Sistema informatizado elimina custo de Reserva Legal para agricultores no Alto Vale do Itajaí/SC
novembro, 17 2011
Experiência inovadora no Sul do país simplifica a aplicação da lei aos pequenos produtores e mostra que é possível averbar RL de forma simples, ágil e barata sem precisar mudar o Código Florestal
Por Sandra DamianiEspecial para o WWF-Brasil
Apenas uma manhã foi necessária para que Ademir Afonso Assing, produtor rural em Chapadão do Lageado (SC), deixasse a prefeitura de seu município com o processo pronto para criar a Reserva Legal (RL) em um de seus imóveis. Em pouco mais de duas semanas, o processo da área de 1 hectare retornava à prefeitura já homologado. Seu único gasto foi com a quantia de R$ 70 para a averbação no Registro de Imóveis. Sem visitas a áreas de difícil acesso ou procedimentos custosos e burocráticos, 145 proprietários rurais no Alto Vale do Itajaí, região central de Santa Catarina, já foram beneficiados por um novo sistema que simplifica a criação da RL e serve de modelo para o país.
Assim como Ademir, cerca de 25 mil produtores rurais da região também podem legalizar suas propriedades gratuitamente. A estimativa é de que a economia no bolso dos proprietários rurais, a maioria pequenos produtores, chegue a R$ 40 milhões, segundo a Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí (Amavi), responsável pelo projeto de adequação ambiental dos imóveis rurais.
“É possível averbar as reservas legais de forma simples e barata”, reforça o ecólogo e assessor ambiental da Amavi, Wilando Sérgio Kurth. Ademir pôde comprovar na prática. Para fazer a reserva da maneira convencional, o produtor desembolsaria R$ 900 e esperaria até a conclusão do processo que costuma ser bastante demorado.
O pulo do gato foi interligar todos os envolvidos na averbação da RL em um sistema online inédito no país. Ele conectou a Amavi, as prefeituras municipais, que disponibilizaram um técnico para o atendimento ao produtor; a Fatma, órgão estadual de meio ambiente, e os cartórios municipais, permitindo que um processo iniciado em uma das prefeituras possa ser finalizado até mesmo em um dia, se o fluxo correr sem necessidade de correções ou espera.
Do Ministério do Meio Ambiente, parceiro da iniciativa, vieram 36 computadores para equipar todas as 28 prefeituras da região e as imagens atualizadas de satélite. Até o momento, faltam as imagens de apenas três cidades nas quais ainda não é possível fazer o procedimento: Santa Terezinha, Mirim Doce e Rio do Campo.
“Normalmente, o processo de averbação convencional leva entre um e três meses. Em alguns casos, até mais tempo. Pelo sistema, se o proprietário trouxer toda a documentação e o retorno da Amavi, que faz a homologação e checagem dos dados, for rápido, pode sair até no mesmo dia”, explica Jonas Schneider, técnico em agropecuária da prefeitura que fez o processo para Ademir. Ele e outros técnicos das prefeituras envolvidas passaram por duas capacitações para estarem aptos a usar o software e atender os produtores rurais.
Corredores Ecológicos
Além do cumprimento à lei sem onerar o produtor, o sistema tem o objetivo de formar corredores ecológicos. Como possibilita a visão espacial de toda região, dos remanescentes, Áreas de Preservação Permanente (APPs), a tecnologia permite fazer escolhas que favoreçam a conexão entre os fragmentos de Mata Atlântica, condição essencial para a manutenção dos serviços ecológicos da floresta.
Jonas lembra que as reservas são sempre desenhadas para promover a conectividade entre os remanescentes, outro objetivo do projeto. “Se deixarmos acontecer de forma desorganizada, nós conseguiríamos 25 mil ilhas desconexas. Isso não resolveria”, explica o secretário-executivo da Amavi, Agostinho Senem.
Os dados alimentam uma plataforma que será chave na gestão pública dos municípios. Para o futuro, a idéia é agregar informações adicionais sobre fauna e flora, a produção, tipo de agrotóxicos consumidos e, até mesmo, dados socioeconômicos relevantes. Conforme Agostinho Senem, além de proteger os remanescentes de Mata Atlântica, o sistema eletrônico oferece uma visão dinâmica sobre as necessidades da bacia hidrográfica. Será possível saber onde é preciso investir para melhorar a cobertura vegetal, por exemplo, e desenvolver projetos futuros que favoreçam ganhos econômicos aos produtores.
Modelo para o país
Segundo o diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João de Deus Medeiros o projeto atende aos objetivos do Programa Mais Ambiente, criando condições para que o processo de adequação dos imóveis rurais, em especial, dos pequenos, possa ser simplificado. “A experiência no Vale do Itajaí foi bastante exitosa para indicar um caminho e as medidas mais acertadas para que, dentro do possível, possa ser expandido a todos os municípios do país”, avalia. “O sistema eletrônico pode servir ainda como base para o cadastro nacional que está sendo proposto no projeto de reforma do Código Florestal”, complementa o consultor Wigold Schaffer, que participou do desenvolvimento do projeto.
