Sob liderança de uma mulher, povo Kayapó luta para proteger território

fevereiro, 07 2022

A assistente social O-é Kaiapó Paiakan é cacica de sua aldeia e acredita na crescente participação das mulheres na luta indígena
A assistente social O-é Kaiapó Paiakan é cacica de sua aldeia e acredita na crescente participação das mulheres na luta indígena

Por WWF-Brasil


Na cultura Kayapó-Mẽbêngôkre, a liderança é tradicionalmente transmitida conforme a hierarquia da família, numa cerimônia em que o posto de cacique é passado para o neto mais velho - de preferência um homem. Em 2021, porém, o povo Kayapó-Mẽbêngôkre escolheu uma jovem mulher para assumir o posto máximo de liderança: a assistente social O-é Kaiapó Paiakan, de 37 anos. 

O povo Kayapó-Mẽbêngôkre reside no sul do Pará, na região do "Arco do Desmatamento", e forma importante barreira contra a devastação da Floresta Amazônica.

O-é vem de uma reconhecida linhagem de lideranças. A cacica é uma das filhas do lendário cacique Paulinho Paiakan, um dos pioneiros do movimento indígena no Brasil, que morreu em 2020, vítima da Covid-19. Ele ficou conhecido por sua luta pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição Federal de 1988, pela demarcação da Terra Indígena Kayapó, obtida em 1991, e contra o projeto da Hidrelétrica de Belo Monte. 

"Meu pai fez esse caminho e com ele aprendi que lutar por nosso território e por nosso povo é uma condição para a nossa própria existência como indígenas. Tradicionalmente, a linhagem de liderança é passada para os filhos homens, mas na família do meu pai são só mulheres e eu acabei assumindo essa tarefa", diz O-é.  

Na cerimônia realizada no fim de maio de 2021, O-é tomou posse não apenas como a nova cacica da aldeia Krenhyedjá, como também de líder de todo o povo Kayapó-Mẽbêngôkre. Ela recebeu com orgulho a aprovação de outras lideranças históricas do seu povo, como os caciques Raoni Metuktire e Megaron Txucarramãe. 

"O cacique Raoni, assim como o cacique Megaron não puderam estar presentes, mas enviaram um vídeo apoiando e incentivando. Essa aprovação é uma novidade. Acredito que receber o apoio de uma liderança da idade do cacique Raoni já pode ser considerado uma revolução, porque ele vem de uma tradição que não abria espaço para as mulheres", afirma a cacica. 

Segundo O-é, esse empoderamento feminino entre os indígenas teve também grande contribuição de Paulinho Paiakan, que, mesmo sob protestos de parentes mais velhos, sempre incentivou que ela e as irmãs estudassem e acompanhassem as discussões das lideranças. O-é se formou em serviço social, em 2020, pela Universidade do Norte do Paraná. Suas irmãs são formadas em direito e biomedicina. Todas estudaram inglês e sempre participaram do movimento indígena.   

"Ser formada é algo que ajuda bastante. Se não tivéssemos contato com a cultura não-indígena, nossa própria cultura nos bastaria. Mas somos submetidos a muitas interferências externas à nossa cultura. Com o estudo, temos melhor condição para fazermos essa mediação com o mundo não-indígena", declara. 

Hoje, O-é acredita que o fato de ser formada e saber interagir com a cultura não-indígena também deu a ela credibilidade junto ao seu próprio povo, consolidando sua posição de liderança. "Meu pai sempre nos disse que, por não sermos homens, ele não poderia nos dar a orientação que os líderes homens recebem, por isso o estudo seria a nossa principal arma na luta pelos direitos indígenas. De fato, é uma ferramenta que ninguém nunca mais vai tirar de nós." 

Os desafios a partir de agora são imensos, de acordo com O-é, mas ela está confiante na articulação de lideranças que se fortalece cada vez mais, com crescente participação das mulheres.  

"Além das pressões dos invasores, nosso território também sofre pressões do governo, que tenta convencer nossos parentes a ceder nossos recursos naturais em troca de objetos e modos de vida não-indígenas. Isso nos coloca em um dos momentos mais desafiadores para o povo Kayapó-Mẽbêngôkre", afirma.  

A proteção das Terras Indígenas onde vivem os Kayapó depende hoje da conscientização, segundo O-é. "Tentamos mostrar aos parentes que, se trocarem sua terra por vantagens instantâneas, vão acabar sem nada: sem território e sem identidade. Como meu pai foi uma referência de liderança no movimento indígena, é a memória dele que vou levar adiante agora que essa liderança está comigo", declara O-é. 
O-é Kaiapó Paiakan, filha de lendário líder do movimento indígena, foi proclamada cacica de sua aldeia em maio de 2021 e é agora a principal liderança encarregada de proteger o território de seu povo.
© Beture Nhakmô
Mulheres reunidas na TI Kayapó, que tem 3,3 milhões de hectares e abriga cerca de 4,5 mil pessoas vivem. TI está localizada no sul do Pará e a maior parte dos moradores pertence ao povo Kayapó - ou Mẽbêngôkre, como eles se autodenominam -, além de, possivelmente, alguns grupos de indígenas isolados.
© Bepbjiereti
O-é Kaiapó Paiakan diz que está confiante na articulação de lideranças que se fortalece cada vez mais, com crescente participação das mulheres.
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Na cerimônia realizada no fim de maio de 2021, O-é Kaiapó Paiakan tomou posse não apenas como a nova cacica da aldeia Krenhyedjá, como também de líder de todo o povo Kayapó-Mẽbêngôkre. Ela recebeu com orgulho a aprovação de outras lideranças históricas do seu povo, como os caciques Raoni Metuktire e Megaron Txucarramãe.
© Bariy
A assistente social O-é Kaiapó Paiakan, de 37 anos, filha de lendário líder do movimento indígena, foi proclamada cacica de sua aldeia em maio de 2021 e é agora a principal liderança encarregada de proteger o território do povo Kayapó-Mẽbêngôkre, no sul do Pará.
© Beture_Beptemeiti
Na cerimônia realizada no fim de maio de 2021, O-é Kaiapó Paiakan tomou posse não apenas como a nova cacica da aldeia Krenhyedjá, como também de líder de todo o povo Kayapó-Mẽbêngôkre. Ela recebeu com orgulho a aprovação de outras lideranças históricas do seu povo, como os caciques Raoni Metuktire e Megaron Txucarramãe.
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