Câmara autoriza governo a ratificar Protocolo de Nagoya
julho, 09 2020
Medida articulada por Rodrigo Maia abre portas para a bioeconomia e pode melhorar a imagem do país no exterior. Texto ainda passa pelo Senado antes da assinatura no Planalto
Medida articulada por Rodrigo Maia abre portas para a bioeconomia e pode melhorar a imagem do país no exterior. Texto ainda passa pelo Senado antes da assinatura no Planalto.Por Jaime Gesisky
Foi uma espera de dez anos para a Câmara dos Deputados finalmente autorizar o governo a ratificar o Protocolo de Nagoya. O acordo internacional que complementa a Convenção da Diversidade Biológica (CDB/ONU) foi assinado pelo Brasil em 2010 na província de Nagoya, no Japão, durante encontro dos países-membros do acordo.
Da Câmara, o texto vai ao Senado, penúltima fase antes de o tratado ser finalmente ratificado pelo presidente da República. O texto do protocolo trata do acesso ao patrimônio genético e a repartição de benefícios resultantes do desenvolvimento de produtos elaborados com base em plantas, animais ou micro-organismos nativos.
Apesar de ter sido um dos principais articuladores do Protocolo de Nagoya, o Brasil ainda não integra o grupo dos outros países que ratificaram o acordo, 126 no total. O entrave estava em setores ruralistas representados no parlamento e que acreditavam que o agronegócio poderia ser prejudicado com o acordo, embora o entendimento de outros setores da economia indicasse o contrário.
“O Protocolo de Nagoya define regras internacionais sobre o uso dos recursos genéticos da biodiversidade, garantindo segurança jurídica e um melhor ambiente de negócios para as relações comerciais que envolvam produtos derivados de recursos biológicos”, explica Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Ao lembrar que o Brasil detém 20 por cento de todas as espécies, tendo a maior diversidade biológica do planeta, sendo um grande provedor de recursos genéticos, Bomtempo acredita que a ratificação do Protocolo de Nagoya garantirá melhores perspectivas de negócios às empresas brasileiras usuárias da biodiversidade estrangeira, expandindo seus negócios no mercado global. “Estar no acordo vai impulsionar o desenvolvimento econômico do nosso país”, afirma.
Articulação
O Decreto-Legislativo aprovado hoje é fruto de uma articulação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), com representantes das bancadas ambientalista e ruralista. A medida chega como sinal aos investidores estrangeiros que cobraram do país no final do mês passado ações para conter o desmatamento e cessar o desmonte das políticas públicas de proteção ambiental na esfera federal.
Atento aos sinais e disposto a ajudar a restaurar a combalida imagem do país no exterior, Rodrigo Maia sacou o decreto para o Protocolo de Nagoya. Ao certificar-se de que as arestas estavam aparadas e que a medida poderia servir como resposta do Parlamento à pressão estrangeira, articulou a votação.
Para o presidente da Frente Ambientalista da Câmara dos Deputados, Rodrigo Agostinho (PSB/SP), a ratificação do Protocolo de Nagoya não só “acalma o mercado”, como é uma oportunidade para o país. “Tudo dependerá se o governo irá aproveitar essa chance e incentivar a pesquisa e o desenvolvimento a partir da biodiversidade”, pondera Agostinho.
Repartição
O Protocolo de Nagoya pode se traduzir na prática em incentivos para a conservação e uso sustentável da biodiversidade, abrindo caminhos para a bioeconomia, uma das apostas para que, uma vez valorizada como ativo econômico, a natureza seja poupada para o futuro.
Mas o protocolo é claro. Não trata apenas do acesso. “A repartição dos benefícios – tema central para os povos indígenas e comunidades tradicionais – é fundamental no acordo, e isso precisa ficar muito bem estabelecido e cumprido na prática para que possa materializar os preceitos da Convenção da Diversidade Biológica”, lembra Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil.
O texto do acordo aprovado pelos países-membros da CDB e que integram o Protocolo de Nagoya define as bases para a repartição justa e equitativa dos benefícios com países ou comunidades tradicionais e povos indígenas. “O protocolo promove o respeito aos direitos dos detentores de recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados”, ressalta Bráulio Dias, ex-secretário-executivo da CDB.
A decisão da Câmara, porém, chega em um momento difícil para os povos indígenas, totalmente voltados para o avanço do novo coronavírus nas aldeias, invasões de garimpeiros e grileiros em suas terras e agressões aos seus direitos fundamentais.
Mesmo assim, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) está buscando uma estratégia para dialogar com as empresas que querem acessar os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais que os indígenas conservam, há milhares de anos.
“Já existem alguns protocolos sendo formulados por povos indígenas com diversos objetivos e que podem servir como base para as discussões sobre acesso ao patrimônio genético e repartição de benefícios em nossos territórios. Um princípio importante que devemos seguir é o que determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, explica Cris Pankararu, líder da Apib e representante dos povos indígenas no CGEN – Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. Os Artigos 6º e 7º da Convenção enfatizam o direito de consulta prévia e participação dos povos indígenas no uso, gestão – incluindo controle de acesso, e conservação de seus territórios.