Os desafios de comunicar a sustentabilidade nos negócios

dezembro, 12 2019

Na reunião da Colaboração para Florestas e Agricultura, empresas debatem como relatar o progresso em se ter cadeias livres de desmatamento
Na reunião da Colaboração para Florestas e Agricultura, empresas debatem como relatar o progresso em se ter cadeias livres de desmatamento

Por Bruna M. Cenço


Ter uma cadeia de produção livre de desmatamento é o ideal de muitas empresas. Porém, como é possível comunicar os resultados, especialmente para investidores e clientes, sem resultar em críticas pelo que ainda falta ser feito, mas, sim, trazendo reconhecimento pelos progressos alcançados? Esse foi o tema do segundo encontro de 2019 da Colaboração para Florestas e Agricultura (CFA), realizado em novembro em São Paulo.

A CFA é uma iniciativa da Fundação Moore desenvolvida por WWF, TNC e NFW e que apoia as empresas a estruturarem cadeias livres de desmatamento para carne e soja nas regiões da Amazônia e Cerrado no Brasil e do Gran Chaco na Argentina e Paraguai. Nessa colaboração, cabe ao WWF liderar o engajamento com o setor
privado.

O evento “Livres de desmatamento –como contar os nossos avanços aos investidores e clientes” (como foi chamado o encontro) faz parte da estratégia de apoiar essas empresas a alcançarem uma gestão de cadeias de fornecimento livres de desmatamento. Na ocasião, 45 participantes da CFA - entre empresas engajadas pelo WWF e seus parceiros estratégicos - estiveram presentes.

“Para nós, o grande resultado foi a percepção que as empresas entendem a necessidade de transparência ao progresso de seus planos de implementação para cadeias livres de desmatamento, e que isso precisa ser feito de forma verificada, para dar credibilidade e diferenciá-las no mercado e, principalmente, diante dos investidores”, comenta Daniela Teston, coordenadora do CFA para o WWF no Brasil.

Entre itens acordados, estão a necessidade de realizar reportes de sustentabilidade, com avaliação feita por uma organização idônea; abertura de dados, em diferentes níveis, tanto para investidores quanto para clientes e público em geral; compartilhamento de informações entre os membros, divulgação de agendas e consolidação de números por setor e pelo grupo como um todo. A adesão à plataforma será voluntária, assim como todas as ações dentro da CFA.

Como foi o evento
A abertura do segundo grande encontro do ano do CFA contou com dois dos diretores do WWF-Brasil: Alexandre Prado (Economia Verde), que enfatizou a necessidade de uma participação forte das empresas na busca pelas metas do Acordo de Paris, e Edegar Rosa (Conservação e Restauração de Ecossistemas), que destacou a força do trabalho que o grupo CFA vem desenvolvendo ao longo dos anos.

“É muito importante ver algumas das maiores empresas do Brasil presentes, atuando juntas contra o desmatamento em suas cadeias. Passamos o momento do diagnóstico e várias já estão com planos de ações concretos, que contribuirão para o alcance desse resultado conjunto. A colaboração torna o grupo mais forte para superar os desafios”, diz Edegar.

Em seguida, empresas convidadas participaram de dois painéis de compartilhamento de experiências, com o objetivo do encontro de manter a união do grupo para avançar na implementação das ações planejadas. “Dessa forma, conseguimos também desenvolver soluções conjuntas para desafios que são semelhantes a todas elas, como a comunicação do tema”, diz a coordenadora Daniela Teston.

Na primeira mesa, estavam Henrique Borges (Gerente de Compras da Danone); Abdias Machado (Coordenador de Sustentabilidade do Grupo BIG) e Rodrigo Spuri (Coordenador de Conservação - Cadeia de Soja Brasil da TNC, organização parceira da CFA) trazendo suas experiências sobre gestão de cadeias sustentáveis e análise de exposição a risco de desmatamento na produção de soja da cadeia leiteira.

Henrique Borges, responsável pela gerência de compras da Danone, contou a experiência do rastreamento da cadeia de seus fornecedores em relação ao desmatamento, tanto para os produtores de leite (atualmente 315 fazendas) quanto para as aquisições de insumos, o que é feito por meio de uma central de compras que unifica os pedidos e facilita a escolha por fornecedores que não estão envolvidos com o desmatamento.

“Globalmente, a Danone assinou um compromisso de não comprar de áreas desmatadas. Essa preocupação é muito grande por causa da soja. Por isso, estamos fazendo um mapeamento, com cadeia 100% rastreada. Com a Central de Compras, conseguimos melhores preços para os produtos e ter mais controle sobre nossos fornecedores. O resultado tem sido tão bom que, pela primeira vez, estamos fazendo um projeto local se tornar global”, comentou.

Já Rodrigo Spuri, responsável pela cadeia de soja, da TNC, trouxe com mais detalhes o sistema de inteligência territorial, o Agroideal, que é voltado à cadeia de soja no Cerrado e na Amazônia, mas que já tem uma versão para pecuária no Brasil e no Paraguai.

