Especialistas afirmam: cumprir o Acordo de Paris é necessário, urgente, e independe dos EUA
junho, 14 2017
Seminário sobre a implementação da NDC no Brasil foi organizado por WWF-Brasil e Frente Parlamentar Ambientalista
Por Bruna Mello de CençoA intenção do presidente Donald Trump de abandonar o Acordo de Paris, anunciada no início do mês, levou o mundo a enfatizar sua importância e a planejar seus próximos passos, independentemente da presença dos Estados Unidos no documento. No Congresso Nacional brasileiro, aproveitando a Semana Nacional do Meio Ambiente, o debate, promovido pelo WWF-Brasil em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista, foi como implementar o compromisso brasileiro no Acordo de Paris e promover a transição para uma economia de baixo carbono.
Em um auditório Freitas Nobre lotado, diferentes especialistas falaram para uma plateia de parlamentares, representantes de embaixadas, organizações sociais e interessados em geral. O evento, que começou com o tradicional café da manhã da Frente Parlamentar Ambientalista e durou toda a manhã, teve a abertura de Leonardo Monteiro (representando a Comissão de Meio Ambiente da Câmara), Alessandro Molon (presidente da Frente Parlamentar Ambientalista) e Everton Lucero (representando o Ministério do Meio Ambiente) e foi dividido em duas mesas:
- Oportunidades e desafios da implementação da NDC brasileira ao Acordo de Paris, com a presença do Subsecretário-geral de Meio Ambiente, Energia e Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores, José Antônio Marcondes de Carvalho; da Secretária-Adjunta do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Natalie Unterstell; e do coordenador de Mudanças Climáticas do WWF-Brasil e representante do Observatório do Clima, André Nahur.
- Mudanças climáticas e oportunidades econômicas: riscos climáticos e cenários de descarbonização, com o Professor e Coordenador do Centro Clima da COPPE/UFRJ, Emilio Lèbre La Rovere; o Professor e Coordenador do Programa de Planejamento de Energia da COPPE/UFRJ, Roberto Schaeffer; Professor e PHD em Economia Ambiental Sergio Margulis; e o pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) Marcelo Stabile.
O Acordo de Paris, Trump e cenário brasileiro
Durante a primeira mesa, de oportunidades e desafios, os palestrantes enfatizaram que os benefícios que uma economia de baixo carbono pode trazer para o país estão claros para uma parcela cada vez maior da sociedade. Porém, chamaram a atenção para os retrocessos legislativos que têm ocorrido recentemente no Congresso. O embaixador José Marcondes de Carvalho, representante do Ministério das Relações Exteriores, falou sobre a “profunda preocupação e decepção” gerada pelo anúncio de intenção de saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, mas que deve ser compensada com trabalho com outros parceiros, além dos EUA, em prol do bem comum. Marcondes destacou a atuação do Brasil no BASICs (grupo que inclui, além do Brasil, África do Sul, China e Índia) e no G20 e a importância de governos subnacionais, sociedade, setor produtivo também trabalharem para a implementação das metas.
“Paris é O Plano, não temos plano A nem plano B. Precisamos ver quais as políticas públicas que militam a favor as nossas metas para o Acordo e quais deveriam ser repensadas – e então trabalhar por isso. Nós representantes brasileiros seremos responsáveis por hoje e amanhã”, afirmou Marcondes.
A necessidade de trazer o Acordo de Paris para todos os setores da sociedade foi citada também por Everton Lucero, representante do Ministério de Meio Ambiente, para quem é necessário trabalhar mirando como a economia brasileira vai se alinhar para buscar o cumprimento de suas metas. De acordo com ele, “nós só seremos capazes de cumprir com essas metas se definitivamente assumirmos como sociedade esse novo padrão de desenvolvimento nacional, de baixo carbono e sustentável nos pilares econômico, social e ambiental”. Everton enfatizou que o tema climático não deve ser visto como mera externalidade, mas inserido nas estratégias setoriais de desenvolvimento nacional. Para isso, o MMA deve articular essa estratégia junto aos setores econômicos, possibilitando a captação de recursos de diversas fontes, principalmente externas. “Precisamos criar os instrumentos financeiros que mostrem ao resto do mundo que temos aqui o potencial de cumprimento de metas. Estamos trabalhando junto com outros atores, em especial o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, para identificar onde estão os nós regulatórios que impedem essa captação. Nossa intenção é terminar a análise antes da COP 23”, afirmou Everton.
Para o senador Jorge Vianna, apesar do momento de crise, é importante manter o foco no desenvolvimento de baixo carbono. “Nesse momento, temos o desafio de não deixar nos contaminar por essa agenda política conturbada, que é passageira. Estão sendo aprovadas ações de atraso, como MP de redução de áreas protegidas e outras que não passariam desta forma em momentos de normalidade”, comentou Vianna, citando a MP 759 de regularização da estrutura fundiária do Brasil. “A aprovação desta MP acontece justamente na hora em que o desmatamento cresce e há casos de morte de agricultores”.
A urgência das ações em prol do Clima foi explicitada na fala de Natalie Unterstell. Representante do Fórum Brasileira de Mudanças Climáticas, Natalie argumentou que as mudanças climáticas são uma agenda do agora e que o Brasil precisa aproveitar o acordo para trabalhar por melhorias no país, com, por exemplo, uma agricultura mais moderna. “Temos mecanismos novos e lições de sucessos e de insucessos, que devem ser tratadas em conjunto. Hoje, já há governos subnacionais que realmente enxergam a importância do Acordo de Paris como oportunidade, com a Companhia do Acre que se considera uma startup climática”, diz.
