COP29: “Dia do Brasil” debate desafios e prepara caminho para Belém
novembro, 22 2024
Sete eventos realizados pelo WWF-Brasil em Baku destacam temas como engajamento na agenda climática, financiamento para conservação de florestas e desinformação
Por Fábio de Castro, especial para o WWF-BrasilAo longo de 10 horas, o Brasil esteve no centro das discussões na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), em Baku, no Azerbaijão. Na última quarta, 20, especialistas de várias nacionalidades participaram de sete eventos promovidos pelo WWF-Brasil, em um dia inteiro de debates sobre os desafios e as oportunidades do país no enfrentamento às mudanças climáticas.
Preparando o caminho para a COP30, que será realizada pela primeira vez na Amazônia, em Belém do Pará, em 2025, os eventos discutiram, por exemplo, como financiar soluções para a crise climática e suas consequências, a implementação das contribuições nacionalmente determinadas (NDC) apresentadas pelo Brasil, como cumprir as metas globais de adaptação de forma mais inclusiva, como aumentar a participação da sociedade na agenda socioambiental, levando em conta a justiça climática, e como evitar que a desinformação prejudique os avanços já conquistados na luta contra a crise climática.
Sara Pereira, representante da Cúpula dos Povos da COP30, destacou o engajamento da sociedade civil nas conferências do clima frisando a importância do protagonismo dos povos ribeirinhos, populações indígenas e comunidades tradicionais nessa discussão. Segundo ela, a Cúpula dos Povos é uma articulação da sociedade civil global que se mobiliza em torno da pauta climática e se organiza de maneira a preservar a autonomia da crítica social.
“Em Belém, a Cúpula dos Povos contribuirá com a força da mobilização da sociedade civil do Brasil, da América Latina e de todo o mundo, trazendo essas diversas vozes dos inúmeros territórios que já sentem os danos da crise climática. É preciso que a discussão nas COPs tenha esse olhar para realidade plural, diversa e complexa”, afirmou.
Segundo a ativista, na Amazônia, povos indígenas e populações tradicionais, que tanto dependem da água, vivem uma seca severa que se agrava a cada ano. São os primeiros atingidos pela crise climática, mas também são aqueles que precisam ser ouvidos porque conhecem as soluções para essa crise.
“Os povos amazônicos manejam a floresta e suas águas de forma equilibrada há séculos. Temos muito o que mostrar ao mundo. Queremos, em Belém, que essas vozes amplificadas, potentes, não só cobrem dos governos e dos negociadores responsabilidades concretas para enfrentar a crise climática, como também mostrem ao mundo que estará em Belém que esses territórios têm soluções reais para essa crise. Não é possível pensar em uma COP30 que não tenha a pauta climática pautada na justiça climática”, declarou Sara.
“COP do povo”
Alberto Kleiman, diretor de Relações Institucionais na Secretaria Extraordinária para a COP30, do governo federal, garantiu que o evento terá a relação entre o humano, a natureza e o clima em seu centro e que toda a organização será construída em torno dessa ideia. “Um dos nossos desafios é engajar os atores não-estatais. O presidente Lula deu o mote da COP30 ao dizer que será a COP do povo. Nossa prioridade é não criar nenhuma limitação burocrática ou geográfica ao engajamento da sociedade”, afirmou.De acordo com Kleiman, uma das iniciativas consistirá em otimizar os espaços já criados em COPs anteriores, como uma Zona Verde mais criativa e inclusiva, a fim de proporcionar uma participação de mais qualidade do público em geral e, em especial, às comunidades de Belém e de outros locais da Amazônia.
“Junto dos povos locais, queremos também atrair os pequenos negócios, que devem participar como fornecedores de soluções, e as startups que trabalham com questões ambientais em países em desenvolvimento. Já foram investidos R$ 6 bilhões até agora em Belém, que deixarão um legado material para a região, mas é preciso também investir nesse legado imaterial da participação”, disse Kleiman.
Adaptação e inclusão
A inclusão da população afrodescendente e comunidades locais também foi um tema central em debates sobre a construção da Meta Global de Adaptação (UNFCCC) e do Plano Clima Adaptação do governo brasileiro. O Plano Clima Adaptação está em fase de elaboração e deverá ser entregue com certo atraso, em 2025. A elaboração política contou com a participação online da sociedade por meio da plataforma Brasil Participativo. Embora forme 56% da população brasileira, a comunidade negra tem dificuldade de participar ativamente da construção das políticas públicas, sobretudo quando a consulta envolve metodologias excludentes como o acesso à internet e ao portal Meu Gov, de acordo com Mariana Belmont, do Instituto de Mulheres Negras Geledés.“O que acontece historicamente é que, por mais avanços que a gente tenha em várias políticas ambientais - e o Brasil é mesmo uma referência nessa agenda - várias dessas políticas acabaram sendo políticas que ajudaram o extermínio e remoção de pessoas de territórios negros. Hoje, olhamos o preâmbulo do Plano Clima Adaptação, que está em consulta pública, e vemos ali os termos ‘antirracista’, ‘racismo ambiental’ e ‘combate ao racismo’. Mas não sabemos como isso vai ser, de fato, na implementação”, disse Mariana.
