Problemas territoriais do Rio Negro foram debatidos por cientistas e ribeirinhos
novembro, 14 2011
Promovido pela Rede Rio Negro em Manaus (AM), encontro serviu para discutir sobreposições de áreas protegidas, conflitos de terra e manejo inadequado de recursos, entre outros problemas
Por Jorge Eduardo DantasIncertezas sobre as questões fundiárias, sobreposições de áreas protegidas, manejo inadequado de recursos como madeira, peixes ornamentais, brita e seixo, pesca esportiva inadequada, conflitos de pesca entre pescadores profissionais e indígenas, turismo desordenado e a existência de construções irregulares em áreas protegidas são alguns dos problemas que ocorrem hoje no Baixo e Médio Rio Negro, na Amazônia.
Habitada por povos indígenas, populações ribeirinhas e fonte de renda e sustento para várias cidades como São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro, Barcelos e Novo Airão, além de Manaus, a região vem sofrendo com uma série de conflitos que ameaçam a conservação da natureza, o modo de vida das populações tradicionais, a biodiversidade e os serviços socioambientais daquela região.
Naquela área, por exemplo, comunidades como a do Remanso, Itaquera e Xixuaú esperam há mais de uma década pelo decreto de criação da Reserva Extrativista do Baixo Rio-Branco–Jauaperi; e o Parque Estadual da Serrá do Aracá, a Floresta Nacional do Amazonas e a Terra Indígena Yanomami estão situados sobre o mesmo território, causando conflitos entre seus habitantes.
Para discutir esses problemas e tentar encontrar soluções, a Rede Rio Negro – um conjunto de instituições da área socioambiental da qual o WWF-Brasil faz parte – promoveu no fim de outubro, em Manaus (AM), o seminário Prioridades para a Gestão e Ordenamento Territorial do Médio e Baixo Rio Negro. Composto de painéis e debates, o evento - que é o sétimo de uma série de fóruns realizados pela Rede Rio Negro sobre o tema - contou com a presença de várias organizações, que tiraram encaminhamentos práticos para lidar com esses problemas.
Direitos territoriais em discussão
A antropóloga do Instituto Socioambiental (ISA) Carla Dias explicou que nenhum trabalho conservacionista será bem sucedido na região sem levar em conta a questão da terra. “A gestão e o ordenamento territorial são a base para a promoção do desenvolvimento sustentável, para tentar criar um sistema econômico diferente do que existe hoje ali. É preciso que as populações tradicionais tenham seus direitos territoriais garantidos para que todas as outras coisas, como atividades de conservação, possam de fato acontecer”, disse a especialista.
Na última década, uma série de providências foi tomada para estabelecer diretrizes e minimizar prejuízos socioambientais na área - como acordos de pesca, assinatura de termos de compromisso e conduta e criação de fóruns de discussão participativa. No entanto, essas medidas são paliativas e não solucionaram completamente os conflitos e impasses encontrados por ali.
Segundo o livro “Visões do Rio Negro”, entregue aos participantes do seminário, a bacia do Rio Negro é a maior bacia de águas negras do mundo e uma das mais importantes da Amazônia. Vivendo somente na área brasileira, são 23 etnias indígenas – mas a bacia se estende ainda pela Colômbia e Venezuela. Em apenas uma região específica, são 40 mil pessoas, divididas em 750 comunidades ao longo dos rios e perto de São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro.
Grande parte daquela população é indígena ou descendente de indígenas. A bacia do Rio Negro, apenas em suas porções médio e baixo, tem 18 áreas protegidas, entre Terras Indígenas e Unidades de Conservação federais, estaduais e municipais, somando mais de 26 milhões de hectares de terra protegidos.
“Compartilhar a dor”
Presidente do Fórum de Apoio às Comunidades Rurais e Ribeirinhas de Manaus (Fopec), o pescador Francisco Carlos, conhecido na região como “Peba”, afirmou que eventos como este seminário são importantes para que as comunidades ribeirinhas “compartilhem sua dor”. “São nesses momentos que podemos levantar nossas reivindicações, expor as nossas lutas. Nós, que vivemos em comunidades rurais e não temos muito acesso à informação, temos que aproveitar todos os momentos que pudermos para fazer isso. Em fóruns como esse, a gente vem compartilhar a nossa dor e buscar soluções que ajudem a todos”, declarou.
Presidente do Fórum de Apoio às Comunidades Rurais e Ribeirinhas de Manaus (Fopec), o pescador Francisco Carlos, conhecido na região como “Peba”, afirmou que eventos como este seminário são importantes para que as comunidades ribeirinhas “compartilhem sua dor”. “São nesses momentos que podemos levantar nossas reivindicações, expor as nossas lutas. Nós, que vivemos em comunidades rurais e não temos muito acesso à informação, temos que aproveitar todos os momentos que pudermos para fazer isso. Em fóruns como esse, a gente vem compartilhar a nossa dor e buscar soluções que ajudem a todos”, declarou.
Para o Coordenador de Criação de Unidades de Conservação do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Marcelo Cavallini, seminários como o promovido pela Rede Rio Negro são importantes para que o Governo Federal ouça e tome ciência das grandes questões que afligem determinadas populações. “Nossa participação em fóruns como esse são uma contrapartida, é onde nós ouvimos o que as pessoas dizem e informamos como estão os processos que existem hoje para essas áreas”, afirmou.
Debates devem virar livro
Cada painel realizado durante o evento teve seus próprios encaminhamentos, de modo que surgiram, ao longo do seminário, várias demandas: cartas de apoio e cobrança a autoridades públicas; agendamento de novas reuniões para discutir temas específicos; possibilidades de novas visitas a determinados locais da Bacia do Rio Negro. Existe ainda a proposta de que as falas e debates do seminário sejam formatados e tornem-se o conteúdo de uma publicação.
A Rede Rio Negro, a realizadora do seminário, tem o objetivo de debater propostas para a conservação, o uso sustentável e a repartição de benefícios proporcionados pela Bacia do Rio Negro. A Rede existe desde 2003 e é formada pela Fundação Vitória Amazônica (FVA), Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), Instituto Socioambiental (ISA), Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya) e WWF-Brasil.