Sustentabilidade: “Queremos adequar as nossas necessidades às necessidades da terra”
12 dezembro 2011
Nove famílias de produtores rurais buscam, por meio dos sistemas agroflorestais, viabilizar alternativas de desenvolvimento sustentável no norte mato-grossense
Por Jorge Eduardo Dantas
Gilberto Alves de Araujo, 38, é um dos moradores mais antigos do Projeto de Assentamento (PA) do Juruena, localizado no município mato-grossense de Cotriguaçu, a 950 quilômetros ao norte da capital Cuiabá. Desde o fim de 2010, ele participa de um projeto conduzido pelo WWF-Brasil e pela ONF Brasil para a implantação de sistemas agroflorestais (SAF’s) em nove propriedades rurais daquele assentamento. “Quando cheguei aqui, há 27 anos atrás, Cotriguaçu era toda coberta de mato”, falou.
Os sistemas agroflorestais (SAF’s) são um novo modelo produtivo que vem sendo considerado uma solução sustentável para a agropecuária nas regiões tropicais. Eles são caracterizados pela associação de árvores, arbustos, cultivos agrícolas e possível criação de animais de maneira simultânea ou em intervalos de tempo regulares numa mesma área. Com a presença de várias espécies diferentes num mesmo perímetro, o SAF reproduz o ecossistema florestal e reduz os danos ambientais às espécies arbóreas, ao solo e à água da região em que é implantado, além de diversificar a produção rural.
Gilberto contemplou os sistemas agroflorestais numa pequena extensão de sua área: apenas 0,15 hectar, e três culturas - limão, pupunha e araçá-boi. Por conta própria, o agricultor já havia plantado coco-da-baía. Seus esforços, no entanto, estão mais concentrados na implantação de um sistema rotativo de pastagem, ou seja, no uso sustentável do solo para a criação de gado.
“Plantando de maneira correta, a gente tem produtividade”
A iniciativa conjunta entre o agricultor, a ONF Brasil e o WWF-Brasil prevê a realização de “piqueteamento” e “pastejo rotacionado” - ou seja, o estabelecimento de várias pequenas áreas de pastagem dentro da fazenda e a mudança periódica do gado de tempos em tempos para cada um desses espaços. Deste modo, o solo das áreas pode “descansar” e a grama dessas áreas tem mais tempo para nascer e crescer. Gilberto tem hoje 50 hectares de terra e 60 cabeças de gado.
“Antes eu não respeitava Área de Preservação Permanente (APP) e nem queria saber disso. Mas depois vi que não adianta tirar toda a floresta e aterrar os igarapés. Porque isso prejudica o solo e o clima da minha propriedade. Acaba que o prejuízo vem todo de volta para mim”, disse. Gilberto admitiu que está esperançoso com o projeto. “Plantando de maneira correta, a gente tem sombra, produtividade, pasto verde. Podemos tirar madeira também, trabalhar com manejo sustentável. Eu digo isso porque vi acontecer na Fazenda São Nicolau. E espero que meu sítio vire uma espécie de modelo, que meus vizinhos vejam o que vai acontecer e levem isso para suas propriedades”, declarou.
Aumento da autonomia
Responsável pelo acompanhamento dos SAF’s no PA Juruena, o engenheiro florestal Felipe Daher disse que a implantação de sistemas agroflorestais no norte do Mato Grosso não é uma novidade para aquela região. Segundo o especialista, em municípios vizinhos a Cotriguaçu, como Apiacás e Juruena, já existem modelos bem sucedidos com até 10 anos de existência. “Trazer esta prática para cá não é necessariamente algo novo. Existe na própria Cotriguaçu o ‘SAF do Luizão’ em Cotriguaçu, que todos conhecem, e outra iniciativa semelhante no Projeto de Assentamento do Vale do Amanhecer, em Juruena, que já tem dez anos”, afirmou o técnico.
Como “técnico de campo”, Felipe explicou que sua rotina é preenchida com visitas de suporte às nove famílias participantes do projeto. “Faço visitas semanais nas propriedades mais próximas da Fazenda São Nicolau. Nas mais distantes, vou de quinze em quinze dias. Acompanho e planejo as atividades de preparação do solo, como remoção da pastagem, aração, aplicação de calcário... como também promovemos cursos de capacitação, me envolvo bastante com o planejamento desses eventos”, explicou. Felipe disse também que, como muitos solos da região ainda estão ‘fracos’ devido à prática de gado extensivo por ali, foi necessária a aplicação de calcário para correção da acidez do solo nas áreas contempladas com os sistemas agroflorestais.