Ela afirma ter dúvidas sobre se os recursos para adaptação à crise climática chegarão às periferias para implementação e, principalmente, se as políticas públicas propostas serão inclusivas. “O que temos visto nos últimos anos é que as políticas de adaptação e conservação removem as pessoas. E, para nós, não há nada mais racista e classista do que remover as pessoas do seu território, da sua comunidade, da sua história, do seu convívio familiar e suas tradições dizendo que aquilo é uma área de risco”, salientou.
Negacionismo
Outra preocupação para os especialistas, considerando o engajamento da sociedade na agenda climática, é a desinformação, que não apenas nega o consenso científico sobre a questão das mudanças do clima, mas também busca desacreditar as políticas baseadas em evidências e ciência, de acordo com Liliam Beatris Chagas de Moura, diretora do Departamento de Clima do Ministério de Relações Exteriores (MRE).“A leitura desse cenário levou o Brasil a construir nos últimos meses, em parceria com a ONU e a Unesco, a Iniciativa Global para Integridade da Informação em Mudanças Climáticas, que foi lançada no dia 18 novembro durante a reunião do G20 no Rio de Janeiro. O objetivo é promover a defesa da integridade da informação sobre mudança climática, o financiamento para pesquisas e ações estratégicas por meio de advocacy e diplomacia”, disse Liliam. Segundo ela, a iniciativa será financiada por um fundo global que tem o objetivo de captar US$ 50 milhões.
Martina Donlon, chefe de Comunicações sobre o Clima da ONU, destacou que, além de liderar a iniciativa, o Brasil conseguiu, pela primeira vez, inserir a questão da desinformação climática na declaração final do G20. Acrescentando que a ONU também está comprometida na iniciativa porque a desinformação gera falta de confiança na ciência e nas instituições.
“Isso mina tudo aquilo pelo que trabalhamos, seja ação climática, direitos humanos, vacinas ou assistência médica. Vemos os mesmos grupos de desinformação, transitando de uma questão para outra, usando os mesmos tipos de táticas e estratégias para minar a confiança na ciência e nas instituições”, alertou Martina.
Sistemas agro-alimentares
Além da questão da desinformação climática, o Brasil também conseguiu inserir na declaração do G20 o tema da transição para sistemas alimentares mais sustentáveis, o que foi considerado um bom sinal por Isabel Garcia-Drigo, diretora de Estratégia Climática, Uso da Terra e Políticas Públicas do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola).“Outro bom sinal nesse sentido é a nova NDC do Brasil, apresentada nesta COP. Os planos incluídos nessa NDC contêm ações e medidas que têm potencial para transformar a agricultura e a pecuária. Por outro lado, em larga medida, são planos com poucos detalhes de implementação”, ponderou Isabel.
“A NDC menciona, por exemplo, as práticas e tecnologias recomendadas pelo nosso Plano de Agricultura de Baixo Carbono. Isso inclui pecuária intensiva, sistemas de plantio direto, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF), entre outros tipos de tecnologias e práticas. Isso é bom, é altamente recomendável, no entanto requer implementação em grande escala e financiamento”, disse ela.
A transformação dos sistemas alimentares também será fundamental para deter o desmatamento, de acordo com Moisés Savian, secretário de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Assuntos Socioambientais do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Segundo ele, o ministério prioriza como ação a transformação dos sistemas agroalimentares, com um foco especial na agenda de florestas produtivas e bioeconomia.
“Temos conseguido ótimos resultados no combate ao desmatamento, mas nossa avaliação é de que esse resultado chegará até um limite. Se não tivermos alternativas de produção com uso da floresta, não conseguiremos zerar o desmatamento. Há toda uma economia por trás do garimpo e do desmatamento. Precisamos gerar uma nova economia - que não é exatamente nova, porque as comunidades que estão lá fazem isso há muitos anos”, disse Savian.
O secretário destacou iniciativas como o Programa Floresta Produtiva, diretamente focado na meta de restauração florestal, que consta do Plano Nacional de Recuperação de Vegetação Nativa e tem por objetivo restaurar áreas degradadas ou alteradas com sistemas agroflorestais. “Também há uma importante ação do BNDES, a iniciativa Restaura Amazônia, que colocará R$ 450 milhões em projetos de restauração. O primeiro edital será lançado nos próximos dias”, salientou.
Florestas no centro das atenções
O financiamento para a conservação de florestas também foi intensamente debatido durante os eventos. Andrew Deutz, diretor-executivo de Políticas Globais e Parcerias do WWF, afirmou que o tema está cada vez mais presente nas COPs e destacou diversas iniciativas realizadas nos últimos anos.“Tivemos vários avanços recentes, o que nos faz pensar que o mundo começou a reconhecer que não há solução de longo prazo para a crise climática sem resolver a crise de biodiversidade - o que tem ampla conexão com as florestas. E, inversamente, não podemos resolver os problemas das florestas e da biodiversidade sem resolver a questão climática. E as florestas estão no centro de tudo isso”, disse Deutz.
