Deputados reduzem áreas protegidas na Amazônia

maio, 17 2017

Plenário da Câmara aprova medidas provisórias que deixam vulneráveis cerca de 600 mil hectares de florestas protegidas
por Clarissa Presotti

Contrariando compromissos assumidos pelo Brasil sobre o clima e biodiversidade, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite de ontem duas medidas provisórias (MPs) que alteram unidades de conservação (UCs) no oeste do Pará. As iniciativas colocam em risco cerca de 600 mil de hectares de florestas na Amazônia – uma área maior que o território do Distrito Federal.  

A MP 756/2016 modifica os limites do Parque Nacional do Rio Novo e da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, desmembrando parte de sua área para a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) do Jamanxim – deixando 37% da Flona vulnerável.

Já a MP 758, também do mesmo ano, reduz o Parque Nacional (Parna) de Jamanxim para abrir espaço às obras da ferrovia Ferrogrão, paralela à BR-163, ligando o Centro-Oeste ao norte do Pará, colocando a Amazônia cada vez mais perto de seu definitivo esquartejamento.
 
Em dossiê divulgado nesta quarta-feira (17), o WWF-Brasil denuncia o processo de redução de áreas protegidas no Brasil. Acesse aqui.

Tirando os votos contrários e protestos das bancadas do Psol, PSB, PT e Rede, a maioria dos deputados aprovou as medidas com algumas modificações. Uma delas, na MP 756, mantém o artigo que reduz o Parque Nacional de São Joaquim em Santa Catarina.

Os projetos de lei de conversão que vieram das comissões mistas, compostas por deputados e senadores, colocavam em risco mais um milhão de hectares de florestas protegidas na Amazônia. Na Câmara, após intensa negociação de deputados da oposição, com apoio de organizações socioambientais, entre elas o WWF-Brasil, o dano foi cortado pela metade.

Foi possível retirar das medidas outras áreas protegidas do pacote, como a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo (na MP 756) e que pretendia viabilizar a criação da Área de Proteção Ambiental Trairão (MP 758), em município de mesmo nome no Pará, com 169 mil hectares retirados da Floresta Nacional Itaituba II. A APA coincidia, em 16 mil hectares, com a reserva indígena Munduruku.

No entanto, o plenário aprovou a inclusão na redação original da MP 758 a criação da APA do Rio Branco com 101 mil hectares retirados do Parna do Jamanxim. Também retiraram o acréscimo de 51 mil hectares para este parque vindos da APA do Tapajós.

Mesmo tirando algumas UCs do jogo, na prática, as medidas aprovadas abrem um precedente para a ocupação de áreas onde estão os maiores índices de desmatamento da Amazônia que vão ficar ainda mais vulneráveis à grilagem e a outros crimes ambientais, como o garimpo e a extração ilegal de madeira.

As duas MPs seguem agora para o plenário do Senado Federal e depois vão à sanção da Presidência da República, de onde saíram no final do ano passado. Como as MPs caducam no dia 29 de maio, elas devem ser aprovadas pelo Congresso nos próximos dias.

Na avaliação do coordenador de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, é lamentável que unidades de conservação sejam reduzidas ou percam status de proteção em locais estratégicos para se evitar a fragmentação da Amazônia. “Esse não é um sinal positivo para a sociedade brasileira tampouco para comunidade internacional que investiu recursos em acordos bilaterais com o governo brasileiro para proteger nossas UCs”, destacou.

Segundo Santos, com a aprovação destas duas medidas, a maioria do território na região de Jamanxim deixará de ser Floresta Nacional ou Parque Nacional, por exemplo, para tornar-se APA, que é uma categoria de unidade de conservação que permite atividades minerárias, corte raso da vegetação e até a presença de propriedades privadas.

“Desta forma, o governo brasileiro coloca em risco o maior programa de áreas protegidas do mundo, o Arpa. Além de dar um sinal de que vale a pena apostar na ilegalidade, o que tende a estimular a grilagem e o desmatamento em toda Amazônia”, alertou o coordenador.

Contrabando

Os deputados analisaram, após votar o texto-base da MP 756, cinco destaques para suprimir emendas consideradas preocupantes e “contrabandos” pela bancada do PT, Psol e Rede. Mas só foi aprovada uma delas, após um acordo entre governo e oposição, que trata da transformação da Reserva Biológica (Rebio) Nascentes da Serra do Cachimbo em duas unidades com finalidades diversas: um parque nacional e uma área de proteção ambiental.

Era uma das piores emendas do relatório do deputado José Priante (PMDB-PA), que retirava da Rebio quase 180 mil hectares de florestas que protegem nascentes de rios que formam as bacias do Xingu e do Tapajós (saiba mais).