O especialista disse ainda que faz questão de entregar todos os documentos, relatórios e estudos na casa dos participantes. “É um gesto pequeno, mas que dá muito trabalho e tem um poder simbólico importante. Indo até as famílias e entregando esses materiais, eu promovo a independência desses produtores e a compreensão que eles têm do projeto que estamos trabalhando. Aumenta a autonomia deles. Não deixa de ser uma forma de tratá-los como cidadãos e participantes ativos deste processo”, explicou.
“Paraguaia” já colheu e vendeu
Ao aderir ao projeto conduzido pela ONF Brasil e pelo WWF-Brasil, a agricultora Eloides Goulart, conhecida na região como “Paraguaia”, deixou claro que gostaria de privilegiar as árvores frutíferas. Por isso, ela preferiu plantar, no SAF de 1,15 hectar instalado em seu sítio, espécies como araçá-boi, abóbora, laranja, melancia, manga e berinjela. Mas ipê-rosa, jatobá e peroba também foram contemplados.
Paraguaia disse que a gestão do projeto, feita de modo colegiado e sempre em busca de consensos, foi o que mais chamou sua atenção. “Estou gostando do modo como os trabalhos estão sendo conduzidos. A assistência técnica me dá segurança para trabalhar e o sistema agroflorestal, até agora, tem comprometido apenas uma parte da minha propriedade. Assim eu tenho liberdade de dar outros usos para o resto da área. Não foi nada imposto ou colocado de forma autoritária. Foi tudo negociado, na base da conversa”, disse a agricultora, que vive há uma década no PA Juruena.
O SAF instalado no sítio da Paraguaia – cuja área total é de 28 hectares – já teve produção. Abobrinha verde, couve, maxixe e milho verde foram as culturas que mais prosperaram. Mesmo com apenas oito meses de projeto, ela conseguiu colher e vender alguns de seus produtos à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), conseguindo uma renda de R$ 2,1 mil.
“Sentimos que o WWF-Brasil fala língua da gente”
Donos do “Sítio Santo Antônio”, os baianos Leônidas Santana e Lia Lima, que vivem no assentamento há seis anos, também aderiram ao projeto. Eles receberam exemplares de ipê, garrote, cumaru, cará, feijão, mandioca e pupunha para plantar numa área de 0,77 hectar. Seu sítio tem 10 hectares de área total e uma grande cobertura florestal.
Lia julga que a situação no assentamento já foi pior e crê que o SAF possa vir a ser uma alternativa de geração de renda sustentável para a região. “Antes trabalhávamos a questão da agricultura às cegas. Hoje temos referências, sabemos onde buscar informação e com quem conversar sobre o assunto”, afirmou. Ela também disse que o projeto atualmente em curso no assentamento não é igual a outros trabalhos feitos por ali. “Queremos adequar as nossas necessidades às necessidades da terra e sentimos que o WWF-Brasil e a ONF Brasil falam a língua da gente”, afirmou.
Produzir de forma sustentável
O trabalho do WWF-Brasil no PA Juruena, em conjunto com a filial brasileira da ONF-Internacional, consiste em dar assessoria técnica aos agricultores interessados na proposta. Desde o início das atividades, técnicos das duas instituições acompanham os agricultores, viabilizando mudas e auxiliando no manejo sustentável da lavoura.
São realizadas visitas periódicas para acompanhamento e promovidos cursos para a geração de renda sustentável. A “base” dessas atividades é a Fazenda São Nicolau, onde ocorre parte das atividades em grupo envolvendo esses agricultores.
O projeto abrange uma área de 9,09 hectares. Sete das nove propriedades contempladas já deram retorno para seus produtores. No entanto, as produções apresentaram pouco volume e serviram principalmente para a subsistência das famílias e para a alimentação de rebanhos.
Esta comercialização gerou, para os produtores, rendas extras de até R$ 4,1 mil. No total, foram distribuídas 97 mil mudas de 70 produtos diferentes, com predominância para a pupunha, café e cupuaçu. Cerca de R$ 115 mil foram investidos diretamente neste trabalho, tanto na compra de produtos e equipamentos como na realização de atividades como cursos e capacitações, análise laboratorial do solo e aluguel de trator.
O analista de conservação do WWF-Brasil, Samuel Tararan, contou que entre os resultados esperados do trabalho conjunto estão a difusão de técnicas que promovam o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis, com foco na recuperação de áreas degradadas. “Além disso, também queremos, com este trabalho, promover mudanças na percepção e no trato com a terra. Queremos, por exemplo, que as Áreas de Preservação Permanente sejam utilizadas para irrigação e suprimento de animais e que os produtores utilizem adubação verde e compostagem ao invés de agrotóxicos”, disse o especialista.
O trabalho recebe também o apoio do projeto Poço de Carbono Juruena e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Agricultura, Meio Ambiente e Assuntos Fundiários de Cotriguaçu (Sama).