Brasil, desmatamento zero e uma melhor carne

abril, 05 2017

Novas práticas de criação de gado poderiam virar a maré do desmatamento na Amazônia
Para um negócio que se preocupa com a sua reputação e impacto no planeta, comprar carne bovina da Amazônia parece ser irracional. A produção de carne bovina é um dos maiores fatores de desmatamento na região, e nenhuma empresa quer se associar à destruição da mais preciosa floresta tropical do mundo.

Essa foi a posição tomada por muitos anos pelo McDonald's, um dos maiores compradores de carne do mundo. Mas durante as Olimpíadas do Rio em 2016, a operadora dos restaurantes McDonald’s na América Latina, Arcos Dorados, anunciou avanços e novas inovações, que permitiram que a carne fosse obtida na Amazônia sem contribuir para o desmatamento. Em vez de simplesmente evitar o grande número de pecuaristas da região, a Arcos Dorados é parceira de um projeto chamado Novo Campo que visa tornar a produção de carne bovina mais sustentável.

Mais com menos
Desde 1970, uma área de floresta tropical do tamanho da França foi desmatada na região amazônica. "A pecuária é uma das principais atividades econômicas nessas áreas, mas a terra está sendo usada de forma muito ineficiente", explica Leonardo Lima, diretor de sustentabilidade da Arcos Dorados. "Hoje, novas técnicas e procedimentos permitem que os agricultores produzam mais com menos terra - eles podem atingir quatro a cinco vezes a maior produtividade sem liberar mais floresta".

Por exemplo, dividindo a propriedade em unidades menores e girando regularmente o gado entre elas ajuda a otimizar o crescimento do pasto e manter o solo fértil. Fornecer abundância de sombra e água de tubulação por gravidade melhora o bem-estar animal - o que também significa que o gado está pronto para o mercado mais cedo, por sua vez reduzindo as emissões de gases de efeito estufa por quilo de carne bovina. A intensificação da produção aumenta os rendimentos para os pecuaristas, mas também libera terras que podem ser usadas para outros fins - incluindo o cultivo de soja e milho, e restauração da floresta nativa.

Carne sustentável?
Trabalhando com 28 agricultores do estado de Mato Grosso, o Novo Campo está adotando o uso de indicadores desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS). Esses indicadores abrangem o uso de recursos naturais, as pessoas e a comunidade, a saúde e o bem-estar animal, a qualidade, a rastreabilidade, a eficiência e a inovação.

"Estávamos dizendo aos criadores de gado que há formas mais sustentáveis ​​de fazer seu trabalho", diz Francisco Beduschi, atual presidente do GTPS e coordenador da Iniciativa Pecuária Sustentável para o Instituto Centro de Vida - ICV, ONG ambiental que projetou e desenvolveu o projeto. "Então eles nos desafiaram a mostrar como."

O projeto ajuda os fazendeiros a aplicar várias boas práticas agrícolas, que foram testadas pela Embrapa, agência brasileira de pesquisa agrícola, de acordo com os princípios do GTPS. Ele também tem ferramentas que permitem aos técnicos do ICV medir aspectos do desempenho social e ambiental das fazendas - incluindo uma ferramenta baseada no Sistema de Informações Geográficas (SIG) para verificar se não houve desmatamento em fazendas. Isso, além de um sistema geral de monitoramento de desmatamento por satélite na Amazônia, posto em prática pelo governo brasileiro. Todas as fazendas envolvidas devem assinar um compromisso comprometendo-se com zero desmatamento e melhoria contínua.

Um quesito que apresenta resultados impressionantes é o de emissões de gases de efeito estufa. "As fazendas com melhor desempenho reduziram suas emissões em 90%", diz Francisco. De fato, ele acredita que é possível que as fazendas sejam neutras em termos de carbono através de medidas como o bom manejo de pastagens, que podem bloquear o carbono no solo. "Nosso objetivo é que esta possa ser a próxima linha de base para a produção sustentável - desmatamento zero, com um balanço de carbono líquido e indicadores para medir a sustentabilidade", comenta.

Os indicadores que estão sendo desenvolvidos pela mesa redonda brasileira estão alinhados com os princípios e critérios da Mesa Redonda Global para a Carne Sustentável (GRSB, em inglês), uma iniciativa multi-stakeholder fundada por atores da indústria da carne incluindo McDonalds, Cargill e Walmart, e ONGs como WWF, Rainforest Alliance e The Nature Conservação (TNC) para promover uma indústria de carne ambientalmente saudável, socialmente responsável e economicamente viável. Tendo em comum princípios e indicadores mensuráveis ​​no local torna mais fácil para os compradores verificar a sustentabilidade da carne que compram.

Lima reconhece que a carne bovina produzida até hoje pelo projeto Novo Campo é "uma gota d’água no oceano". Mas, diz ele, há um crescente interesse de agricultores e investidores - e isso é uma boa notícia para a maior floresta tropical do mundo. "Com esses procedimentos e técnicas", diz ele, "não há motivo e desculpa para que alguém corte árvores na Amazônia".

Enquanto isso, as boas práticas, indicadores e sistemas de monitoramento que estão sendo desenvolvidos por meio do projeto apoiarão outros esforços, como a Colaboração para Florestas e Agricultura. Esta iniciativa de cinco anos, liderada pelo WWF, TNC e a National Wildlife Federation (NWF), com financiamento da Fundação Gordon e Betty Moore, tem como objetivo eliminar o desmatamento associado à carne e soja nos biomas Amazônia, Cerrado e Chaco no Brasil, Paraguai e Argentina.

"Obter grandes compradores para se comprometerem com a carne verificada sem desmatamento é um incentivo para que os produtores adotem melhores práticas no campo, gerando empregos e riqueza", diz Jean-François Timmers, líder global de Soja do WWF. "O projeto Novo Campo mostra que é possível aumentar a produção de carne ao mesmo tempo em que reduz a área de terra necessária, liberando também um novo espaço para a expansão das culturas sem destruir os habitats naturais. Precisamos urgentemente ampliar essas soluções para acabar com o desmatamento na Amazônia, no Cerrado e além ".
Novas práticas de criação de gado poderiam virar a maré do desmatamento
© Adriano Gambarini/WWF-Brasil
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