Vila Brasil, vilarejo de comerciantes no meio da floresta Amazônica

outubro, 20 2011

Moradores de vila que fica dentro do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque  falam francês, negociam em Euro e devem apoiar o uso público da unidade de conservação.
Por Ligia Paes de Barros, WWF-Brasil

Vila Brasil é um vilarejo com cerca de 90 casas localizada dentro do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no Estado do Amapá, há cerca de 5 horas de barco do centro da cidade de Oiapoque.

Situada nas margens do rio Oiapoque, que a separa da Guiana Francesa, e rodeada por uma imensidão de floresta, a vila não é habitada por ribeirinhos, como é de se esperar de uma comunidade isolada na Amazônia, mas por comerciantes. Aproximadamente nos anos 1930, a vila surgiu como um posto do Serviço de Proteção ao Índio, e hoje sobrevive das relações comerciais com a população da Guiana.

Os principais clientes são os indígenas que habitam Camopi, vila que fica do outro lado do rio Oiapoque, há menos de cinco minutos de barco de Vila Brasil. A moeda local é o Euro – a moeda dos indígenas que recebem auxílio do governo francês - e o francês é tão falado quanto o português por ali.

Os indígenas vão à Vila Brasil em busca de produtos que variam entre mandioca (€ 30, o saco) e armários (€ 230), passando por todo o tipo de quinquilharias oriundas do Suriname, como rádios de pilha, carrinhos de brinquedo, camisetas de times de futebol e DVDs, para citar alguns.

Em 2002, quando o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque foi criado, a comunidade já vivia no local. Apesar de parques nacionais serem unidades de conservação de proteção integral, ou seja, uma categoria que não permite a moradia de pessoas, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade reconheceu o direito da população de permanecer na área mediante certas condições.

A decisão da permanência foi baseada nos estudos utilizados para a elaboração do Plano de Manejo do parque nacional, os quais apontaram que os impactos decorrentes da ocupação de Vila Brasil são mínimos, e ainda revelaram o potencial da mesma em contribuir para implementar a visitação pública na unidade de conservação.

Termo de compromisso
Para garantir que a permanência de Vila Brasil não afete as metas de conservação do Parque, está em andamento a elaboração de um Termo de Compromisso com a comunidade.  “O termo de compromisso vai definir o que pode e o que não pode ser feito e de que maneira. Por exemplo, a criação de animais, a área máxima para roça, o padrão de construção das casas, área de horta, etc.”, explicou a chefe substituta do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, Marcela de Marins.

 “Estamos tentando que o Ministério Público seja um mediador da elaboração do termo para dar uma garantia à população e deixar os moradores mais seguros de que serão respeitados”, adicionou a gestora.

“A elaboração e aprovação do termo de compromisso é um dos aspectos que o WWF-Brasil e a Ecosia pretendem apoiar na região. É fundamental que a comunidade e a equipe do parque nacional consigam elaborar um documento que contribua para uma convivência harmônica entre comunidade e natureza, de forma que ambos se beneficiem”, aponta a analista de conservação do WWF-Brasil, Mariana Ferreira.

Outro ponto que será contemplado no ‘Termo de Compromisso’ é a delimitação do terreno de cada morador. Em Vila Brasil, apesar de estar dentro do parque nacional e os moradores não terem escritura dos terrenos, eles têm acordos entre eles quanto a limites e propriedade das áreas e negociam compra, venda e aluguel dos terrenos e das casas.

O ‘mercado imobiliário’ da vila está inflacionado. Como não é permitido construir nenhuma casa sem autorização do ICMBio, que pouco depois da criação do parque cadastrou cada uma delas para ter maior controle da situação, os imóveis estão valorizados. Um exemplo é de Francisco de Assis, que ganhou uma casa no bingo por € 15 há alguns anos e aluga por € 80 mensais atualmente.

O uso público, a visitação, é uma das prioridades do ICMBio para Vila Brasil e o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Segundo o analista ambiental do ICMBio e Coordenador de Educação Ambiental e Articulação Institucional e Comunitária do parque, Paulo Russo, essa atividade está contemplada no Plano de Manejo, documento que estabelece diretrizes para a gestão da unidade de conservação e que está começando a ser implementado. “É uma estratégia de desenvolvimento que gera emprego e renda para todos e mostra que este é um espaço de todos”, afirmou Russo. 

 “O uso público é uma boa estratégia para o Parque. É uma presença na região que inibe atividades ilegais e uma possibilidade de aproximar a população da unidade de conservação. Não faz o menor sentido não aproveitar a estrutura da comunidade para receber o turismo, é estratégico que eles estejam aí”, afirma Marins.

Ivan Gomes, morador de Vila Brasil, já está preparado para receber os turistas. Ele é dono da única pousada da vila que, segundo ele, recebe visitantes durante o ano todo, tanto grupos de turistas, o que ainda é mais raro, como funcionários do governo da Guiana Francesa que não tem onde se hospedar em Camopi. “O turismo é um meio de vida que não causa nenhum problema para a floresta, por isso eu acho que é uma boa opção para Vila Brasil”, afirmou Gomes.


Ilha Bela e o garimpo na região
O garimpo de ouro é uma atividade que há décadas ameaça a floresta amazônica na região. O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, embora indiretamente, também sofre as conseqüências do garimpo.

Ilha Bela é um aglomerado de aproximadamente 200 casas que, assim como Vila Brasil, está localizado dentro dos limites do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. No entanto, a realidade das duas localidades é bem diferente.

Enquanto Vila Brasil já era uma comunidade estruturada quando o Parque Nacional foi criado em 2002, a grande maioria dos moradores de Ilha Bela se mudou para o local após a criação da unidade de conservação.

Além disso, primordialmente Ilha Bela é um entreposto dos garimpos de ouro existentes na Guiana Francesa, ou seja, seus moradores não são residentes fixos do local, mas se mudam frequentemente de acordo com a realidade da extração de ouro e dos garimpeiros, para quem fornecem alimentos e combustível.

Para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Ilha Bela é um desafio. “Não se pode generalizar dizendo que todos ali são garimpeiros ou trabalham para o garimpo, mas a realidade é que a vila não existia antes da criação do parque”, afirma a chefe-substituta do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, Marcela de Marins.  “Ilha Bela sempre foi invasão independente da criação do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, uma vez que antes era terra da União”, afirma Paulo Russo, analista do ICMBio, ao dizer que a permanência dos moradores no local é inviável.

Os moradores de Ilha Bela também estão organizados em uma associação de moradores e reivindicam a permanência no local.

Saiba mais sobre a viagem de campo à região do Tumucumaque aqui.

Vista de Vila Brasil a partir do rio Oiapoque, dentro do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
© WWF-Brasil/Luciano Candisani
Um dos armazéns de Vila Brasil, onde os produtos sao vendidos em Euro.
© WWF-Brasil/Luciano Candisani
Numeração das casas em Vila Brasil para controle do ICMBio
© WWF-Brasil/Luciano Candisani
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