A regularização da grilagem de terras no Brasil pela MP-910/2019

março, 10 2020

Entenda os graves impactos socioambientais gerados pela proposta do governo
Entenda os graves impactos socioambientais gerados pela proposta do governo

Por ISPN


Numa coisa todos concordamos, direitos de propriedade bem definidos, sejam eles individuais ou coletivos, são fundamentais para acabar com a insegurança jurídica, reduzir a violência no campo, viabilizar o acesso ao crédito, promover o uso eficiente da terra e para garantir a responsabilização ambiental.

A prioridade para políticas públicas de regularização fundiária deve ser conciliar desenvolvimento rural sustentável com conservação da biodiversidade, regulação do clima e manutenção dos serviços ambientais prestados pelas áreas protegidas, terras indígenas, territórios tradicionalmente ocupados, e remanescentes de florestas em áreas privadas e públicas ainda não destinadas.

Baixe o arquivo em PDF e saiba mais sobre a MP 910, que regulariza a grilagem

O caos fundiário no Brasil
O histórico caos fundiário no Brasil descaracteriza a urgência constitucional para a tramitação desta matéria por meio de Medida Provisória. O efetivo tratamento de um problema dessa dimensão exige concertação mais ampla e integrada com estados e municípios.

Cruzamentos de várias bases de dados com registro de terras apontam que 17% do território nacional tem domínio ou propriedade desconhecido pelo Estado, ou seja, não consta em nenhuma base de dados. Ademais, inexiste base de dados sistematizada e georreferenciada de todas as terras incorporadas ao patrimônio público, nem o registro de quantos tipos de títulos já foram emitidos pelos governos federal e estaduais.

Dos 4 milhões de imóveis autocadastrados no SICAR, cerca de 3,8 milhões (95%) possuem algum tipo de sobreposição, envolvendo 10 milhões de hectares sobrepostos. Uma análise conjunta do SICAR com outras bases (SIGEF) mostra 86 milhões de hectares sobrepostos em 1,4 milhões de imóveis, ou seja, 33% dos imóveis cadastrados no CAR.

Mais de 56 milhões de hectares das terras públicas federais na Amazônia ainda não foram georreferenciadas, 47% de um total de 119 milhões de hectares. No Pará, menos de 50 das 623 glebas arrecadadas pelo Estado constam no Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), e nos Cartórios de Registro de Imóveis constam matriculados quase 495 milhões de hectares, ou cerca de 4 vezes a área total do estado.

Grilagem e desmatamento
Já existe base jurídica para a regularização fundiária de posses na Amazônia Legal (ocorridas até 2011) com várias facilidades, a exemplo da cobrança de baixos valores na titulação de médios e grandes imóveis, mas a fragilidade da legislação e a facilidade em alterá-la representam um ponto intrínseco ao ciclo da grilagem.

Na prática, a MP 910/2019 beneficiará casos recentes de grilagem, possibilitando a anistia ao crime de invasão de terra pública àqueles que o praticaram entre o final de 2011 e 2018, além de favorecer a titulação de áreas públicas desmatadas ilegalmente nesse período.

A MP 910/2019 estimula novas ocupações e desmatamentos ilegais ao confirmar a expectativa de grileiros e posseiros ilegais na Amazônia e transmitir a ideia de que os prazos serão, novamente, no futuro, atualizados pelo governo federal ou Congresso Nacional.

É evidente a conexão entre grilagem e desmatamento, 35% dos mais de 900 mil hectares de Floresta Amazônica destruídos entre agosto de 2018 e julho de 2019, aconteceram em terras públicas griladas, sem destinação, nem informação.

Um desmatamento adicional de até 16 mil km2 até 2027 pode resultar da continuidade desse ciclo de legalização de invasões na Amazônia, caso uma área pública federal estimada de 19,6 milhões de hectares na região seja privatizada.

A intensificação do loteamento dos territórios tradicionalmente ocupados por comunidades em projetos de Assentamentos Ambientalmente Diferenciados pode favorecer a reconcentração fundiária ao abrir para o mercado terras públicas inalienáveis com potencial interesse para exploração minerária, expansão do agronegócio e especulação imobiliária predatória sobre os remanescentes florestais, sobretudo, na Amazônia e no Cerrado.

A MP 910/2019 inviabiliza a livre concorrência ao regularizar sem licitação quem ocupou terra pública entre o final de 2011 e 2018, dificultando a destinação fundiária a partir do perfil do ocupante com proposta de uso sustentável dos recursos florestais, além de ampliar a concessão de subsídios custeados pela sociedade brasileira.

O papel do Congresso
Cabe ao Congresso Nacional propor medidas que aumentem a capacidade limitada do governo para:

1) Atender às demandas de titulação que cumprem os atuais requisitos legais de boa-fé inclusive em relação à legalidade ambiental;

2) Retomar terras públicas invadidas ilegalmente, nos casos em que os invasores não cumprem os requisitos de regularização, ou quando estão em áreas com outra destinação legal, ou em áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade;

3) Cumprir a prioridade legal de reconhecimento territorial de territórios indígenas, de populações quilombolas, e outras populações em territórios tradicionalmente ocupados;

4) Fortalecer o combate aos desmatamentos ilegais, sobretudo os mais recentes e posteriores a julho de 2008.

Saiba mais sobre a MP 910, que regulariza a grilagem; baixe o arquivo em PDF
Invasão na TI Uru-Eu-Wau-Wau
Cerca instalada por invasores dentro da TI Uru-Eu-Wau-Wau
© WWF-Brasil/Bruno Taitson
DOE AGORA
DOE AGORA