Entrevista com Gustavo Irgang, coordenador da Expedição Científica Juruena.
Entrevista com Gustavo Irgang, coordenador do Programa de Conservação de Áreas Protegidas do Instituto Centro de Vida (ICV) e da Expedição Científica Juruena. © Adriano GAMBARINI / WWF-Brasil

16 jan 2008

Por Denise Cunha

Nascido em Porto Alegre-RS, o geógrafo Gustavo Irgang é mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003) e tem ampla experiência na área de Geografia e Ecologia, com ênfase em Geoecologia, atuando principalmente com temas ligados à análise ambiental, bacia hidrográfica, geomorfologia, geoprocessamento e ecologia de paisagem. Atualmente, é coordenador do Programa de Conservação de Áreas Protegidas do Instituto Centro de Vida (ICV) e liderou a primeira fase da Expedição Científica Juruena, realizada entre os dias 12 e 30 de novembro.

Nessa entrevista, Gustavo nos explica a finalidade, a metodologia utilizada e a importância da construção do plano de manejo para o Parque Nacional do Juruena, descrevendo também a dinâmica das atividades e a grande interação entre a equipe em campo, além de revelar os resultados alcançados e os próximos passos do trabalho.

O que é um plano de manejo?

Trata-se da lei orgânica que rege gestão de qualquer área protegida. Toda área protegida pressupõem um plano de gestão, oficialmente chamado de plano de manejo. É esse documento que vai estabelecer os códigos, as regras, a caracterização e os limites para o uso direto ou indireto daquele espaço. Assim, este é um processo legal e tecnicamente embasado. Hoje, já temos uma equipe técnica capaz de desenvolver todas as demandas institucionais da unidade e o plano de manejo vem justamente para contribuir e estabelecer a regras a esse processo daqui para frente.

Quais são as etapas e procedimento para a construção de um plano de manejo?

Estamos trabalhando no Parque Nacional do Juruena, desde muito antes de sua criação. Agora, nessa fase de implantação do parque, nos envolvemos também com a elaboração do seu plano de manejo que é o ponto de partida para a sua gestão. Estamos fazendo o diagnóstico técnico científico para esse plano. Isso vai subsidiar o próximo passo que é o planejamento dentro das atividades. Após o planejamento, partiremos para a consolidação final e elaboração do documento em si. Assim, o processo envolve toda uma evolução de atividades relacionadas ao plano de manejo. Para a sua elaboração, o ICV, com o apoio do WWF-Brasil e em parceria com o Instituto Chico Mendes para a Biodiversidade (ICMBio), está assumindo a responsabilidade pela fase de construção do diagnóstico técnico ecológico que tem todo um roteiro metodológico já estabelecido, ou seja, trata-se de um documento do Ibama que traz a norma técnica a ser desenvolvida para o planejamento de unidades de conservação. Dentro desse código, está estabelecido que a Avaliação Ecológica Rápida (AER) seja realizada para subsidiar esse suporte técnico.

O que é a Avaliação Ecológica Rápida (AER)?

Corresponde ao processo técnico científico que tem dado bom resultado ao longo do tempo, justamente pelas suas peculiaridades. Ele foi desenvolvido nos Estados Unidos pela ONG The Nature Conservancy (TNC) para ser aplicado no resto do planeta, especialmente nas áreas de menor conhecimento e menor disponibilidade de cientistas para realização de estudos. Trata-se, basicamente, de uma estratégia de pesquisa integrada em que temos uma série de grupos temáticos que vão a campo juntos, abrangendo a mesma área, e trabalham de maneira interdisciplinar. Todo o diagnostico, no caso, é também sistematizado desde o princípio. Estabelece-se trabalhar com a AER nesse roteiro metodológico para que se possa ter um espelho fidedigno das atividades gerais. A padronização no procedimento, então, visa à ciência comparada. Assim, a AER é um método sistemático e que permite que os resultados sejam comparáveis. Como poderemos comparar, por exemplo, uma UC na Amazônia com uma UC na Mata Atlântica? Como poderíamos comparar os resultados sem esse padrão?

Quais são as dificuldades no processo de elaboração desse plano de manejo?

Uma unidade de conservação na Amazônia com as proporções do Parque Nacional do Juruena (são quase dois milhões de hectares) exige, para que tenhamos resultados minimamente satisfatórios, esforço proporcionalmente gigantesco, além de investimentos logísticos e de recursos humanos muito mais complexos e onerosos que a maioria das outras atividades de pesquisa e de inventário da biodiversidade feitas no restante do país. Temos mais dificuldades, precisamos de deslocamentos muito longos e os acessos são difíceis.

Quais foram os preparativos preliminares à expedição?

O que acaba contribuindo bastante e facilita o trabalho do pesquisador em campo é o planejamento prévio bem feito, que contempla a seleção e convocação da equipe e o estabelecimento dos detalhes logísticos. O Programa de Conservação do ICV realiza um trabalho de excelência na parte de geoprocessamento, o que se estabelece também como uma fase muito importante no planejamento: a escolha dos pontos de coleta. Trata-se de um programa de conservação cuja base está toda instalada em um banco de dados em Sistema de Informação Geográfica (SIG) que nos auxilia no estabelecimento dos pontos de coleta dentro do parque. Temos conseguido tirar muito bom proveito dessa ferramenta.

