COP25: maiores poluidores do mundo seguraram avanços nas negociações climáticas da ONU

dezembro, 16 2019

Apesar dos fortes pedidos por uma ação climática urgente, feitos por países vulneráveis, sociedade civil e milhões de jovens em todo o mundo, os principais países emissores resistiram a todos os esforços para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C
Apesar dos fortes pedidos por uma ação climática urgente, feitos por países vulneráveis, sociedade civil e milhões de jovens em todo o mundo, os principais países emissores resistiram a todos os esforços para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C

Por WWF e WWF-Brasil

A mais longa Conferência de Partes da história da UNFCCC (órgão da ONU para as mudanças do clima) terminou em Madri no domingo (15) de manhã (horário local) com grandes países emissores – como Estados Unidos, China, Índia, Brasil, Japão e Arábia Saudita, entre outros – se abstendo de suas responsabilidades na redução de emissões de gases de efeito estufa e bloqueando o progresso das negociações. Apesar dos fortes pedidos por uma ação climática urgente, feitos por países vulneráveis, sociedade civil e milhões de jovens em todo o mundo, os principais países emissores resistiram a todos os esforços para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C.

Embora descrita como a COP da "ambição", o que ficou evidente em Madri foi a falta de vontade política para responder à ciência na escala necessária. O caso do Brasil é emblemático: ao contrário dos últimos anos, em que era considerado um dos principais articuladores internacionais e um bom exemplo na redução de emissões, o governo brasileiro foi para a COP25 com uma posição de cobrar financiamento para proteção de suas florestas.  Isso em um ano de aumento recorde de desmatamento, desmonte ambiental e perseguição às ONGs e mortes de lideranças indígenas. A ausência de diálogo por parte da delegação brasileira, seja com representantes da sociedade civil, seja com representantes do setor empresarial e com as lideranças políticas, também chamou a atenção. 

Segundo o diretor-executivo do WWF-Brasil, Mauricio Voivodic, “Infelizmente o Brasil teve posição de destaque entre os países que agiram contra o avanço das negociações. A infeliz mudança de postura da diplomacia brasileira não trouxe qualquer ganho para o País e gerou um enorme prejuízo para o Brasil e o resto do mundo, já que o tempo é extremamente curto para mantermos o aquecimento global dentro do limite de 1,5 °C. Como o Brasil é um dos países mais vulneráveis à crise climática - inclusive porque um dos pilares de sua economia, o agronegócio é totalmente dependente de condições estáveis de clima - o desempenho do Brasil foi um verdadeiro tiro no próprio pé”.

O único resultado obtido pela condução das negociações pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi abalar nossa reputação internacional: pela primeira vez, o Brasil recebeu dois prêmios "Fóssil do Dia" durante as negociações e o Fóssil Colossal, ao final da conferência. Esse é o mais tradicional prêmio concedido pelas quase 2 mil organizações ambientais ligadas à Climate Action Network. É também um dos melhores termômetros da reputação de um país nas negociações.

Para retomar sua posição de destaque nas negociações climáticas, o país precisa mudar seu posicionamento e agir em consonância com a diminuição de emissões e respeito aos direitos humanos”, diz Voivodic, lembrando ainda que a decisão sobre o mercado de créditos de carbono, uma das grandes apostas do Brasil para a obtenção de financiamento foi um dos pontos que ficou para a próxima COP. E para agir de acordo com a meta climática a que se propôs, é necessário aumentar o número de hectares restaurados e reflorestados, reduzir a emissão de transportes e de combustíveis fósseis na matriz elétrica e, obviamente, reduzir drasticamente o desmatamento na Amazônia e no Cerrado.

Sociedade civil: o lado positivo da COP25
Num momento em que o governo brasileiro adota uma postura de liderança no “trancamento” das negociações, Estados, cidades, empresas, sociedade civil e os cidadãos foram clamados a atuar, para o bem do país e de nossas futuras gerações.  E a sociedade civil cumpriu seu papel: além das grandes manifestações nas ruas, inspiradas pela greve climática iniciada por Greta Thunberg (escolhida, com muita justiça, como personalidade do ano pela revista Time), a sociedade brasileira pela primeira vez organizou um espaço coletivo de debates, organizado pelo ICS e IPAM, lançamentos de estudos e trocas de informações, que se somou aos esforços individuais das organizações, como o já tradicional Panda Hub do WWF.

Muito a fazer na COP26
O resultado da COP25 não trouxe nenhum avanço na organização de um mercado de carbono, no respeito aos direitos humanos, na participação social ou no financiamento de perdas e danos causados ​​por impactos climáticos. Esses países terão que justificar suas posições, que estão cada vez mais em desacordo com a ciência e a opinião pública.

Manuel Pulgar-Vidal, líder da prática global de Clima e Energia do WWF Internacional, ressaltou o contraste entre a ambição desejada para esta COP e o resultado da conferência, que deixa o cenário de emergência climática ainda mais crítico e urgente: “Apesar dos esforços da presidência chilena, a falta de compromisso em ampliar a ação climática dos grandes países emissores foi grande demais para superar. Suas posições contrastam fortemente com a ciência, crescentes demandas das ruas e os fortes impactos já sentidos em países vulneráveis”, afirma Pulgar-Vidal.

De acordo com Manuel Pulgar-Vidal, o próximo ano ainda representa uma chance para que os países finalmente façam ações comprometidas com a ciência e com um aumento máximo de 1,5 ºC médio na temperatura global, mas a lacuna de tempo está cada vez menor: “Sabemos o que precisa ser feito e ficamos sem tempo para voltar atrás ou debater. 2020 deve ser diferente e lutaremos ainda mais pelas pessoas e pela natureza. Os governos voltarão para casa para enfrentar crescentes frustrações de movimentos jovens, cidadãos e comunidades vulneráveis ​​que sofrem com os impactos da crise climática, e terão que responder a eles”, afirma Pulgar-Vidal.

Para 2020, além do necessário aumento de ambição, precisaremos ganhar muita escala na implementação de ações que reduzam o impacto do desastre climático. As cidades têm de olhar a agenda do século XXI com, por exemplo, o transporte público eficiente e de baixas emissões, a gestão do tratamento de resíduos líquidos ou sólidos apoiando a geração de energia, estímulo ao cidadão para adotar práticas sustentáveis. As ações de combate às mudanças climáticas têm de sair do monopólio dos governos e deve ganhar as ruas.
COP25 termina como a mais longa da história
© UNFCCC
WWF presente na Marcha pelo Clima durante COP25
© WWF
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