Entre as iniciativas mencionadas estão a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas, um compromisso ambicioso de mais de 100 países para interromper e reverter o desmatamento e a degradação de paisagens até 2030, acordado durante a COP26 e confirmado como compromisso global na COP28, em 2023, a Parceria de Líderes de Florestas e Clima (FCLP, na sigla em inglês), formalizada na COP27, em 2022, e o Fundo para as Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), apresentado pelo governo brasileiro durante a COP28.
Aurélie Koumba, coordenadora, no Gabão, da Parceria da Floresta da Bacia do Rio Congo, afirmou que na região há 300 milhões de hectares de florestas, metade delas intactas, que absorvem cerca de 30 bilhões de toneladas de carbono. Mas, embora os países da Bacia do Congo sejam responsáveis por apenas 4% das emissões anuais de gases de efeito estufa, são “o primo pobre” da captação dos fundos para preservar os maciços florestais.
“A injustiça climática se une a uma injustiça financeira, mas estamos tentando preencher essa lacuna de financiamento. O TFFF, proposto pelo Brasil, é realmente uma oportunidade para os países da bacia do Congo para tentar atrair a atenção não apenas para um, mas para os três maciços florestais mais importantes do mundo. Nós compreendemos que é a união que faz a força e por isso devemos nos preparar agora para termos uma só voz em Belém”, afirmou.
NDCs: ambição e implementação
Aloisio Melo, diretor de Política Climática do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA), discutiu os desafios para aumentar os investimentos públicos e privados a fim de cumprir as metas da NDC apresentada pelo Brasil, que incluem uma redução de 67% das emissões até 2035, em relação aos níveis de 2005, e estão em linha com o compromisso de atingir a neutralidade em gases de efeito estufa até 2050.“Alguns desses desafios das NDCs estão relacionados à mobilização de recursos públicos, em grande parte, mas também à criação de condições para mobilizar mais recursos privados para áreas como redução do desmatamento - que é uma área chave para nós - e para isso temos que mobilizar ações de comando e controle, mas também alinhar com os setores da economia como o setor agrícola - e de restauração florestal”, explicou Melo.
Ele afirmou que estão sendo construídos instrumentos como os títulos verdes da dívida soberana, que são utilizados diretamente para o financiamento climático. Outra estratégia é o eco-invest, uma iniciativa lançada ainda esse ano pelo governo brasileiro. “Isso serve basicamente para aumentar os financiamentos. De janeiro a outubro, o BNDES aprovou cerca de US$ 1,5 bilhão para fundos climáticos nessas áreas. É mais do que aprovamos nos últimos 11 anos em financiamento climático.”
Sem clima para matrizes fósseis
Shirley Matheson, coordenadora Global de Aprimoramento de NDC do WWF, destacou o esforço da organização para auxiliar os países na construção de NDCs que levem em conta a transição de combustíveis fósseis para matrizes energéticas mais sustentáveis.“O WWF tem trabalhado com o aprimoramento de NDCs mais ambiciosas nos últimos 6 anos, estimulando uma abordagem holística que integre nas propostas dos países diversos fluxos de trabalho envolvendo energia, natureza e sistemas alimentares. Uma das nossas principais ações foi a construção de uma checklist das NDCs, que mostram as características que gostaríamos de ver nas NDCs dos países”, explicou Shirley, referindo-se à ação NDCs Que Queremos.
Ricardo Fujii, líder de Transição Energética do WWF-Brasil, afirmou que as mudanças climáticas transformaram inteiramente a maneira como se pensa a questão da energia desde o planejamento da matriz energética até os processos de instalação e implementação de projetos nessa área.
“Antes, para fazer o planejamento energético, bastava fazer uma projeção da demanda e considerar as alternativas viáveis do ponto de vista técnico, com análises de cenários, custos e riscos. Com as mudanças climáticas tivemos que mudar isso, não apenas considerando o zero líquido na matriz energética, mas também começando a pensar mais seriamente nos aspectos socioambientais, locais, globais, econômicos e políticos no processo de planejamento”, disse.
"Toda essa série de eventos, complementados por outros que participamos em Baku, como o apoio ao lançamento da Troika Indígena, tiveram como objetivo colocar para o público os temas mais relevantes para a COP de Belém: natureza e biodiversidade, a redução da desigualdade e um olhar prioritário para as populações mais vulneráveis, e o financiamento para a implementação dos compromissos que serão apresentados durante o ano de 2025", afirmou Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF-Brasil. "O WWF-Brasil inicia assim sua jornada para a COP30, apoiando e articulando parcerias com a visão de que juntos podemos manter a missão 1.5oC viva".