© Márcio Tenharim / WWF-Brasil

Projeto fortalece combate a queimadas e proteção territorial dos Tenharim

Localizada no Sul do Amazonas, no arco do desmatamento, a Terra Indígena é uma das mais expostas a pressões ambientais e ao fogo

 

24 de março de 2021   

 

Um projeto do WWF-Brasil em parceria com a Associação dos Povos Indígenas Tenharim Morogitá (APITEM) fortaleceu a gestão territorial e o combate às queimadas em uma das Terras Indígenas mais exposta às pressões ambientais na Amazônia. Localizada no Sul do Amazonas, na região do arco do desmatamento, cortada ao meio pela rodovia Transamazônica (BR-230), o território Tenharim-Marmelos está cercado por madeireiros, garimpeiros, fazendeiros e grileiros. 

Há décadas, os cerca de 500 indígenas distribuídos em 13 aldeias enfrentam graves conflitos fundiários com invasores. Com quase meio milhão de hectares, a Terra Indígena se estende pelos municípios de Humaitá e Manicoré - cujas principais atividades econômicas são a exploração da madeira, o garimpo e a agricultura.

Suscetível à pressão constante de grandes fazendeiros, interessados em expandir pastagens para gado e ampliar a monocultura, a TI Tenharim-Marmelos tem enfrentado o aumento do número de queimadas, que muitas vezes começam em propriedades vizinhas depois do desmatamento. As características diferenciadas dessa parte da Amazônia - onde há vastas áreas cobertas por campos - tornam a região especialmente sensível às queimadas. Como no Cerrado, o fogo faz parte do tradicional e perverso ciclo de corte e queima e se alastra com facilidade.

Em 2020, a Tenharim-Marmelos foi a quarta TI com mais queimadas no Amazonas: 38 focos. Vizinho da TI, o Parque Nacional dos Campos Amazônicos foi a terceira Unidade de Conservação com mais focos de incêndio no Estado: 70. De acordo com o Inpe, foram detectados 336 focos de fogo na TI nos últimos 10 anos. Não há dados oficiais sobre a área queimada nesse período, mas, em 2015, um único desses focos consumiu 6 mil hectares da TI e do Parque Nacional.

Segundo Nilcélio Jiahui, liderança indígena, membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e assessor técnico do projeto na APITEM, conta que, em meio a todas as pressões socioambientais, o fogo tem sido um dos principais desafios dos Tenharim. "A partir de abril, quando começa a temporada seca, a área toda fica muito suscetível ao fogo e isso tem se agravado com as mudanças climáticas. Mas os incêndios não começam com as queimadas tradicionais que nossos parentes fazem para a rotação do roçado. Eles começam por ação criminosa ou irresponsável de invasores", diz Nilcélio.

Ele conta que essa necessidade de proteger o território e controlar as queimadas levou a APITEM a buscar o apoio do WWF-Brasil no fim de 2019. Com duração inicialmente prevista para seis meses, o projeto teve as ações paralisadas por conta da pandemia de Covid-19 e um aditivo foi feito em julho de 2020. Na primeira fase, o projeto se concentrou em equipar e estruturar a Brigada Indígena Tenharim-Marmelos, formada por moradores da TI e mantida pelo Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), do Ibama.

"Na metade do ano passado, já tínhamos à disposição os equipamentos para a brigada e insumos para ações de combate ao fogo, além de recursos para a realização de duas ações de monitoramento de queimadas na Terra Indígena. A segunda etapa do projeto terá foco no monitoramento e proteção territorial", afirma.

Brigada equipada e alcance estendido

Para a estruturação da brigada de incêndios, o WWF-Brasil doou ferramentas de combate ao fogo, como sopradores, roçadeiras, abafadores, além de outros equipamentos para fortalecimento de proteção territorial, como um drone, um quadriciclo, GPS, câmera fotográfica e rádio. 

O projeto, com um investimento total de R$ 120 mil, também incluiu a doação de materiais de construção para a reforma da base da brigada, de materiais de escritório, retroprojetor, tela de projeção, caixa amplificada e impressora. Foram fornecidos ainda recursos para a compra de combustível e alimentação para a logística das ações de monitoramento.

