WWF-Brasil e Instituto Alana reforçam apoio à APIB em processo de “conciliação” no STF

outubro, 25 2024

Manifestação das organizações destaca a importância da participação dos povos indígenas nas discussões e a necessidade de transparência no processo sobre a Lei 14.701/2023
Por Lays Araújo, do WWF-Brasil

No último dia 18 de outubro de 2024, o WWF-Brasil e o Instituto Alana, ambos atuando como amici curiae (amigos da corte), apresentaram uma manifestação conjunta ao Supremo Tribunal Federal (STF), reafirmando as demandas dispostas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) de se retirar da mesa de conciliação estabelecida para debater a constitucionalidade da Lei n.º 14.701/2023. A referida lei trata de questões relacionadas à demarcação e ocupação dos territórios indígenas e a exploração dos recursos naturais dos seus territórios.

A APIB tem reforçado, dentro dos autos e publicamente, o quanto essa conciliação tem sido conduzida “com premissas equivocadas, desinformadas e pouco aberta a um verdadeiro diálogo intercultural”. Em carta, quando se retira da Comissão de Conciliação, a entidade expõe argumentos jurídicos que relacionam sobretudo à integridade de um devido processo à legitimidade dessa conciliação. Mesmo tendo se retirado e motivado sua decisão, as discussões e trabalhos da Comissão de Conciliação seguiram sem alterações. Segundo o WWF-Brasil e o Instituto Alana, a manutenção das negociações sem a presença da APIB compromete a integridade do processo. Essa saída aconteceu após a avaliação, por parte da Apib, de que as condições atuais não asseguravam uma participação equitativa dos povos indígenas. Além disso, a organização expressou preocupações sobre a intensificação da violência nos territórios indígenas, exacerbada pela vigência da Lei n.º 14.701/2023. 

Além de apoiar a decisão da APIB, o WWF-Brasil e o Instituto Alana também reforçam a necessidade de maior transparência nas sessões da Comissão Especial de Conciliação, que discute a aplicação da Lei. Até o momento, apenas uma audiência teve seu registro de vídeo amplamente divulgado, o que, segundo as organizações, compromete a clareza do processo. As organizações também assinalam para a nomeação de novos representantes indígenas indicados pelo Ministério dos Povos Indígenas, apontando que, apesar de estarem dentro da legalidade, essas nomeações não dispõem de legitimidade para representação dos povos indígenas do Brasil. Para o WWF-Brasil e o Instituto Alana, é preciso que sejam observadas as condições já explicitadas pelos autores da ação,  em especial a aplicação plena da Resolução 454/2022 do CNJ, que estabelece diretrizes e para um efetivo acesso à justiça em matéria de direitos indígenas.

Outro ponto central da manifestação é a defesa da aplicação do controle de convencionalidade. O WWF-Brasil e o Instituto Alana argumentam que a Lei n.º 14.701/2023 viola convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, como a Convenção n.º 169 da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que afetam seus territórios. Além disso, a lei estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A preservação das Terras Indígenas é essencial para o futuro do meio ambiente e o combate à intensificação das mudanças climáticas. Elas são reconhecidas como barreiras naturais contra o desmatamento e, portanto, fundamentais para a conservação da biodiversidade. Dados do MapBiomas revelam que apenas 1,4% do desmatamento no Brasil em 2022 ocorreu em Terras Indígenas, e essa proporção se mantém desde 1985.

O WWF-Brasil e Instituto Alana pedem que o entendimento da inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal seja reafirmado pelo STF, conforme os princípios de justiça e respeito aos direitos fundamentais. Uma declaração definitiva da inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023 dará aos povos indígenas segurança jurídica para seguir na luta por seus territórios, e só assim o Brasil poderá avançar no caminho de uma gestão socioambiental responsável e respeitosa. 

Além de todas as implicações socioambientais, o WWF-Brasil e o Instituto Alana também alertam para os impactos da Lei n.º 14.701/2023 sobre os direitos das crianças e adolescentes indígenas. A manutenção dessa lei coloca em risco o futuro e presente dessas populações vulneráveis, que dependem diretamente dos seus territórios para sobreviver. O STF precisa agir para resguardar esses direitos, consoante aos tratados internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. A dignidade e os direitos dessas crianças e adolescentes não podem ser negociados, fragilizados e/ou comprometidos em qualquer circunstância. 

O STF deve decidir nos próximos meses se mantém a vigência da Lei n.º 14.701/2023 ou se declara, mais uma vez, sua inconstitucionalidade. Os trabalhos da Comissão de Conciliação seguem um calendário de reuniões semanais até o final do mês de novembro. Enquanto isso, o WWF-Brasil, o Instituto Alana e outras organizações continuarão a monitorar o processo, convocando a sociedade a se mobilizar nessa agenda de lutas. É um momento fundamental e urgente para a proteção das florestas, da biodiversidade e dos direitos dos povos indígenas. A mobilização popular será fundamental para garantir que esses direitos, que são a base da nossa coexistência com o meio ambiente, sejam preservados.


Sobre o WWF-Brasil


O WWF-Brasil é uma organização da sociedade civil brasileira que há 28 anos atua coletivamente com parceiros da sociedade civil, academia, governos e empresas em todo país para combater a degradação socioambiental e defender a vida das pessoas e da natureza. Estamos conectados numa rede interdependente que busca soluções urgentes para a emergência climática.

Sobre o Instituto Alana


Uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos. Com a missão de “honrar a criança” e é a origem de um trabalho que começou em 1994, no Jardim Pantanal, em São Paulo.Há mais de 27 anos busca garantir que crianças e adolescentes sejam prioridade absoluta em todas as esferas de decisões da sociedade. Garantindo dessa forma seus direitos, desejos e protagonismo. Todas as ações incluem apoio jurídico para formulação, além de implementar políticas públicas, comunicação de excelência sobre os temas que atingem as múltiplas infâncias brasileiras e mobilização nacional e internacional. Sempre organizada de forma a alcançar impactos sistêmicos.

 
A manutenção das negociações sem a presença da APIB compromete a integridade do processo
A manutenção das negociações sem a presença da APIB compromete a integridade do processo
© Tukumã Pataxó / APIB
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