Pesquisa nos rios e igarapés

dezembro, 21 2010

Janice Muriel Cunha, 32 anos, especialista em ictiofauna.  Pesquisadora colaboradora da UFPA de Altamira e professora da UFPA campus Bragança.
Por Ligia Paes de Barros

A III Expedição Científica à Terra do Meio, ao Parque Nacional da Serra do Pardo, contou com uma equipe de 12 pesquisadores experientes e apaixonados pelo que fazem. Eles andaram nas trilhas do Parque Nacional durante dias e noites procurando indicadores da biodiversidade local. Conheça um pouco sobre a rotina de pesquisa desses cientistas e saiba mais sobre quais plantas, aves, mamíferos, peixes, répteis e anfíbios eles encontraram durante a expedição.

Janice Muriel Cunha, 32 anos, especialista em ictiofauna.  Pesquisadora colaboradora da UFPA de Altamira e professora da UFPA campus Bragança.

- Como é sua rotina de trabalho?

Aqui na expedição a primeira que fazemos, eu e meu colega Jansen Zuanon, é preparar apetrechos de coleta dos bichos. Nessa região da primeira base de pesquisa, estamos trabalhando com igarapés e rios de médio e pequeno porte, então usamos uma rede de 10 metros de extensão com um metro e meio de altura que precisa ser manuseada por duas pessoas nas extremidades. Essa rede tem uma malha bem fina pra gente conseguir amostrar tanto os peixes pequenos como médios. Nós usamos as redes nas praias dos igarapés maiores ou dos rios de médio a pequeno porte e fazemos uma espécie de arrasto ativo na margem para coletar peixes em movimento.

Nos cursos d’água de menor porte, igarapés ou poças remanescentes, passamos uma peneira quadrada com uma malha ainda mais fina, menor ainda, para pegar a fauna desses locais que é bem pequena, com bichos com menos de cinco centímetros. A armação dessa peneira é da largura do ombro para que a gente tenha conforto para usar a rede o dia todo, senão a coluna não agüenta. Essa peneira trouxe um acréscimo de conhecimento de peixes na Amazônia incrível porque antes as pessoas não usavam essas peneirinhas tão finas e não conseguiam pegar os peixes pequenos adultos, que não são filhotes de peixes maiores. 

Ainda temos também como apetrecho as redes de espera. São redes que ficam paradas, presas numa base, e são chamadas de malhadeiras. Elas têm tamanhos distintos entre os nós para pegar peixes de diversos tamanhos. Elas interceptam os peixes que estão em movimento e depois de um tempo nós vamos retirar os peixes. No primeiro dia, trazemos todo o material coletado, e nos outros dias nós analisamos e dispensamos aqueles peixes de grupos que já temos algumas amostras.

- O que fazem com os peixes que encontram?

Dependendo da importância das espécies coletadas a gente coloca no formol assim que volta para o acampamento para manter ao máximo a integridade das estruturas.  ou no álcool - Aquelas que usamos para fazer análise genética, colocamos no álcool, porque o formol dificulta a extração do DNA. Além disso, em algumas espécies, vale a pena registrar o colorido do peixe em vida como auxiliar para sua identificação e estudo, e então nós mantemos em um saco plástico com água e bolha de ar, ou sacos que permitem troca de gás carbônico e oxigênio, e vamos trocando a água ao longo da expedição para tentar chegar no laboratório para registrar a cor de forma mais rigorosa.

- Quais são os principais resultados da pesquisa na Serra do Pardo?

Nos dias de pesquisa na base 1, cuja principal drenagem é o igarapé do Pontal e outros igarapés e grotas no entorno, coletamos aproximadamente 66 espécies. Claro que é número ainda é parcial, porque vamos analisar tudo com calma depois.  É interessante que os grandes grupos de peixes, as várias famílias, de várias ordens estão bem representados na base 1 e ainda tivemos registros do grupo das arraias e peixes elétricos. Na segunda base, encontramos menos espécies, o que é natural pelas características do local, mas espécies bem interessantes de difícil identificação.

Além disso, temos a suspeita de algumas espécies novas de peixes. Existem duas categorias de espécies novas: uma de espécies novas, nunca descritas, e outra de espécies que só eram conhecidas de uma localidade e que foram encontradas aqui. Então, encontramos 3 espécies que acreditamos serem novas mesmo, nunca descritas, e algumas outras que só haviam sido registradas em uma localidade específica.

No caso das espécies que já estão sendo descritas, nós encaminhamos o material para os especialistas responsáveis e eles podem incluir na sua descrição níveis de detalhes que representem a variação ao longo de distribuição geográfica mais ampla. Também conseguimos coletar material para análise genética dessas espécies novas que estão sendo descritas e isso é algo que ninguém tinha feito antes, então se pesquisadores tiverem interesse eles poderão ter informações ainda mais refinadas. No caso das possíveis espécies novas, uma pesquisa aprofundada terá que ser feita.

- Enquanto pesquisadora, o que essa expedição científica significa para você?

Estar numa expedição como essa é sempre muito importante e muito agradável. Essa expedição em particular tem um significado especial porque eu sou pesquisadora colaboradora da UFPA em Altamira e professora da UFPA de Bragança e dentre os projetos com os quais eu colaboro, tem um cujo objetivo é montar uma coleção de peixes do rio Xingu. Então, o material coletado aqui vai para a UFPA em Altamira e vai ser triado lá. Parte do material fica por lá para servir de referência para futuros estudos e grande parte vai para os acervos das instituições como o Instituto de Pesquisas Amazônicas (INPA) e o Museu Emílio Goeldi. 

Como ictióloga e geneticista, trabalhar um inventário dessa área pouco conhecida e aproveitando esse movimento mundial de conhecimento da biodiversidade com uso de ferramentas moleculares e biotecnologia, é muito importante. Nós estamos montando um banco de dados genético, para o qual já coletamos quase 100 testemunhos de tecidos de várias espécies que servem para análise de DNA. Esse material é conservado no campo em álcool e depois é guardado em freezer e servirá para gerações futuras pesquisas fazerem análise genética nos próximos cinqüenta e setenta anos.

Vale ressaltar que esse material está sendo coletado dentro do contexto de uma rede nacional criada agora para estudo de estabelecimentodo código de barras de DNA da biodiversidade brasileira. A partir dessa rede, nós iremos fornecer informações para diversos grupos de cientistas do Brasil e do mundo.

- Qual a importância da pesquisa no Parque Nacional da Serra do Pardo?

Sabemos que toda a Amazônia é megadiversa, mas essa região do Parque Nacional da Serra do Pardo é um dos redutos ainda mais megadiversos. Estamos confirmando peculiaridades interessantes aqui. Se olharmos os mapas de coletas, veremos que não existe acervo dessa região nas coleções brasileiras e com essa pesquisa, vamos adicionar registros importantíssimos da biodiversidade brasileira. Hoje em dia isso significa valoração da biodiversidade, incremente do valor estratégico de uma nação e inclusive das próprias populações tradicionais que vivem aqui na bacia do Xingu.



Saiba mais sobre a Expedição Científica à Terra do Meio 2010:

Janice Cunha, pesquisadora de ictiofauna.
Janice Cunha, pesquisadora de ictiofauna.
© WWF-Brasil / Adriano Gambarini
Espécie de arraia encontrada durante a Expedição Científica ao Parque Nacional da Serra do Pardo 2010.
Espécie de arraia encontrada durante a Expedição Científica ao Parque Nacional da Serra do Pardo 2010.
© WWF-Brasil / Adriano Gambarini
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