Com tecnologia, povo Kayapó-Mẽbêngôkre tenta barrar devastação da Amazônia
fevereiro, 07 2022
WWF-Brasil doou equipamentos e recursos para aprimorar o trabalho nas bases de vigilância da Associação Floresta Protegida
WWF-Brasil doou equipamentos e recursos para aprimorar o trabalho nas bases de vigilância da Associação Floresta Protegida Por WWF-Brasil
O bloco contíguo de Terras Indígenas (TI) do povo Kayapó-Mẽbêngôkre, que inclui as TIs Kayapó e Menkragnoti, localizadas no sul do Pará, na região do "Arco do Desmatamento", formam importante barreira contra a devastação da floresta amazônica em seu limite sudeste. Mas seus habitantes têm sofrido há décadas com a pressão de invasores - em geral madeireiros, garimpeiros e pescadores ilegais. Um projeto do WWF-Brasil, em parceria com a Associação Floresta Protegida (AFP), está contribuindo para fortalecer a capacidade de monitoramento e vigilância territorial dessas duas importantes TIs.
Cerca de 4,5 mil pessoas vivem na TI Kayapó, que tem 3,3 milhões de hectares, e pouco mais de 1,2 mil habitam a TI Menkragnoti, que tem quase 5 milhões de hectares. Em ambas, a maior parte dos moradores pertence ao povo Kayapó - ou Mẽbêngôkre, como eles se autodenominam -, além de, possivelmente, alguns grupos de indígenas isolados.
De acordo com Osvaldo Barassi Gajardo, especialista em conservação e líder do núcleo de respostas emergenciais do WWF-Brasil, “existe um contexto de muitas pressões e ameaças de atividades predatórias, como garimpo, pesca ilegal e extração de madeira naquela região. O objetivo do projeto é fortalecer as ações de proteção territorial por meio de apoio à estruturação e funcionamento das bases de vigilância nessas duas TIs". Há três bases de vigilância apoiadas pela AFP localizadas estrategicamente nas TIs Kayapó e Menkragnoti, em locais da acesso a estes territórios nos rios Xingu, Riozinho e Iriri.
Fortalecer as estratégias de monitoramento local e remoto de atividades ilegais é fundamental para que os próprios indígenas possam coletar evidências em campo, a fim de subsidiar a elaboração de relatórios, de modo que possam encaminhar denúncias qualificadas aos órgãos competentes, salienta Gajardo.
"A ideia é que o projeto garanta o funcionamento das bases de vigilância e a manutenção de equipes de proteção territorial. Demos esse apoio por meio de doação de equipamentos, além de recursos para alimentação, diárias a indígenas e combustível que possibilitaram a ação das equipes", explica.
Entre os equipamentos cuja compra foi prevista no projeto estão 3 GPS, um tablet, um computador portátil, dois motores de popa de 40 HP para os barcos dos indígenas e quatro motores de popa do tipo rabeta, que são menores, apropriados para períodos em que os rios estão mais rasos.
Segundo Gajardo, além da doação de equipamentos, o projeto está ajudando a aperfeiçoar um sistema de coleta e sistematização de dados das bases de vigilância. Ele explica que está sendo elaborada e testada uma metodologia específica para o desenvolvimento de um aplicativo de coleta de dados nessas bases.
"Esses dados, em conjunto com sistemas de informação geográfica, permitirão acompanhar a efetividade do trabalho de monitoramento ao longo do tempo. Assim, além de garantir o funcionamento das bases, o projeto visa aperfeiçoar sistemas de coleta de dados e informação, fazer análise e tomadas de decisão mais qualificadas."
Uma das mais importantes da região, a cacica O-é Kaiapó Paiakan, liderança da aldeia Krenhyedjá, na TI Kayapó, explica que o monitoramento territorial tem uma importância tão grande para os povos indígenas que pode ser considerada uma parte da cultura deles.
