STF reafirma: governo precisa tomar medidas imediatas para impedir genocídio indígena

06 agosto 2020

Em decisão unânime, Supremo confirma decisão liminar e determina ações imediatas para conter avanço do coronavírus em territórios indígenas. Retirada imediata de invasores não foi acatada pela Corte.
Por Bruno Taitson

Nesta quarta (5/8), dia em que as mortes de indígenas pelo novo coronavírus chegaram a 639 e o conhecido cacique Aritana Yawalapiti tombou diante da Covid-19, os indígenas tiveram um motivo para comemorar. Em decisão unânime – nove votos a zero – o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve determinação do ministro Luís Roberto Barroso, exigindo ações imediatas por parte do Governo Federal para conter o avanço da pandemia nas aldeias.

Dentre as determinações do ministro Barroso, mantidas pelo pleno do STF, está a instalação de uma sala de situação e a elaboração de um plano para retirar invasores dos territórios, feito com a participação de representantes indígenas indicados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Também foi determinado o acesso de todos os indígenas, mesmo aqueles que vivam fora de terras homologadas pela União, ao sistema indígena de saúde, para que possam receber tratamento médico, bem como a instalação de barreiras sanitárias em 31 terras indígenas, com o objetivo de impedir a entrada de invasores. Outro ponto importante da decisão foi reconhecer a Apib como proponente de ações junto ao STF. A Corte vinha reconhecendo apenas a legitimidade de entidades “econômicas” ou profissionais para ajuizar ações.

Segundo Rafael Giovanelli, advogado do WWF-Brasil, a decisão representa uma importante sinalização para a sociedade brasileira. “O Supremo cumpriu bem o papel de guardião da Constituição, fazendo valer os direitos dos povos indígenas. Trata-se de um importante resposta institucional, dada em um momento político no qual as instituições do Estado precisam se posicionar em defesa dos povos originários e seus territórios”, analisou.

Eloy Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, salienta que a decisão do STF deve ser vista como positiva, especialmente por definir medidas protetivas imediatas e por referendar o papel da Apib como entidade legítima para atuar junto ao Supremo. “Foi reconhecida, por todos os ministros e ministras, a legitimidade ativa da Apib, para que possamos impetrar ações diretamente ao STF”, observou.

Porém, para Eloy Terena, os ministros poderiam ter avançado mais no sentido de determinar a imediata desintrusão de sete terras indígenas, que vêm sofrendo com a numerosa presença de invasores ilegais. “A Apib vai continuar atuando no processo, brigando pelo cumprimento das decisões”, afirmou.

Segundo a advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental (ISA), que atuou como amicus curiae no julgamento, fazendo uma exposição de motivos favorável aos pleitos dos indígenas, a decisão desta quarta é uma “vitória histórica”. Ela destacou o reconhecimento da legitimidade da Apib e a obrigatoriedade de o governo apresentar ações concretas de combate à Covid-19 entre povos indígenas. “Nesse ponto, o STF impôs uma derrota ao governo, cujo plano era não ter plano algum”, concluiu.

Para Júlia Neiva, coordenadora de desenvolvimento de direitos socioambientais da Conectas Direitos Humanos, que também atuou como amicus curiae no julgamento, foi um “dia histórico” para os povos indígenas. Além do importante reconhecimento da Apib como legítima para apresentar ações no STF, a advogada enalteceu o peso da decisão da corte. “O Supremo obriga o governo a, de fato, adotar medidas para proteger os povos indígenas dos riscos altíssimos da Covid, maiores para eles do que para o restante da população”, disse.

Júlia Neiva também lamentou que o Supremo não tenha acatado o pedido da Apib de imediata desintrusão de sete terras indígenas. “Há uma necessidade premente de retirar os invasores desses territórios, reconhecida inclusive pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que afirmou em 20 de julho que o Brasil não foi capaz de conter os impactos da pandemia junto a comunidades indígenas”, criticou.

Ainda não há data para que o mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 seja julgado pelo plenário do STF. No entanto, considerando que a decisão desta quarta já tratou dos pontos principais da ADPF, é improvável que os ministros mudem de posição quando a ação for apreciada no pleno.
Terra indígena Ianomâmi, atualmente com mais de 20 mil garimpeiros invasores
© Leonardo Prado/PGR
Eloy Terena, advogado da Apib
© Vinicius Loures/Agência Câmara
A invasão de terras indígenas por garimpeiros tem sido um vetor de transmissão do coronavírus
© Zig KOCH
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