Organizações indígenas fazem alerta em conferência nos EUA

maio, 19 2019

Carta denuncia ameaças aos direitos dos povos tradicionais brasileiros

Carta entregue por representante da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, de Rondônia, denuncia ameaças aos direitos dos povos tradicionais brasileiros

Por Bruno Taitson, de Ponca City, Oklahoma (EUA)

As ameaças aos direitos dos povos indígenas brasileiros foram denunciadas na Conferência Oil & Gas Frontline, realizada entre 16 e 18 de maio, na nação indígena Ponca, nos EUA. Ivaneide Bandeira Cardozo, coordenadora da Kanindé, entregou carta para representantes de povos tradicionais, movimentos sociais e organizações da sociedade civil dos Estados Unidos, México e Canadá, com assinaturas de lideranças indígenas brasileiras*.

O documento relata os crescentes problemas enfrentados por indígenas de todo o Brasil, como decretos, medidas provisórias e projetos de lei que ameaçam direitos constitucionais. Também denuncia o aumento das invasões em terras indígenas e ressalta a importância desses territórios para conter o desmatamento.

“Estamos levando ao mundo um alerta sobre os retrocessos que o Brasil vem sofrendo em relação aos direitos indígenas e ambientais. Também compartilhamos nossa extrema preocupação diante da invasão dos territórios tradicionais e com a sobrevivência de lideranças, que têm sido ameaçadas, agredidas e também assassinadas”, avaliou Ivaneide Cardozo.

A carta ressalta que, além dos graves impactos sociais das invasões, os prejuízos ambientais também são incalculáveis. O documento lembra que “os indígenas são os principais guardiões da floresta, assegurando a manutenção da biodiversidade, qualidade do ar, oferta de água e um regime de chuvas equilibrado”, benefícios desfrutados por toda a população mundial.

Em seu último parágrafo, a carta deixa um apelo: “Indígenas, ativistas, organizações da sociedade civil, imprensa, academia e tomadores de decisão em todo o planeta precisam ter ciência da gravidade dos fatos que têm ocorrido contra os povos indígenas de todo o Brasil”.

Para a ativista Jen Castro, da organização Digital Democracy, que participou da Conferência, a carta traz exemplos concretos de ameaças e violações que precisam ser colocadas em evidência diante da comunidade internacional. “Esses relatos aumentam o senso de urgência do apoio mundial às lideranças dos movimentos sociais no Brasil”, avaliou.

A Conferência Frontline Oil & Gas

O evento discutiu alguns dos principais problemas enfrentados pelos indígenas da América do Norte em relação a projetos de infraestrutura que impactam seus territórios, especialmente gasodutos, oleodutos, mineração e extração de hidrocarbonetos. Também foram debatidas as formas como os povos tradicionais do continente têm se organizado diante da questão, por meio de conscientização, marchas, ações diretas, judicialização e campanhas, entre outras formas.

Em alguns casos, os indígenas vêm alcançando sucesso, como na luta contra o oleoduto Keystone XL, projetado para levar petróleo do Canadá até o Golfo do México, cortando várias reservas indígenas. De acordo com Philemon Two Eagle, líder da etnia Lakota/Sioux, seu povo vem conseguindo, principalmente por meio de ações judiciais, sucesso no sentido de barrar a construção do oleoduto, que cortaria ao meio a Reserva Rosebud, onde vivem, no estado da Dakota do Sul.

“Estamos baseando nosso caso em direitos previstos em tratados assinados com o governo (treaty rights) e também em sérias preocupações ambientais. Vazamentos em oleodutos ocorrem com frequência e comprometem o abastecimento e a qualidade da água em grandes áreas. Não queremos isso em nossas terras”, observou Two Eagle.

Durante os três dias, os debates e atividades da conferência buscaram fortalecer as articulações por justiça socioambiental na América do Norte. O evento aconteceu no território da Nação Ponca, no estado de Oklahoma, região central dos EUA.

Os Ponca, originalmente, viviam em território hoje pertencente ao estado de Nebraska, mas foram forçados pelo governo norte-americano a deixar suas terras a pé, em 1877, chegando ao estado de Oklahoma, para onde outras 36 etnias foram realocadas também à força. No estado, várias perfurações de petróleo, refinarias e sítios de faturamento hidráulico (fracking) trazem sérios prejuízos aos recursos naturais, à biodiversidade e à saúde das populações indígenas.

A líder da nação Ponca, Casey Camp Horinek, que coordenou a conferência, lembrou o histórico de massacres, perseguições e lutas dos povos indígenas em todo o continente americano. “Somos os sobreviventes de um holocausto e ainda hoje sofremos um genocídio ambiental. Os indígenas são historicamente os grandes guardiões do que se costuma chamar de fontes de recursos naturais”, analisou a líder.

*Assinaram a carta as seguintes lideranças brasileiras:

Almir Narayamoga Suruí – Liderança do Povo Paiter Suruí 

Awapu Uru-Eu-Wau-Wau – Liderança do Povo Uru-Eu-Wau-Wau 

Heliton Gavião – Liderança do Povo Gavião 

Ivaneide Bandeira Cardozo – Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé 

Kleber Karipuna – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Leonice Tupari – Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia 

Val Karitiana – Liderança do Povo Karitiana

Walelasoetxeige Paiter Bandeira Suruí – Associação Metareila do Povo Suruí

A conferência Frontline Oil & Gas aconteceu em Oklahoma, nos EUA
© WWF-Brasil/Bruno Taitson
Casey Camp Horinek, liderança da nação indígena Ponca
© WWF-Brasil/Bruno Taitson
Ivaneide Bandeira Cardozo, coordenadora da Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé
Ivaneide Cardozo, da Kanindé, afirma que o desrespeito à integridade das terras indígenas é algo recorrente no país
© WWF-Brasil/Bruno Taitson
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