Nilcélio ressalta que o projeto deu à brigada condições de se consolidar - hoje são 25 brigadistas equipados em plena atuação - e de expandir o alcance de suas missões de monitoramento de incêndios, o que tem proporcionado resultados importantes. 

"Fizemos uma missão de monitoramento na região da cachoeira da TI, onde o PrevFogo não chegava. Encontramos indícios de queimadas e fizemos uma notificação ao Ibama. Mais tarde, acompanhamos a operação do Ibama naquele local e foram apreendidos diversos equipamentos para desmatamento. Algumas pessoas que estavam na Terra Indígena sem autorização foram detidas pelas autoridades", contou Nilcélio.

De acordo com ele, o drone é constantemente utilizado pela brigada. Alguns dos brigadistas participaram, em dezembro de 2019, de uma oficina de capacitação oferecida pelo WWF-Brasil para aprenderem a operar essa tecnologia. "O quadriciclo, que pode levar até 3 brigadistas, também tem sido fundamental para o monitoramento nas áreas de campo, que antes do projeto eram inacessíveis. O projeto trouxe um benefício muito grande para os tenharim e facilitou muito o combate ao fogo", disse. 

Uma das grandes preocupações do povo Tenharim é a região da TI que é contígua ao Parque Nacional dos Campos Amazônicos. Uma das raras áreas de Cerrado no Amazonas, o parque é extremamente suscetível às chamas, que tende a se alastrar para a Terra Indígena. "A própria equipe do PrevFogo trabalha ali um mês antes da temporada de seca para fazer a queima controlada na região, de modo que o fogo não se alastre pelos campos. A brigada agora está equipada para fazer esse trabalho", ressalta Nilcélio.

As chamadas queimas precoces são consideradas fundamentais para a prevenção de grandes incêndios nos meses mais secos do ano, cujo auge se dá entre agosto e setembro. As áreas que foram submetidas as queimas seguem as regras estabelecidas pelo Plano de Manejo Integrado do Fogo (PMIF) da unidade de conservação. Dentro do parque, são realizadas pelos brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

© Márcio Tenharim / WWF-Brasil

 


 










Para a estruturação da brigada de incêndios, o WWF-Brasil doou ferramentas de combate ao fogo, como sopradores, roçadeiras, abafadores, além de outros equipamentos para fortalecimento de proteção territorial, como um drone, um quadriciclo, GPS, câmera fotográfica e rádio. 

Um projeto estruturante

De acordo com Osvaldo Barassi Gajardo, analista sênior de conservação do WWF-Brasil, apesar de expor a terra tenharim a incêndios frequentes, que exigem o manejo com queimadas precoces, a proximidade com o Parque Nacional beneficia a Terra Indígena por ajudar a deter a intensa pressão de invasores. 

"A proximidade com o parque é uma fortaleza da TI Tenharim-Marmelos, assim como o fato de o PrevFogo-Ibama manter ali uma brigada indígena. Ali também há um grupo de monitores ambientais que fazem o reconhecimento do território para identificar possíveis ameaças e pressões assim como potenciais conflitos", disse Gajardo. 

"Mas é uma área muito sensível às pressões socioambientais. Por isso, o objetivo do projeto envolveu a ampliação da estratégia de combate ao fogo e de proteção territorial, por meio da doação de equipamentos e insumos para melhorar e viabilizar o trabalho de prevenção e proteção do território", completou. 

A equipe de brigadistas, segundo Gajardo, é contratada todos os anos pelo Ibama, que arca com os salários e os recursos básicos para apagar o fogo. Mas é um desafio para o Governo Federal substituir os equipamentos. "Os equipamentos fornecidos à brigada serão suficientes por pelo menos dois ou três anos, o que permite uma ação mais robusta da brigada ao longo do tempo", frisa. 

A reforma da base de monitoramento - que era uma antiga demanda do povo tenharim - também terá um efeito perene no fortalecimento do monitoramento do território. Por outro lado, o apoio para as ações de campo, lembra Gajardo, atenderam a demandas emergenciais específicas. "As ações de monitoramento sempre exigirão novas injeções de recursos, mas a ideia foi apoiar um processo inicial, no qual os brigadistas e monitores pudessem estabelecer um padrão de trabalho", explicou.