Esta mesma urgência por ações foi tratada pelo coordenador do programa Mudanças Climáticas e Energia, André Nahur, que lembrou que em alguns locais do Nordeste já existe aumentos de 5º C de temperatura. “Nós já vivemos as mudanças do clima. Esse não é cenário futuro, mas o aumento pode ser muito pior do que estamos vivendo. Se nada ser feito, podemos chegar a 2020 com 60% de não chegar a 1,5º”. Nahur afirmou que o planejamento nos processos de decisão é fundamental e citou o documento de recomendação do WWF para a implementação da NDC brasileira. O sumário executivo e o documento completo com a contribuição estão disponíveis aqui.
Oportunidades econômicas
Na segunda parte do dia, os especialistas apresentaram, pela primeira vez, os resultados condensados dos estudos “Opções de Mitigação de Emissões de Gases de Efeito Estudo em Setores-Chaves do Brasil”, elaborado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTI); “IES-Brasil – Implicações Econômicas e Sociais: Cenários de Mitigação de GEE 2030”, do Centro Clima da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ); e “Projeto Brasil 2040: Cenários e Alternativas de Adaptação à Mudança do Clima”, produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Os materiais ressaltam os possíveis cenários de aumento extremos de temperatura e a necessidade imediata de ações de adaptação.
Para Margulis, o Brasil cumpre o dever global de se preocupar com a mitigação (diminuição de emissões), porém peca em não dar mais atenção aos efeitos já em andamento das mudanças do clima. “O Brasil repete o padrão do mundo, que foca em diminuição de emissões, em vez de adaptação. Porém, é estranho se preocupar mais com mitigação do que com adaptação. Se o Brasil não tomar conta dos problemas que vão acontecer aqui, ou ninguém vai se preocupar”. Margulis enfatizou ainda a necessidade dos diferentes setores econômicos mudarem suas formas de trabalho em função do que acontece com o clima. “É certo que haverá aumento do nível do mar, então os códigos de construção civil à beira mar não podem ser os mesmos. Se uma casa vai durar 60 anos, ela não pode ser construída da mesma forma. Já na agricultura, os cenários são de redução agrícola na maioria das culturas, como soja ou milho. A produção de cana não teria queda, porém mudaria de lugar”.
Emilio Lèbre La Rovere, da COPPE/UFRJ, analisou os cenários com base na precificação do carbono, ou seja, com algum tipo de incentivo econômico, a produtos com menor emissão. De acordo com o pesquisador, caso todos os países caminhem para o cumprimento do Acordo de Paris, a indústria brasileira teria a se sair melhor sendo mais verde. “Temos no Brasil com um potencial enorme de mitigação de oportunidade para alavancar o investimento. Usando políticas públicas apropriadas, é possível termos ações adicionais de redução de emissões, gerando ganhos sociais, ambientais e econômicos”, comenta ele acrescentando que um dos resultados seria o aumento do poder de compra de todas as classes, com exceção da mais alta.
Roberto Schaeffer, também da COPPE/UFRJ, levantou a tendência de exaustão da capacidade hidrelétrica nas próximas décadas e a necessidade do Brasil investir em outros setores para continuar com uma matriz elétrica limpa. “O desafio do país não é cumprir a NDC, mas o dia seguinte. Para não haver aumento de emissões pós 2030, o Brasil precisa investir fortemente em eficiência energética, o que pode ser conseguido a custos muito baixos em diferentes setores”. Schaeffer citou em especial o setor de transportes, que deve ser totalmente eletrificado até 2030. “O aumento de eficiência pode ser obtido por meio de incentivos a iniciativas de baixo carbono, mesmo sem renúncia fiscal”.
Marcelo Stabile, do IPAM, fechou o encontro retomando os principais assuntos debatidos ao longo do dia. Ao analisar os dados brasileiros, Stabile deixou evidente a contradição que passa o governo brasileiro, que se propõe a cumprir as metas do Acordo de Paris, mas vive um novo aumento de emissões por desmatamento e aprova MPs que vão na direção contrária do almejado futuro de baixo carbono. “O Brasil deve aproveitar este momento único, em que pode ser protagonista em uma economia de baixo carbono. As oportunidades incluem a valorização de florestas em pé e facilitar a adaptação de indústria pós 2020”, comentou Stabile enfatizando a necessidade de um planejamento integrado: “uma emissão economizada em hidrelétrica pode ser compensada com desmatamento causado, como é o caso de Belo Monte”.
#RESISTA
A aprovação das Medidas Provisórias que promovem o retrocesso ambiental, como a diminuição de áreas protegidas ou regularização de terras griladas, foi citada em todas as falas do encontro, levantando a importância de que todos estejamos atentos ao que acontece no Legislativo. André Nahur exemplificou a preocupação com a redução das áreas protegidas - um problema que interfere em todos os setores da sociedade. “O estudo de rios voadores mostra que o desmatamento na Amazônia impacta na disponibilidade hídricos e serviços sistêmicos que temos em todo o Brasil”.
Para chamar a atenção da sociedade para as aprovações de atraso ambiental que têm ocorrido no Congresso, o WWF-Brasil e outras organizações sociais criaram o movimento #Resista. Entre outras ações, o coletivo pede o veto às Medidas Provisórias 756 e 758 que reduzem conjuntamente 597 mil hectares de áreas protegidas na Amazônia. Você pode participar assinando a petição #Nenhumhectaramenos do WWF-Brasil neste link: http://www.wwf.org.br/nenhumhectareamenos.cfm