Caso encerrado: Iguaçu não pode ter estrada

abril, 23 2020

Supremo Tribunal Federal encerra ação que se arrastava há mais de 30 anos. Não cabe mais recurso.
por Warner Bento Filho

O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de colocar um ponto final em uma disputa judicial que se arrastava há mais de 30 anos, enterrando definitivamente a ideia de se abrir uma estrada no Parque Nacional do Iguaçu, no extremo oeste do Paraná. O Parque, reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco, guarda as famosas Cataratas do Iguaçu, que atraem mais de dois milhões de visitantes todos os anos.

A Corte Suprema negou um último recurso apresentado por um grupo de municípios vizinhos ao parque que insistia, há mais de 30 anos, em tentar derrubar entendimento da Justiça de que o Parque do Iguaçu não comporta a abertura de uma estrada.

Esse entendimento é tão antigo que, quando foi adotado pela primeira vez, em 1986, nem o Ibama existia. O órgão responsável pelo parque era o antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, o IBDF. Decisão da Justiça Federal naquele ano determinou que o IBDF mantivesse fechada a estrada, que fora aberta ilegalmente nos anos 1950, quando o parque já existia – ele foi criado pelo então presidente Getúlio Vargas há mais de 70 anos, em 1939, sendo um dos mais antigos do país.

A estrada foi aberta na marra durante a ocupação do extremo oeste do Paraná, na primeira metade do século passado, quando madeireiros se estabeleceram na região para explorar a imensa riqueza daquelas florestas. Hoje, as florestas já não existem mais, e o Parque Nacional do Iguaçu é o último grande remanescente de Mata Atlântica de interior no país.

Depois dessa primeira decisão judicial de 1986 contra a permanência da estrada no interior da unidade de conservação, se sucederam outras, até que o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, a cúpula do Judiciário, que agora encerra definitivamente o caso. Em decisões anteriores, já haviam sido confirmados os argumentos dos desembargadores do Tribunal Federal Regional da 4ª Região (TRF4), de que em parques nacionais é “inviável a construção de estradas ou outra utilização que se dissocie da vontade do legislador e que não esteja prevista no Plano de Manejo a ser observado e implementado pelo órgão ambiental encarregado da gestão do Parque Nacional”.

O advogado do WWF Rafael Giovanelli explica que, em novembro de 2010, o TRF4 reconheceu que a estrada deveria ser mantida fechada. “Então, um grupo de municípios recorreu e o caso chegou ao STF. Depois de uma série de idas e vindas, em fevereiro deste ano, o STF entendeu que não era possível recorrer da decisão do TRF4.  No dia 21 de abril esgotou-se o prazo para questionamento dessa decisão do STF. Com isso, ela se tornou definitiva, encerrando o caso.”

A decisão do STF foi comemorada na região. O gestor geral da Associação de Desenvolvimento de Esportes Radicais e Ecologia (Adere), com sede em Foz do Iguaçu, Raby Khalil, se diz feliz ao perceber que as instituições estão funcionando. “Num momento em que aparecem movimentos com propostas estapafúrdias pelo fechamento do STF, decisões como essa têm ainda mais importância. Nos mostram que há espaço para seguirmos na luta, defendendo a natureza e as pessoas", diz Raby.

Dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional ainda ameaçam a integridade do Parque Nacional do Iguaçu, propondo a abertura da estrada, o que traria imensos prejuízos não só ambientais, mas também econômicos, segundo especialistas. A avaliação é que uma eventual estrada no interior do Parque prejudique a imagem da região como destino turístico sustentável, o que poderia impactar negativamente toda a cadeia relacionada ao setor, incluindo hotéis, restaurantes, comércio e serviços locais.

A gerente de Ciências do WWF-Brasil, Mariana Napolitano, considera a decisão do STF importante também porque ficam sedimentados os argumentos que restringem a possibilidade de existência de estradas ou outras intervenções no interior de Unidades de Conservação. “Essa estrada no do Parque Nacional do Iguaçu não se justifica de nenhuma maneira. Seria caminho para a caça e para o tráfico de animais silvestres, para incêndios criminosos, para o roubo de madeira e para o atropelamento de fauna”, diz.

A decisão original do TRF4 estabelecia, ainda, que depois de encerrada a ação, o órgão responsável (hoje, o ICMBio), realizasse estudos para a recuperação da área antigamente ocupada pela estrada ilegal, num prazo de 120 dias. O levantamento deveria demonstrar as medidas e os prazos necessários para a recuperação da floresta no antigo leito. Hoje, porém, passados mais de 30 anos da primeira decisão, a floresta já tratou de cicatrizar-se por ela mesma.

O WWF-Brasil sobrevoou a área do Parque na primeira semana de março deste ano, percorrendo os cerca de 18km que a estrada cortava no interior da UC e pôde constatar que praticamente não há mais sinais dela. A floresta se recuperou e, onde uma vez houve uma estrada, hoje vicejam palmeiras, canafístulas, cedros e uma infinidade de espécies típicas da Mata Atlântica, encobrindo, com a sombra de seu dossel, milhares de pegadas deixadas na terra úmida por onças e por tantos outros animais silvestres ameaçados de extinção que têm no parque o seu último refúgio.
Cataratas do Iguaçu
© ICMBIO/Parque Nacional do Iguaçu
Vegetação nativa se regenerou na área da antiga estrada do Colono.
© WWF Brasil
A Ecorregião Florestas do Alto Paraná engloba uma área original de mais de 471 mil Km2, que se estende do oeste da Serra do Mar brasileira ao leste do Paraguai, incluindo a província de Misiones, na Argentina.Da sua área total, restam apenas 7,4% de florestas, basicamente em UCs como o Parque Nacional do Iguaçu (Brasil), que ainda sobrevive como um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica.
© Michel Gunther/WWF
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