Cientistas sobem o nível do debate sobre mudanças climáticas no Senado

maio, 31 2019

Pesquisadores mais destacados centros de pesquisa sobre o tema refutam teses negacionistas que embalam o governo e parte do parlamento
Por Jaime Gesisky
 
Uma audiência pública nesta quinta-feira (30) na Comissão de Relações Internacionais do Senado elevou o nível do debate que se deu esta semana no Congresso Nacional em torno das mudanças climáticas.
 
Foi uma espécie de luz nas trevas que setores do governo e do próprio Congresso Nacional querem impor sobre o tema ao negarem as evidências científicas da crise climática global. Do primeiro escalão do Executivo ao baixo clero do Legislativo, as teses negacionistas se esforçaram para conquistar território.
 
Na terça-feira, o ministro da Relações Exteriores, Ernesto Araújo entregou a primeira pérola. Disse na Câmara dos Deputados que as estações meteorológicas nos Estados Unidos que antes “ficavam no meio do mato”, agora se encontram em áreas urbanizadas, mais próximas do asfalto, o que segundo o chanceler explicaria em parte o aumento nas medições de temperatura média da Terra. Esqueceu-se de que essa temperatura é aferida também por satélites e boias dispostas em alto mar.
 
Preocupado em defender a tese de que o aquecimento global é uma farsa e por isso o desmatamento é um problema sem consequências para o clima – contrariando todos os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC, os recentes diagnósticos do Fórum Econômico Mundial, a Organização Meteorológica Mundial, entre outros –, o senador ruralista Márcio Bitar (MDB/AC) juntou mais umas pérolas ao fio.
 
Valendo-se da condição de senador, convocou esta semana com os custos pagos pelo contribuinte,  uma audiência pública para dar espaço a dois professores conhecidos por negarem as mudanças climáticas e cujos currículos na Plataforma Lattes bastam para provar a inexpressiva contribuição deles à ciência brasileira: Augusto Felício  e Luiz Carlos Molion. 
 
Lux in tenebris
Na audiência desta quinta-feira, porém, o bom senso científico deu sinais de ter voltado ao eixo no parlamento. Ao convidar alguns dos mais destacados estudiosos brasileiros sobre o aquecimento global para exporem suas ideias, o senador Fabiano Contarato (REDE/ES) ajudou a espantar a obscuridade e abrir espaço para os cientistas no Senado. Contarato anunciou debates constantes no parlamento sobre temas de interesse da Ciência e Meio Ambiente já a partir do mês de Junho.
 
Na sessão de hoje, estavam na mesa Luiz Gylvan Meira Filho, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo, Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e Membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas).
 
Além deles, Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e Membro da Comissão de Ciências Ambientais do CNPq; Mercedes Bustamante, doutora em Ecologia e professora da Universidade de Brasília e Gustavo Luedemann, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
 
Foram mais de três horas de explanação a um auditório lotado e transmissão pela Internet.
 
Luiz Gylvan começou explicando o método científico e os pressupostos que tornam a ciência o mais seguro guia para que a humanidade possa guiar seus passos para longe do abismo, apesar das incertezas.  
 
“Nunca teremos certeza do futuro, mas isso não quer dizer que possamos seguir negando a ciência”, complementou seu colega, Carlos Nobre. E as evidências científicas que Nobre trouxe ao debate puxaram a discussão de volta para problemas bem reais que já enfrentamos no país.
 
 Além de apontar alterações climáticas comprovadas na Amazônia, com o comprometimento do equilíbrio hídrico em escala nacional, Nobre destacou problemas para o Cerrado – que gera boa parte do agronegócio brasileiro. O bioma perdeu mais da metade de sua cobertura vegetal nas últimas décadas e segue como principal fronteira do desmatamento para fins agrícolas. 
 
A agricultura que segura o PIB nacional poderá ser uma das maiores prejudicadas se não houver medidas imediatas de mitigação e adaptação às mudanças do clima, advertiu Paulo Artaxo, da USP. O pesquisador mostrou projeções recentes de perdas de safra entre 30% e 50% devido ao desequilíbrio climático já instalado.  Sem falar na crise hídrica que tem dado sinais no Centro-Oeste. Não havia ruralistas na sala para escutar esta parte da aula.
 
Dados da Embrapa já vinham apontando nesta mesma direção desde 2010, com perspectivas de profundas transformações no setor agrícola brasileiro em decorrência das alterações climáticas. Os cenários descritos pela Embrapa incluem as principais culturas agrícolas em perspectiva até o ano de 2100, mudanças drásticas.
 
Clima e sociedade
Não olhar para o desequilíbrio que vem com as mudanças climáticas pode significar ameaças diretas à vida das pessoas, destacou a professora Mercedes Bustamante, da UNB, membro da Coalizão Ciência e Sociedade, que reúne cerca de 50 cientistas das mais importantes universidades brasileiras. 
 
Segundo ela, as mudanças no clima já impactam os recursos hídricos, a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, com rebatimento na saúde e na economia. Cada uma dessas áreas está sendo analisada pelos cientistas. 
 
Bustamante citou o Relatório para Tomadores de Decisão da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (PBES). O documento aponta que entre as várias pressões que resultam em perda de biodiversidade e serviços ecossistêmicos destacam-se as mudanças de uso da terra e as alterações climáticas. 
 
Com base no estudo, a professora explicou que a perda de biodiversidade provocada pela conversão de ecossistemas nativos (florestas, savanas, campos, mangues) e o uso insustentável dos recursos naturais comprometem o bem-estar humano.
 
Mas nem só de previsões ruins vive a ciência brasileira. Ao destacar os problemas, os cientistas também indicam caminhos de oportunidades para enfrentar os desafios do clima. Segundo Mercedes Bustamente, o gigantesco capital natural nacional traz condições necessárias para transformar a conservação e o uso sustentável dos ativos ambientais em oportunidades para um desenvolvimento capaz de enfrentar, no futuro, um clima alterado e, ao mesmo tempo, promover prosperidade socioeconômica. 
 
Mas os tomadores de decisão precisam agir, frisou o cientista Paulo Artaxo. Segundo ele, existem evidências suficientes que atestam causas e efeitos das mudanças climáticas. “Os modelos com que a ciência trabalha são razoavelmente robustos. Não podemos fracassar”.
 
 Gustavo Luedemann, do Ipea, defendeu que a presença do Brasil no Acordo do Clima dará ao país condições de atrair investimentos para a economia de baixo carbono. “Os mercados não apostam na negação da crise climática”, acenou o pesquisador. Para ele, as oportunidades na nova economia se darão tanto no campo quanto nas cidades.
 
Para Carlos Nobre, será um enorme prejuízo para as futuras gerações se o Brasil abandonar as discussões e o acúmulo científico de que dispõe para o enfrentamento das mudanças climáticas. 
 
Nobre, que ajudou o país a construir a Política Nacional sobre Mudanças Climáticas, recordou que o Brasil é um dos três principais países do mundo em que a maioria da população demonstra apreço ao meio ambiente e preocupação com as mudanças climáticas. “Não respeitar o desejo dos brasileiros de terem um ambiente equilibrado revela um grave problema democrático”, disse o cientista. 
Audiência pública em 30 de maio
© WWF Brasil
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