Participação social nas decisões de governo é direito de todos e dever do Estado, garante a Constituição
13 abril 2019
O decreto, que deve enfrentar contestações jurídicas a partir desta semana, é um golpe na participação da sociedade nas decisões do governo, logo uma afronta aos princípios constitucionais. Não há de prosperar, posto que é um equívoco em vários sentidos.
Por WWF-Brasil
Se defender a Constituição brasileira é dever de todo cidadão – independentemente de suas preferências politicas, partidárias ou ideológicas –, muito mais será para aqueles que, eleitos e empossados conforme as regras democráticas, juraram publicamente respeitar o que diz a carta magna.
Quando trata do Meio Ambiente, a Constituição Federal, em seu Artigo 225, é clara: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Pois é este artigo que, contrariando o compromisso assumido em primeiro de janeiro deste ano de respeitar a Constituição, a Presidência da República acaba de mutilar com o Decreto 9.759/2019. A medida extingue praticamente todos os colegiados da administração pública federal criados pelo governo para assegurar a participação popular nas decisões fundamentais que afetam toda a sociedade.
Apenas no caso do meio ambiente, são cerca de 40 colegiados dos mais relevantes para a segurança e a justiça ambiental extintos em uma canetada, incluindo conselhos e grupos de trabalho instituídos por lei, seguindo a Política Nacional de Participação Social.
Entre os colegiados atingidos estão, por exemplo, o que trata do combate ao desmatamento; o comitê gestor do Fundo Amazônia – que opera dinheiro de doação internacional para proteger a maior floresta tropical do planeta –, a Comissão Nacional de Redd+ – que garante recursos usados em benefício do equilíbrio climático global; e a Comissão Nacional da Biodiversidade (CONABIO), que define linhas de atuação que resguardam a megabiodiversidade brasileira.
O novo decreto atinge ainda o Comitê Gestor de Produção e Consumo Sustentáveis, Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF), a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), e outros não menos importantes para garantir que a sociedade opine sobre como gerir o patrimônio natural, que é de todos.
O decreto, que deve enfrentar contestações jurídicas a partir desta semana, é um golpe na participação da sociedade nas decisões do governo, logo uma afronta aos princípios constitucionais. Não há de prosperar, posto que é um equívoco em vários sentidos.
Primeiro porque a medida inverte a lógica usual da administração pública. Em vez de especificar os colegiados que precisariam ser aprimorados ou extintos, atuando de forma individualizada sobre cada um deles, com atos normativos delimitados e determinados, o Governo Federal trata a questão em bloco, revogando toda a estrutura vigente, exigindo um esforço individualizado para a manutenção dos colegiados que não devem ser extintos.
Assim, o ônus argumentativo muda de lado: não é o governo que precisa justificar as revogações e alterações propostas, mas os interessados nos colegiados que precisam argumentar pela sua manutenção.
Essa inversão é questionável. Do ponto de vista da eficiência administrativa, extinguir todos os colegiados para, em seguida, recriar parte deles é certamente mais custoso do que identificar previamente os colegiados que precisam ser reformados ou extintos e atuar apenas sobre esses.
Para a política socioambiental, o decreto é altamente impactante, comprometendo a gestão participativa do meio ambiente. O princípio constitucional da participação social e o valor fundamental da democracia foram violados.
A separação dos poderes também foi abalada. Apenas o Congresso Nacional poderia extinguir colegiados ou isentar o Poder Executivo de instituir colegiados exigidos por lei. O Governo Federal, no entanto, usurpou essas competências com a edição do Decreto 9.759/2019.
A participação popular é um mecanismo da democracia. No direito brasileiro, é um princípio jurídico que alcançou um status normativo ímpar, uma conquista de toda a sociedade na Constituição de 1988 – a Constituição Cidadã, como ficou conhecida. E uma das manifestações da participação popular na administração pública se dá justamente por meio de órgãos colegiados gestores de políticas públicas, agora sob risco.
E mais grave ainda. A decisão não se limita ao tema ambiental, o que amplia a extensão dos limites impostos à participação social no governo. O Decreto 9.759/2019 determina a extinção de praticamente todos os colegiados da administração pública federal, a partir de 28/06/2019.
Na mira do decreto, estão também comissões de participação e controle social em áreas como a erradicação do trabalho escravo e a pessoa com deficiência, os direitos da comunidade LGBT (diversidade sexual), dos idosos , da transparência e combate à corrupção), política sobre drogas e trabalho infantil.
Embora traga a possibilidade da “recriação” dos colegiados extintos, as propostas de “recriação” devem ser apresentadas à Casa Civil até o final de maio para os colegiados cuja criação dependa de Decreto Executivo.
Ressuscitar os colegiados, apenas se os responsáveis pelos respectivos órgãos de governo assim o quiserem, porém em outro modelo, mais desidratado, menos representativo, com reduzido número de membros e, de preferência, que partilhem da ideologia do governo.