“A ideia do projeto é preencher uma lacuna de planejamento territorial, com riscos e oportunidades em relação a critérios socioambientais. Por meio de uma avaliação geoespacial, ele ajuda a empresa a decidir se vale a pena investir naquela área ou não, e, se sim, como fazer. Além disso, mostra a exposição de risco nas regiões que já opera”, disse Rodrigo, explicando que o sistema está sendo utilizado pela Danone para a soja.

Segundo painel
Na segunda conversa, Marcos Takaoka, Especialista de Sustentabilidade da BRF destacou a demanda cada vez maior do mercado em ter uma cadeia livre de desmatamento. “Ao longo de 2019, a demanda por informações sobre a nossa gestão relacionada ao tema só cresceu, de investidores a clientes. Temos certeza de que este é um caminho sem volta e de que estamos no rumo certo”. De acordo com Marcos, o trabalho com a CFA foi essencial para fazer o diagnóstico. De todas as ações sugeridas pela CFA, a empresa priorizou ações voltadas para implementação, divididos entre cinco pilares, entre eles compromisso, engajamento e reporte. O foco é transformar o diagnóstico em um plano tático e estratégico materializado nas operações a partir de 2020.

Já Leonel Almeida, Gerente de Sustentabilidade da Marfrig, falou sobre a importância que a parte ambiental tem para sustentar o negócio, mantendo o negócio e os recursos. Leonel compartilhou a iniciativa pioneira da empresa no monitoramento de seus fornecedores em relação a desmatamento, por meio de imagens de satélites. “A partir desse monitoramento, nós, baseados em nossos compromissos públicos assumidos, aplicamos os critérios para manter ou não o fornecedor como apto a nossa cadeia. Este ano, com o caso das queimadas, nossa atuação foi expandir o monitoramento geoespacial também para verificação dos focos de calor, e já atuamos verificando se alguns dos nossos produtores estavam em áreas atingidas, e informá-los sobre a situação e questionar em como poderíamos ajudar”.

De acordo com Leonel, a empresa tem caminhado agora no mapeamento dos fornecedores indiretos, pedindo informações de onde vêm os bezerros que chegam a seus fornecedores diretos. “Todo esse trabalho tem recebido um grande apoio da CFA. É uma iniciativa enorme, que se fosse feita sozinha talvez não tivesse tanta força”.

Para fechar a discussão, Leonardo Lima, Diretor de Desenvolvimento Sustentável e Compromisso Social da Arcos Dorados, maior franquia independente do McDonald's no mundo, também ressaltou a importância de atuar em rede e encontrar a melhor forma de comunicar o que vem sendo realizado para fortalecer a mudança da sociedade.

“Cada vez mais estamos trabalhando em rede e extrapolando nossas organizações. Assuntos complexos devem ser tratados e resolvidos de forma colaborativa e ultrapassar os muros de cada organização. Não adianta falar ou trabalhar o desmatamento zero somente na sua empresa. É necessário ver como ela, de fato, consegue apoiar ações colaborativas. Se temos ferramentas que todos utilizam da mesma forma, todo mundo ganha”, disse Leonardo, ressaltando também a importância da educação para o desenvolvimento sustentável no processo: “o consumidor está bem longe de toda essa discussão e quando recebe alguma informação, nem sempre é de uma fonte confiável ou de reputação inquestionável. É necessário disseminar informações de qualidade e confiáveis para o consumidor em relação a esses temas, sempre lembrando do importante papel que temos nesse processo educativo”, completou.

Ao fim dos painéis, os participantes se dividiram em grupos para discutir os desafios da comunicação e começaram a imaginar a ferramenta que deverá ser criada a partir de agora. Para facilitar o trabalho com as cadeias de fornecedores, o Instituto Food Service Brasil (IFB, que engloba as maiores empresas do ramo de alimentação e é parceiro do CFA), representado por sua diretora-executiva, Ingrid Devisate, abriu o convite para adesões ao segundo ciclo de implementação do CFA a novas empresas e seus fornecedores.

O próximo encontro será no dia 7 de maio de 2020.

Na reunião da Colaboração para Florestas e Agricultura, empresas debatem como relatar o progresso em se ter cadeias livres de desmatamento
© Quartetto/WWF-Brasil
45 representantes de empresas estiveram no encontro
© Quartetto/WWF-Brasil
Evento discutiu formas de comunicar os resultados
© Quartetto/WWF-Brasil
Daniela Teston, coordenadora do CFA para o WWF no Brasil
© Quartetto/WWF-Brasil
Até 2050, a demanda por alimentos irá crescer significativamente, aumentando ainda mais a pressão sobre as florestas, oceanos e outros sistemas naturais críticos
© Adriano Gambarini/WWF-Brasil
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