STF: governo deve agir para conter genocídio indígena
julho, 17 2020
Reconhecimento de entidade indígena como legítima proponente de ações no STF é marco histórico
Governo Federal precisa implementar medidas emergenciais para conter disseminação do vírus em aldeias. Reconhecimento de entidade indígena como legítima proponente de ações no STF é marco histórico que fortalece a democracia no paísPor Bruno Taitson
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou no dia 8 de julho, por meio de decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que o Governo Federal tome uma série de medidas para prevenir o contágio do novo coronavírus entre povos indígenas. A determinação é uma resposta à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, impetrada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), juntamente com outras instituições.
Dentre as determinações do ministro Barroso está a instalação de uma sala de situação e a elaboração de um plano – sempre com representantes indígenas indicados pela Apib – para retirar invasores dos territórios e instalar barreiras sanitárias às TIs mais ameaçadas. Também foi determinado o acesso de todos os indígenas, mesmo aqueles que vivam fora de terras homologadas pela União, ao Subsistema Indígena de Saúde.
A rápida resposta do Supremo atende a alguns dos principais pedidos da ADPF, que requer barreiras sanitárias para impedir o ingresso de pessoas em 31 terras indígenas (TIs) vulneráveis à covid-19 e a imediata retirada de invasores de sete TIs fortemente impactadas por garimpeiros, madeireiros e grileiros, que expõem a população indígena ao contágio pelo vírus. A Ação requer, ainda, que a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, forneça atendimento também a indígenas que habitam zonas urbanas ou que estejam em territórios ainda não homologados.
Segundo o advogado da Apib Luiz Eloy Terena, que assina a ação, a ADPF traz um pedido de medidas imediatas por parte do Governo Federal para cumprir a Constituição e evitar um genocídio dos povos indígenas. “Os pedidos partem do entendimento de que, para proteger a vida dos povos indígenas em tempo de pandemia, é necessário proteger os territórios”, ressaltou. “As ações e omissões do Poder Público podem resultar no extermínio de etnias inteiras”, acrescentou.
A decisão do ministro Barroso em acolher a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil como proponente da ação também pode ser considerada um importante marco para a democratização do acesso da sociedade ao STF. Até o momento, a Corte costumava fazer uma interpretação bastante conservadora da Constituição, reconhecendo que apenas entidades “econômicas” ou profissionais seriam consideradas entidades de classe com legitimidade para ajuizar ações.
Para Eloy Terena, não havia sentido vedar aos indígenas, que pela Carta Magna de 1988 deixaram de ser tutelados pelo Estado, o direito de peticionar pelos seus direitos. “A Constituição vai completar 32 anos e nesse contexto de um risco concreto de genocídio a Apib vai diretamete ao STF em nome próprio, defendendo seus direitos por meio de advogados próprios. Isso tem um simbolismo forte para os povos indígenas”, observou, em entrevista exclusiva ao WWF-Brasil.
Rafael Giovanelli, advogado do WWF-Brasil, sustenta que entidades como a Apib, que representam grupos vulneráveis ou minoritários, possam ter acesso direto ao STF para assegurar seus direitos constitucionais. “Esperamos que a decisão seja mantida pelo plenário do Supremo. Um sistema democrático, para funcionar bem, precisa ser caracterizado pela efetiva representatividade dos diversos segmentos da sociedade nos espaços de tomada de decisão, incluindo o pleno acesso à Corte Constitucional”, resumiu.
Ainda não há prazo para que a ADPF 709 seja apreciada no Plenário do Supremo. Porém, as determinações definidas pelo ministro Barroso devem ser cumpridas de imediato pelo Governo Federal.