abril, 19 2007
Por Bruno Taitson
Terras indígenas e unidades de conservação em Rondônia têm sofrido constantes invasões para o desenvolvimento de atividades de pecuária, garimpo, caça, pesca e extração de madeira. No corredor ecológico binacional Itenez-Mamoré, que inclui no Brasil o estado de Rondônia e, na Bolívia, os departamentos de Pando, Beni e Santa Cruz, a pressão sofrida pelas áreas protegidas ameaça ecossistemas e comunidades locais.
Cláudio Maretti, superintendente de conservação do WWF-Brasil, destaca que o objetivo principal de um corredor ecológico é buscar a conservação e o manejo sustentável de todos os ecossistemas identificados na área, respeitando direitos e prerrogativas das populações locais. “A proposta desses corredores é garantir a proteção da biodiversidade e a qualidade de vida, conciliando a utilização racional dos recursos naturais e a conservação da biodiversidade das unidades de paisagem existentes”, explica.
Ele lembra que, dos corredores geridos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Itenez-Mamoré, que conta com 39 unidades de conservação e 20 terras indígenas, é um dos que se encontra em estágio mais avançado de implementação. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, morada de pelo menos seis etnias indígenas, cuja demarcação administrativa foi homologada em 1991 e que ocupa aproximadamente 1,8 milhão de hectares, está localizada no coração desse corredor.
A Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé (ONG parceira do WWF-Brasil que atua com populações tradicionais), alerta para diversas violações às fronteiras da TI Uru-Eu-Wau-Wau, com desmatamentos que não poupam sequer as matas ciliares. Um exemplo claro acontece às margens do Rio Jamari, onde uma vasta área foi desmatada recentemente – inclusive com colocação de cercas – e ocupada com dezenas de cabeças de gado.
O Artigo 231 da Constituição de 1988 expressa claramente que as terras indígenas, uma vez demarcadas, são de posse permanente das etnias locais, “cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes” (parágrafo 2º).
Ivaneide Bandeira Cardozo, coordenadora da Kanindé, informa que as violações ao artigo 231 da Constituição acontecem em várias terras indígenas, não só em Rondônia, como em outras partes do país. “As autoridades governamentais têm feito muito pouco para coibir isso, fazendo com que populações indígenas tenham sua sobrevivência comprometida e sendo conivente com a devastação de extensas áreas de floresta”, analisa.
O superintendente de conservação do WWF-Brasil classifica as invasões das TIs como “extremamente preocupantes”. Segundo ele, a omissão do poder público diante da situação coloca em risco a integridade de importantes áreas da Amazônia. “Imagens de satélite demonstram claramente que as terras indígenas apresentam altos índices de conservação da floresta e da biodiversidade. No caso de Rondônia, isso fica ainda mais evidente”, declara.
Sob o ponto de vista da biodiversidade e dos recursos hídricos, a conservação da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau assume importância ainda maior. Ela está sobreposta ao Parque Nacional dos Pacaás Novos, e concentra as nascentes dos rios Candeias, Cautarinho, Cautário, Jaci-Paraná, Jamari, Jaru, Muqui, Ouro Preto, Pacaás Novos, São Francisco, São Miguel e Urupá, principais responsáveis pelo abastecimento de água de Rondônia.
De acordo com Ana Euler, técnica do WWF-Brasil, atualmente os indígenas assumem praticamente sozinhos o ônus da conservação. “É preciso que eles sejam compensados por este trabalho do qual todos os cidadãos de Rondônia e do mundo usufruem”, argumenta. “Por isso o WWF-Brasil realiza projetos que fortalecem as cadeias produtivas comunitárias de produtos não-madeireiros nas TIs, para oferecer aos índios opções para melhorar sua qualidade de vida”, completa.
As autoridades responsáveis pelo cumprimento da legislação ambiental na região apontam a falta de recursos como a principal justificativa para a crítica situação das áreas protegidas. A Fundação Nacional do Índio (Funai), principal órgão federal que cuida da situação indígena, é obrigada a recorrer a veículos de ONGs para cumprir suas tarefas e passa por constantes dificuldades em pagar diárias de funcionários envolvidos em missões de campo.
A gerência regional do Ibama responsável pelo Parque Nacional Pacaás Novos ainda não havia recebido, até a terceira semana de abril, sequer um centavo do repasse de verbas do governo federal previsto para 2007. No caso do Batalhão de Polícia Ambiental da Polícia Militar de Rondônia, o número limitado de homens para atuar no estado prejudica o trabalho.
A técnica do WWF-Brasil lamenta a falta de investimentos públicos na área ambiental. “O papel do governo não pode se limitar à criação das áreas protegidas, é preciso também alocar os recursos necessários para implementação, manutenção e fiscalização adequadas”, opina Ana Euler.