Linha de frente na defesa da Amazônia, Resex Chico Mendes segue sob ataque
dezembro, 15 2022
Reserva extrativista acreana, símbolo da luta pela floresta viva, lidera ranking de áreas protegidas mais desmatadas do Brasil
Por WWF-Brasil Criada há 32 anos como símbolo de luta pela Amazônia e pelos povos da floresta, a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, área de 9.705,7 km² distribuída por sete municípios acreanos, segue pressionada. De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a Resex foi a Unidade de Conservação (UC) brasileira que mais sofreu em novembro de 2022, com 12,58 km² de vegetação nativa desmatados. Se considerado o período de 01/01/2019 a 30/11/2022, o acumulado é de 174,04 km², o equivalente a 17.400 campos de futebol. Outros crimes ambientais, como invasões, grilagem de terras e caça ilegal também são cada vez mais corriqueiros no Acre, Estado onde a taxa de perda de floresta dobrou desde 2018.
As ameaças à região têm sido intensas e constantes, especialmente desde 2019, quando o fluxo de invasores na Resex aumentou estimulado pela criação do projeto de lei 6024/2019, de autoria da deputada federal Mara Rocha (MDB), que não só propõe reduzir em 222 km2 a área da reserva extrativista como também permitir a regularização das terras de grileiros e invasores. Desde o final de 2021, o PL aguarda a realização de audiências públicas e parecer do relator nas comissões internas da Câmara de Deputados.
Além do ataque no Legislativo, o desmonte do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão responsável pela fiscalização e gestão da Resex, promovido durante o governo Bolsonaro, ajudou a intensificar os crimes ambientais na região. Localizada em uma área estratégica, próxima à fronteira com o Peru e com a Bolívia, a preservação da Resex é fundamental na luta pela Amazônia, pois, assim como terras indígenas, reservas extrativistas e outras UCs funcionam como verdadeiras barreiras contra a devastação.
Semana Chico Mendes
É nesse contexto que começa hoje, em Xapuri, a 33ª Semana Chico Mendes, que ocorre tradicionalmente entre os dias 15 e 22 de dezembro – datas de nascimento e morte, respectivamente, do líder seringueiro – e que conta pelo com o apoio do WWF-Brasil desde a edição de 2018. Com o tema “Amazônia e Emergência Climática: Reflorestando o pensamento a partir das vozes da Floresta”, o evento busca discutir a importância das novas gerações e novas formas de defender e conservar a floresta. Confira a programação aqui e acompanhe os desdobramentos pelas redes sociais do Comitê Chico Mendes.
Manter a Amazônia de pé foi o projeto de vida de Chico Mendes. Nascido no seringal Porto Rico, em Xapuri, desde jovem ele entendeu a necessidade de se construir uma relação de troca sustentável e respeitosa com a natureza. Dos empates, tática em que os seringueiros se colocavam como escudos humanos na frente dos tratores de invasores, à criação das reservas extrativistas, Chico Mendes foi um dos maiores defensores da floresta.
Para que esse legado seja mantido, nos últimos anos o Comitê Chico Mendes vem focando seu trabalho principalmente no projeto Jovens Protagonistas, para formação de novas lideranças. O objetivo é fortalecer a organização social, o vínculo dos participantes com o território e assegurar que o modo de vida dos povos da floresta seja respeitado, oferecendo uma formação cidadã, crítica e reflexiva para novas lideranças de UCs acreanas.
Uma delas é Laiane Santos, que em novembro esteve na 27a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP27), em Sharm El- Sheik, no Egito, com integrantes do Comitê Chico Mendes e pôde compartilhar suas experiências na iniciativa e também no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Brasiléia, do qual faz parte.
Resposta à crise climática
Essa foi a primeira vez que membros do Comitê Chico Mendes e sua presidenta, Angela Mendes, estiveram em uma COP. E o momento não poderia ter sido mais oportuno. Ao longo de dias intensos de negociação e debates, mais uma vez, ficou evidente que a maior contribuição que o Brasil pode dar à ação climática global é justamente combater o desmatamento.
Em uma nota técnica inédita, que foi entregue aos negociadores da ONU durante a COP27, o WWF-Brasil advertiu que a meta de 1.5ºC do Acordo de Paris não será cumprida sem a participação dos produtores agropecuários. O trabalho mostrou que a cadeia de produção de alimentos contribui com, pelo menos, um terço do total de emissões líquidas dos gases de efeito estufa que estão mudando o clima do planeta.
Outro destaque durante o evento no Egito foi o reconhecimento da importância das soluções que vêm dos territórios e que devem beneficiar as próprias comunidades, pois elas estão na linha de frente da proteção da floresta, que além de garantir a segurança climática global, também é responsável por diversos serviços ecossistêmicos.
Solução para um futuro com natureza-positiva
Apesar de cobrir apenas cerca de 1% da superfície do planeta, a Amazônia abriga 10% de todas as espécies de vida selvagem que conhecemos – e provavelmente muitas que ainda não conhecemos. E as soluções para garantir sua proteção e evitar que ela chegue ao ponto de não retorno, quando o bioma não conseguirá mais se recuperar naturalmente, precisam contemplar a sabedoria dos povos da floresta, como destacou Angela durante a COP27.
“As reservas extrativistas foram modelo para outras unidades de conservação com pessoas dentro e hoje protegem uma quantidade muito grande de floresta e de pessoas, que assim como os povos indígenas têm o papel fundamental de guardiões desse território, guardiões da biodiversidade e guardiões dessa identidade e cultura”, disse.
Preservar a floresta e os povos da floresta também é o foco da Conferência da Biodiversidade da ONU (COP15), que acontece desde a semana passada em Montreal, no Canadá, pois o que está em jogo é o futuro da vida em todas as suas formas, inclusive a humana. A expectativa do WWF-Brasil e de diversos países e organizações presentes no evento é que sejam estabelecidos acordos que reduzam a perda de biodiversidade até 2030 para que possamos garantir natureza-positiva já em 2050: ou seja, que o saldo entre o que consumimos e o que a natureza é capaz de regenerar seja positivo.