Quais são os critérios e procedimentos para a escolha dos pontos de coleta?

Todo o diagnóstico é pensado inicialmente em SIG. Pegamos toda a gama de informação secundária disponível espacialmente, sobrepomos esses dados e analisamos os padrões que encontraremos em campo, utilizando mapas e bases de dados oficiais existentes. Em seguida, trabalhamos em cima dessa informação com modelagens computacionais e análises de classificação, partindo também do princípio de que, antes da realização do diagnóstico, é preciso estabelecer unidades de paisagem. Para isso, contamos com uma inovação nesse processo, uma vez que estamos usando uma ferramenta relativamente nova na área das geotecnologias e ainda pouco utilizada: a classificação por rede neural. Desenvolvemos uma aplicação dessa técnica em nosso conjunto de dados. Nos estruturamos todo esse diagnóstico em cima dessas unidades de paisagem as quais são resultantes dessa classificação de rede neural para a nossa base de dados e, com base nisso, estruturamos as amostragens que geram dados que podem ser cruzados e, assim, gerar novos dados. Foram estabelecidas 14 unidades de paisagem com essa técnica e cada uma, por sua vez, possui, de acordo com suas particularidades, alguns sítios amostrais. Na prática, esses sítios correspondem às trilhas abertas em campo mata adentro para que o pesquisador possa se deslocar e realizar suas coletas. Esse é um processo de retroalimentação bastante interessante que não termina nunca. Quanto mais informações tivermos, melhor será a estruturação das próximas unidades de paisagem. Essa análise, então, pode ser refeita a cada momento no sentido de refinar essa informação.

Como avalia a interação da equipe multidisciplinar que compôs a expedição e como isso pode influenciar o resultado final?

Temos alguns indicadores preliminares, mas que comportam uma quantidade de dados bastante significativos o que mostra uma evolução da capacidade evolutiva do próprio grupo. Na verdade, temos um grupo que está cada vez mais focado na parte aplicada da pesquisa. Temos, no caso, uma sincronia entre os diferentes profissionais o que constrói uma grande equipe trabalhando por um objetivo comum em que todos são especialistas em sua área, mas entendem bastante o trabalho do vizinho e acabam contribuindo muito com o trabalho uns dos outros. Assim, vemos que o pesquisador acaba obtendo muita informação direta coletada pelo colega que sempre traz do campo mais um resultado que engrandece a atividade do companheiro e não somente a sua. Isso comprova que estamos realizando um trabalho coletivo por excelência, o qual é também diferente, possibilitando alcançar resultados ainda melhores.

Qual sua avaliação final do trabalho?

Ainda não concluímos exatamente o processo de triagem do material coletado, mas, pela reação dos diferentes técnicos e especialistas que participaram, temos praticamente uma validação prévia dessas unidades de paisagem como resultado básico do nosso diagnóstico. Encontramos diferenças significativas entre elas e recebemos informações diretas dos especialistas presentes na expedição que nos deixa bastante felizes com o resultado atingido. Já temos evidências de várias novidades científicas, como espécies ainda não classificadas. Temos também ocorrências novas tanto para a região como para o estado do Mato Grosso. Mas isso tudo ainda demanda um grande trabalho pela frente até que chegamos a alguma coisa conclusiva nesse sentido. No mais, eu fico mais feliz quando uma especialista me diz que desconhece a espécie do que quando ele a identifica com facilidade. Quando eu ouço “não sei” é que eu acho que a coisa está realmente evoluindo.

Qual avaliação quanto à parceria entre o IVC, WWF-Brasil e o ICMBio e quais as suas expectativas quanto a essa relação?

Estamos conseguindo desempenhar uma parceria bem aberta e franca desde o início do processo. E é parceria mesmo, muito diferente das relações que vemos com freqüência em que um paga as contas, outro executa e outro fiscaliza. Na verdade, as três instituições trabalham, de fato, juntas desde antes da criação do parque. Isso é excelência. E muito já foi feito. Logo após a criação do parque, nos realizamos uma grande expedição em conjunto, envolvendo também várias outras instituições que teriam alguma relação com a região. Foi nessa época que ficou decidido que o ICV realizaria as atividades relacionadas à elaboração do plano de manejo. Assim, trabalhamos em conjunto na estruturação da proposta por aproximadamente seis meses. Foi uma construção coletiva. Todo o processo está sendo assim e tenho certeza que continuará nesse ritmo.

Quais os próximos passos?

Como executores diretos das atividades, temos, no mínimo, mais um passo grande a ser dado que é a segunda fase do diagnóstico em campo. Pretendemos dobrar a quantidade de informação adquirida nessa primeira fase. Isso é o que se espera naturalmente para que tenhamos um conhecimento mínimo da área, pois, mesmo com todo o êxito que estamos tendo com o trabalho, precisamos de pelo menos o dobro de informações obtidas até agora para darmos conta do planejamento. A fase dois do diagnóstico, cuja expedição contemplará a parte Norte do parque, deve ser realizada entre os meses de fevereiro e março. Teremos, então, uma boa chance de agregarmos um número de informações significativo em cima dessa riqueza que já temos.

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