No entanto, apesar dos protestos de deputados aliados, por 268 votos a 60 foi mantido no projeto a emenda “jabuti” que altera os limites do Parna de São Joaquim em Santa Catarina. Com a aprovação da MP 756, o parque perde 20% de seu território em uma área de remanescentes de mata de araucária, importante na recarga de aquíferos.

“Esse dispositivo não tivemos acordo para tirar, já que foi inserido para consertar um equívoco do próprio governo na época da criação do parque. Além disso, a emenda foi assinada por toda a bancada de Santa Catarina, que inclui parlamentares de todos os partidos, inclusive do PT”, defendeu o deputado José Priante.

Para o relator, essa medida está criando unidades de conservação e não diminuindo as áreas protegidas. “Ela não tem o objetivo de devastar ou ampliar a devastação na Amazônia e sim resolver conflitos fundiários que já perduram mais de uma década na região”, argumentou Priante.

Já na opinião do deputado Alessandro Molon (Rede), as medidas não aperfeiçoam a proteção ambiental, ao contrário, reduzem as áreas fundamentais para a conservação da Amazônia, que já vem sendo ocupadas ilegalmente nos últimos dez anos.

“A medida provisória 756 já era muito ruim e o Congresso conseguiu piorá-la. Ela atingia duas unidades de conservação, e agora o projeto impactará cinco UCs. Deixava desprotegido algo em torno de 300 mil hectares, e o PLV quadruplicou esse número, abarcando outras áreas e aumentando a desproteção para mais de um milhão de hectares. É uma agressão à Amazônia”, alertou Molon, que é presidente da Frente Parlamentar Ambientalista.

O deputado também lembrou que unidades de conservação não podem ser modificadas por medidas provisórias, pois caracterizam um ato inconstitucional e não atendem a um pressuposto de relevância já que prejudicam o Brasil.

Mineração

Também foi mantida no texto a permissão de atividades minerárias na Flona do Jamanxim. Atualmente, pela legislação ambiental neste tipo de categoria de unidade de conservação só é autorizada a exploração florestal. Em APAs, que as demais atividades de exploração dos recursos naturais são permitidas, entre elas a mineração. Segundo especialistas, a autorização para o exercício de mineração na área da Floresta Nacional do Jamanxim vai abrir precedentes para esta atividade nas demais Flonas do Brasil.

Em fevereiro deste ano, documento produzindo pelo WWF-Brasil apontou que a extração de ouro, diamante, nióbio e outros minérios pode estar relacionada com a redução de áreas protegidas federais no sul do Amazonas (saiba mais).


#RESISTA

Essas medidas que visam a redução de áreas protegidas fazem parte de uma grande ofensiva da bancada ruralista e do governo Temer que pretende restringir direitos garantidos pela Constituição Federal e enfraquecer a legislação ambiental. Para isso, foi criado um movimento de resistência contra esse pacote de retrocessos, que conta com o apoio de mais de cento e quarenta organizações e movimentos sociais: #RESISTA.

Deputados da oposição contrários a mudanças em limites de unidades de conservação também protestaram contra as medidas. Durante a votação das MPs, em Plenário, eles seguraram uma faixa com os dizeres: Amazônia Pede Socorro #nemumhectareamenos. Liderados pelo deputado Molon, eles gritaram frases como “não, não, não a devastação”.

No mês passado, também como uma forma de protesto, entidades da área socioambiental assinaram uma carta contra as MPs 756 e 758. Ambas iniciativas foram aprovadas em abril em comissões mistas do Congresso, composta por deputados e senadores, que pioraram ainda mais os textos que vieram do gabinete do presidente Michel Temer - que desprotegia cerca de 305 mil hectares de florestas. No Congresso, a desproteção foi ampliada para cinco UCs e quase 1,2 milhão hectares.

O WWF-Brasil chama atenção para outras medidas em curso que também pretendem reduzir outras áreas protegidas no Brasil. Existe uma ofensiva em curso e a lista de unidades na mira dos congressistas já ultrapassa mais de dois milhões de hectares de florestas que, em breve, podem deixar de existir.

Esse conjunto de reduções vai resultar em mais desmatamento e pode comprometer o papel da floresta no transporte das chuvas para a região centro-sul do país, com prejuízos para a agricultura nacional, a geração de energia e o abastecimento de água.

O que muda após a aprovação das medidas na Câmara:


 
 
Plenário da Câmara aprova medidas provisórias que deixam vulneráveis cerca de 600 mil hectares de florestas protegidas
© Agência Brasil
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