João de Deus adianta que o MMA, em parceria com a organização ambientalista TNC, trabalham no aprimoramento do software de espacialização georreferenciada, para aplicação online e desktop. “Como são programas em software livre, bastaria disponibilizarmos para os municípios terem acesso.” Segundo o diretor, o Ministério também está abrindo licitação para compra de imagens de satélite em alta resolução para outras regiões. Ele admite, no entanto que existem desafios para adoção da tecnologia no restante do país. Entre eles, a necessidade de capacitação dos usuários do sistema e o alto custo das imagens.
Agostinho Senem tem sido procurado por pessoas de diferentes estados para compartilhar a experiência. Em agosto, o secretário-executivo da Amavi foi a Brasília apresentar o modelo adotado no Alto Vale do Itajaí em reunião da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, do Senado. “Se conseguimos fazer numa região montanhosa como a nossa para outras regiões do país será ainda mais fácil”, acredita.
Até o projeto engrenar, foram quase 30 meses de trabalho árduo, formando parcerias que mudaram o trâmite habitual e tornaram o fluxo muito mais rápido. Para descobrir a localização exata dos imóveis rurais foi necessário fazer o georreferenciamento de mapa da ocupação da região de 70 anos atrás. Foi ainda preciso aguardar a aquisição de imagens de satélite atualizadas e fazer melhorias no sistema para torná-lo mais amigável aos técnicos das prefeituras. O projeto teve que encontrar soluções a outros limitadores como a emissão da Anotação de Responsabilidade Técnica, que no processo convencional é emitida para cada imóvel, enquanto no projeto, apenas uma para todo município.
Convênio com a Fatma também concedeu a Amavi a possibilidade de homologar e chancelar o processo eletronicamente o que levou a maior rapidez e eliminação do trânsito de papéis. Desde o final de setembro, o sistema também está sendo usado para salvar parte dos processos cujos papéis foram destruídos com a inundação da sede do órgão ambiental durante a enchente que assolou o estado.
Impacto das discussões no Senado
Com o programa pronto e os técnicos capacitados desde maio, o projeto agora enfrenta a desmobilização dos agricultores promovida pela discussão de reformas no Código Florestal. Embora o prazo legal para adequação seja dezembro deste ano, a demanda caiu porque muitos produtores estão aguardando o desfecho quanto uma possível isenção de RL para a pequena propriedade. “Isso está atrapalhando o trabalho”, reconhece Agostinho.
A demanda continua principalmente pelos proprietários que precisam da regularização para obtenção de empréstimos ou para venda do imóvel. Como Ademir, que precisava regularizar uma área de 5 hectares para venda, mas ainda aguarda para fazer a reserva para seus outros imóveis. “Estou esperando para legalizar mais à frente devido à lei que está em votação até quatro módulos”, revela o produtor que planta fumo, milho e cria gado em 54 hectares.
Como o sistema funciona
O proprietário rural se dirige a prefeitura de seu município com os documentos do imóvel e junto com o técnico, treinado pela Amavi, identifica as coordenadas da propriedade no mapa georreferenciado e faz seu cadastro. O técnico da prefeitura delimita a reserva, com o consentimento do proprietário, considerando sempre a melhor área para formar um corredor de biodiversidade entre as matas nativas.
O próprio sofware calcula o tamanho de cada polígono, segundo a área da propriedade. É formado o processo, composto pelo croqui da Reserva Legal, termos de responsabilidade e documentos do imóvel escaneado, que são enviados à Amavi onde técnicos da instituição verificam as informações, checam se há cobertura vegetal naquelas coordenadas e se não há sobreposição. Se tudo estiver correto, e a conferência na Amavi estiver disponível na seqüência, o processo pode retornar homologado no mesmo dia para a prefeitura. Com a documentação impressa em mãos, basta assinar providenciar a averbação no registro de imóveis. Vale lembrar que agricultores familiares poder solicitar isenção da taxa de averbação. O próprio cartório tem acesso online ao cadastro da propriedade do qual extrai as coordenadas exatas para inserir na escritura do imóvel. As informações da propriedade e da RL, salvos no banco de dados, passam a figurar em mapa do município.
O projeto “Adequação ambiental de imóveis rurais através da averbação da reserva legal” é fruto da parceria entre Amavi, Ministério do Meio Ambiente, Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma), Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), Funbio, TNC e o banco alemão KFW.
LINKS:
Para saber mais sobre o projeto de adequação ambiental de imóveis rurais
www.amavi.org.br
Agradecimentos: O WWF-Brasil gostaria de agradecer aos produtores rurais, a AMAVI e a Apremavi que, mesmo com dificuldades decorrentes da cheia que inundou o Alto Vale do Itajaí em setembro, receberam e apoiaram a reportagem para a chegada até as propriedades dos agricultores familiares