Reserva Extrativista Chico Mendes, referência internacional de desenvolvimento sustentável, está sob ameaça com o PL 6024/2019
outubro, 22 2021
Projeto também propõe transformar o Parque Nacional da Serra do Divisor, em Área de Proteção Ambiental, reduzindo seu grau de proteção
Projeto também propõe transformar o Parque Nacional da Serra do Divisor, um dos mais ricos em biodiversidade, em Área de Proteção Ambiental, reduzindo seu grau de proteção Por Monica Ribeiro
O Projeto de Lei PL 6024/2019, de autoria da deputada estadual Mara Rocha (PSDB-AC), em tramitação na Câmara Federal, propõe a redução dos limites da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes e a transformação do Parque Nacional da Serra do Divisor em uma Área de Proteção Ambiental (APA), fragilizando sua proteção.
A proposta foi apresentada sem consulta e envolvimento das comunidades que vivem na região e dos povos indígenas localizados no entorno do Parque, e representa grave ameaça à sobrevivência de comunidades locais, à biodiversidade e aos recursos hídricos que abastecem áreas rurais e urbanas.
O PL é também irregular por propor revisão e extinção de unidades de conservação sem apresentar estudos e pareceres técnicos que embasem a proposta.
As duas unidades de conservação são apoiadas pelo Arpa (Programa Áreas Protegidas da Amazônia), maior iniciativa de proteção de florestas tropicais do mundo, criado em 2002 pelo governo federal e implementado em parceria com órgãos estaduais, instituições privadas e sociedade civil. A alteração dos limites poderá comprometer repasses futuros ao Programa.
A Resex Chico Mendes e o Parque Nacional da Serra do Divisor estão entre as unidades de conservação que mais geram recursos de ICMS Ecológico (R $3,4 e R $2,4 milhões, respectivamente, para os municípios nos quais estão situadas, somente no ano de 2016).
Parque é um dos hotspots de biodiversidade
O Parque Nacional da Serra do Divisor possui 837 mil hectares e detém o maior bloco de floresta no sul do estado do Acre, com mais de 1.200 espécies de animais registradas, algumas endêmicas e ameaçadas de extinção. Abriga uma das maiores áreas de biodiversidade de toda a Amazônia, além de concentrar as cabeceiras de boa parte dos afluentes do Rio Juruá, que garante o abastecimento hídrico e navegação para centenas de comunidades.
Sua transformação em Área de Proteção Ambiental reduziria o grau de proteção e abriria a possibilidade de exploração madeireira e outras atividades predatórias, ameaçando a floresta e colocando em risco a segurança hídrica e alimentar de milhares de famílias.
A região do Parque também abriga pelo menos sete Terras Indígenas, de cinco etnias diferentes. De acordo com a Convenção 169 da OIT, assinada e ratificada pelo o Brasil, todos os povos indígenas potencialmente impactados pelo projeto de lei deveriam, obrigatoriamente, ser consultados previamente, o que não ocorreu.
Um dos motivos alegados para sugerir a mudança de categoria de proteção é a construção de uma estrada internacional ligando Brasil e Peru, a BR-364. No entanto, o decreto de criação do Parque, de 1989, prevê a construção do trecho da estrada dentro dos limites da unidade de conservação. Portanto, não há necessidade de fragilizar seu grau de proteção transformando-o em uma APA.
O Parque é também estratégico na proteção da fronteira brasileira. Atualmente, boa parte dele se encontra sob a governança do Exército Brasileiro, com restrições à visitação pública.
“O Parque Nacional da Serra do Divisor conserva as principais nascentes de todos os afluentes da margem esquerda do Rio Juruá. São diversos rios importantes para o volume e vazão, para o rio Juruá ser considerado um dos maiores da Amazônia. Extinguir o parque e colocar toda essa área disponível para atividades predatórias à floresta vai abrir uma nova fronteira de desmatamento e de conflito social no campo, ” avalia Moacyr Silva, especialista em conservação do WWF-Brasil.
Resex Chico Mendes mantem a floresta em pé e gera melhores condições para os extrativistas
A Resex Chico Mendes foi criada em 1990 e é um ícone na construção de soluções que mantém a floresta em pé e ao mesmo tempo geram melhores condições de vida para as populações que vivem nela.
É pioneira no conceito de unidade de conservação de uso sustentável, na qual populações tradicionais podem morar dentro da Reses e praticar o extrativismo de produtos como castanha, borracha e açaí.
Criada a partir da luta dos seringueiros, a Reserva Extrativista Chico Mendes se destaca pela biodiversidade e também pelo reconhecimento dos direitos à terra e das comunidades tradicionais. A atuação deles, sob a liderança de Chico Mendes, levou a primeira ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, a destacar o papel dos povos da floresta na conservação na então Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da ONU, nos anos 1980.
A Resex Chico Mendes é uma das unidades de conservação da Amazônia com maior produção de produtos florestais não madeireiros. Estima-se que a existência e integridade da reserva mantém um estoque de 188 milhões de toneladas de carbono, equivalente a R $2,3 milhões.
A proposta de redução de sua área por projeto de lei, sem consulta prévia, pode abrir precedente que coloca em risco centenas de comunidades em todo o Brasil, que dependem do extrativismo para sobreviver e contribuem para a conservação das florestas e zonas costeiras vulneráveis.
“O PL é muito danoso e perigoso porque traz uma proposta de ataque a duas unidades de conservação importantíssimas para o nosso estado e para o mundo. A Resex Chico Mendes é a segunda maior reserva extrativista do Brasil, a maior do Acre, e traz esse simbolismo do nome e da luta de Chico Mendes. Os moradores não foram ouvidos sobre esse projeto de lei, que atende a interesses que não são os da maioria e do conjunto dos moradores da reserva,” analisa Angela Mendes, presidente do Comitê Chico Mendes.
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