© Wesnen Krismã P. Barros / WWF-Brasil

A FORÇA DOS ORGÂNICOS 

WWF-Brasil e ACS Amazônia fazem mutirão para reflorestamento de áreas queimadas no Projeto de Assentamento Walter Acer

 

01 de junho de 2020

 

Quem chega à propriedade de Jesuína Braga e constata o verde das plantações feitas em sistema agroflorestal (SAF) - um conjunto de técnicas que reúne agricultura e preservação ou recomposição ecológica - não imagina que, alguns meses atrás, o local estava tomado por cinzas e troncos de árvores carbonizados. O único bem preservado havia sido a casa simples de madeira. Mesmo assim, após muito esforço da família para conter o fogo no período mais crítico de queimadas na Amazônia. Jesuína é produtora rural de orgânicos no município de Bujari, a 20 quilômetros de Rio Branco, capital do Acre. Tem 55 anos.

O fogo que atingiu a propriedade de oito hectares, no dia 5 de agosto de 2019, foi iniciado numa área vizinha, saiu do controle e prejudicou não apenas a lavoura de Jesuína, mas toda a região do entorno. “Antes de chegar aqui, já tinha quase um mês que o fogo vinha se arrastando. Eu ligava para todas as autoridades, mas ninguém veio”, recorda ela. Com o tempo quente e seco característico daquela época na Amazônia, as chamas se espalharam facilmente, destruindo o único poço de onde poderia ter sido retirada água para tentar combatê-las. Por causa da falta de chuva, o nível do açude estava baixo.

Naquela ocasião, Jesuína relatou ao WWF-Brasil um pouco do ocorrido e, revoltada, falou sobre a declaração do governador Gladson Cameli de que as multas aplicadas pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC) não deveriam ser pagas. “O pessoal diz que agora não tem mais multa, não existe mais multa para quem queima, para quem derruba. Aqui o pessoal fez isso sem querer saber se prejudica o vizinho ou não”, disse a agricultora, sentada num tronco de árvore carbonizado.

Em março de 2019, durante um evento no interior do Acre, Cameli fez o seguinte discurso: “Quem for da zona rural e o IMAC estiver multando, alguém me avise porque eu não vou permitir que venham prejudicar quem quer trabalhar. Avise-me e não pague nenhuma multa porque quem está mandando agora sou eu. Não paguem”.

Após o sofrimento de ver toda a sua plantação queimada, Jesuína, junto com o marido e os filhos, recuperou as forças e trabalhou para reconstruir sua principal fonte de sobrevivência. E toda a produção no sistema agroflorestal voltou a ganhar vida sem uso de agrotóxicos ou adubos químicos. “Desde que cheguei aqui, esse pedaço de terra nunca viu uma única gota de veneno”, orgulha-se ela. As chuvas do “inverno amazônico”, iniciadas em meados de outubro, também contribuíram para a mudança da paisagem.

MUTIRÃO DE REFLORESTAMENTO

Jesuína é moradora do Projeto de Assentamento (PA) Walter Acer. É diretora-presidente da ACS Amazônia, organização que reúne produtores rurais de orgânicos do Acre e de Rondônia. Essas famílias são beneficiárias de um trabalho desenvolvido pelo WWF-Brasil para reduzir os impactos das queimadas de 2019 e prevenir novos episódios. Tanto que, em dezembro do ano passado, a propriedade dela foi o laboratório para uma ação de reflorestamento de áreas queimadas.

Outras 12 famílias que vivem no PA e atuam com orgânicos também receberam capacitação. As agricultoras são as mais interessadas em adotar esse modelo mais sustentável de produção de alimentos porque, em geral, são elas que lideram as lavouras. Alunos de agroecologia do Instituto Federal do Acre (IFAC) também ajudaram no plantio das mudas, além de receberem aulas sobre o sistema agroflorestal e como cada espécie deve ser cultivada. “Ter aulas práticas é muito bom porque aprendemos de fato a lidar com a terra e as plantas. Aqui, praticamos aquilo que nos ensinam na sala de aula”, diz a estudante Núbia Santos.

A aula ao ar livre foi ministrada pelo analista de conservação do WWF-Brasil Flávio Quental e pelo técnico em agropecuária Nilson Brilhante, da Universidade Federal do Acre (UFAC). E não teve moleza para os universitários. A partir das orientações dos professores, eles pegaram em enxadas e terçados para o plantio de espécies como açaí, seringa, banana, bacuri e outras típicas da região às margens do açude, o que vai proteger a água da incidência direta dos raios solares, além de conter a erosão.

“Essas famílias são um exemplo de que é possível aliar a produção em quantidade e qualidade com a conservação dos recursos naturais. É uma grande demonstração de que, sim, é possível produzir, viver bem, gerar renda, gerar trabalho, envolver os jovens e, ao mesmo tempo, conservar os nossos recursos”, diz Quental.

“O WWF sempre esteve ao nosso lado. Desde o início, sempre acompanhou a gente. Isso que eles estão fazendo aqui é uma ajuda muito grande. Também estão me ajudando na recuperação da água, pois a falta de água é um dos grandes problemas daqui”, afirma Jesuína. O projeto também permitiu a reconstrução do poço que foi destruído pelo fogo, a única fonte de água potável para o consumo da família e também para a irrigação.

PARCERIA E BENEFÍCIOS 

Ao todo, o projeto beneficiou 250 pessoas diretamente e 2 mil indiretamente, em uma área de 50 hectares. Além da recuperação do sistema de água, com a construção de um poço e ao menos 5 cacimbas, e de 2 mutirões de reflorestamento, com 50 quilos de sementes olerícolas e a plantação de 4 mil mudas, a parceria possibilitou a produção de aceiros e a aquisição de equipamentos de combate ao fogo, como bombas costais, abafadores, luvas, botas e óculos de proteção.

Há dois anos, o WWF-Brasil trabalha em parceria com as famílias de produtores orgânicos no Acre. E também está na coordenação da Comissão da Produção Orgânica (CPOrg), criada pelo Ministério da Agricultura, desempanhando papel de intermediação entre os agricultores e os órgãos governamentais.

Uma das principais linhas de atuação do WWF está na organização social das famílias, nos trabalhos de visita para as certificações de conformidade orgânica, além de auxiliá-las nas estratégias e diversificação da venda da produção.

Também fazem parte da CPOrg a UFAC, o IFAC, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semeia) de Rio Branco e a Secretaria Municipal de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Econômico (Safra).

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