"Todos os indígenas já nascem com esse objetivo na vida: lutar pela vida, pelo território e pelo seu povo. Faz parte da nossa tradição os guerreiros irem até os limites da TI, em expedições a pé ou de barco, para monitorar os locais e mapear as ameaças", conta O-é.
Há vários anos, de acordo com ela, essa tradição de vigilância conta com o apoio da AFP - e, recentemente, teve um impulso a mais, graças aos equipamentos doados e ao uso da tecnologia. "Nosso território é bastante extenso e a AFP ajuda a fazermos esse trabalho de monitoramento do nosso próprio território. A tecnologia e esses recursos para as expedições vêm como um importante complemento para esse trabalho", diz.
A estruturação das bases de vigilância e a realização das expedições permite a presença constante dos indígenas em áreas sensíveis, o que é um fator dissuasivo para os invasores.
"Só o fato de estarmos ocupando o espaço já garante alguma proteção. Como nossa área é muito grande e temos grande pressão externa, esses projetos são fundamentais. É importante estarmos capacitados e podermos agregar novas técnicas ao procedimento que já fazemos para proteção do território", frisa.
De acordo com Igor Ferreira, assessor técnico da AFP, a associação - que é uma organização indígena do povo Kayapó-Mẽbêngôkre - atua na região sul do Pará, nas TIs Kayapó, Menkragnoti e Las Casas, há cerca de 20 anos, mas desde 2016 foi preciso implementar uma nova estratégia de monitoramento territorial, por conta do aumento exponencial das pressões de invasores.
"Um dos pilares dessa nova estratégia é o funcionamento das bases de vigilância em pontos de acesso estratégicos. Nelas, atuam equipes indígenas, com acompanhamento de equipes não-indígenas para assessoramento na parte logística e para estabelecer a comunicação da base com a cidade, onde está a coordenação", explica Igor.
A AFP é uma organização indígena e toda sua diretoria e coordenação é composta por indígenas Kaiapó das aldeias associadas, com exceção de alguns assessores não-indígenas, segundo Igor, que coordena os cursos de formação de jovens para monitoramento e gestão territorial.
"No projeto, o WWF-Brasil entrou como um parceiro capaz de complementar essas estratégias que já vinham sendo adotadas e contribuiu de maneira muito importante para equiparmos as bases. Conseguimos, por exemplo, comprar motores para as expedições fluviais. O mais importante é que esses equipamentos poderão ser utilizados por vários anos. Também conseguimos garantir o funcionamento das bases por vários meses, com os recursos para pagamento dos indígenas", diz.
De acordo com Igor, as equipes indígenas das aldeias próximas as bases, mas localizadas no interior do território, revezam-se para operar as bases e recebem um pagamento pelo serviço: "Vemos isso como uma forma de pagamento pelos serviços ambientais que eles prestam. Assim, além de proteger o território, nossa ação também permite gerar uma renda para as comunidades que vivem ali."
Ele explica que, dentro das TIs da região, há aldeias que historicamente tiveram contato prévio com o garimpo, sofrendo um assédio constante até que se envolvessem na atividade. "Isso fragiliza muito o território. A geração de renda também é importante para reduzir o assédio e incentivar as comunidades que estão ali segurando o avanço do garimpo, de forma que possam fortalecer o trabalho de monitoramento que estão fazendo."
Na TI Kayapó e nos territórios vizinhos, a governança ambiental é historicamente muito fraca, destaca Igor. Ele explica que as pressões de invasores existem desde a década de 1970, mas foram aumentando com o passar dos anos. A partir de 2016, essa pressão explodiu, crescendo ainda mais a partir de 2019, quando teve início a atual gestão federal.
"Não apenas o ritmo das invasões está aumentando, mas o discurso favorável à exploração das terras indígenas está sendo legitimado, 'empoderando' os garimpeiros. Com isso, a pressão de cooptação de indígenas também está cada vez maior. A sensação de impunidade é cada vez maior e os conflitos também estão cada vez mais frequentes", diz Igor.
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