão;
     
  • Fragiliza o cumprimento da lei ambiental, pois altera a atual regra que obriga a resolução do título de propriedade no caso de descumprimento da legislação ambiental, ao considerar que a simples inscrição no CAR já seria prova de regularidade ambiental (art.15, §10 c/c art. 2º, XII). Com isso, um imóvel incluído no CAR poderá ser desmatado ilegalmente sucessivas vezes sem que nada aconteça com seu título; Não incorpora nenhuma medida para punir de forma mais eficiente os grileiros de terras públicas;
     
  • Permissão para redução do valor dos títulos emitidos antes de 2017 (art. 17, §4º), beneficiando interesses particulares em detrimento do interesse público;
     
  • Ampliação pela terceira vez, em menos de 10 anos, o prazo de renegociação dos contratos de regularização fundiária, premiando mais uma vez os inadimplentes e tornando pouco críveis as condições ali estabelecidas (art. 19). Além disso, apresenta regras pouco efetivas para impedir a renegociação em caso de desmatamento (art. 19, §3º c/c art. 2º, XII);
 
"Votar a urgência do projeto agora é um equívoco", conclui Valle. "Por todas essas razões que apresentamos acima, solicitamos aos líderes partidários que não permitam a aprovação da urgência do PL 2633 e que proponham debate sobre regularização fundiária com profundidade e seriedade que o tema merece. Temos certeza de que, com determinação e espírito público, é possível transformar um projeto nascido para premiar quem descumpriu a lei em outro que possa realmente endereçar o problema de roubo e malversação do patrimônio público, preservando o direito dos produtores de boa-fé, bem como das comunidades tradicionais."
Câmara dos Deputados
© Agência Câmara
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© Adriano Gambarini/WWF-Brasil
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