Onças, macacos, capivaras e... garimpeiros

agosto, 07 2005

Após atravessar a cachoeira do Desespero, a expedição entrou em águas calmas. O destaque foi a visita que fizeram ao garimpo Cruzado, o que ensejou uma reflexão sobre este problema amazônico. Abaixo, o relato do coordenador do Programa Áreas Protegidas do WWF-Brasil, Cláudio Maretti.

Havíamos, ontem, transposto os dois batelões Laura e Flávia e a catraia Comaru para a parte de cima da cachoeira, com muito esforço físico e também engenhosidade. Depois de atravessar a cachoeira do Desespero, ou Macacoara, o rio mudou completamente. Justamente porque ela representa um nível de base regional, acima dela o rio é calmo e meandrante. Hoje, não mais tivemos corredeiras para transpor. A viagem foi muito mais tranqüila até o meio dia.

Amanhece freqüentemente com neblina aqui, ou com as nuvens baixas. Nesse período vimos muitos animais, como uma suçuarana que atravessou o rio em nossa frente, mais casais de arara, desta vez azul e amarelas, capivaras em ilhas do caminho, macacos-aranhas e guaribas (ou bugios) pelas árvores das margens. Na caminhada pela mata, durante a tarde, foram avistados mais macacos. Mas o grande destaque certamente foi uma pantera, ou onça negra.

Essa caminhada da tarde mostrou também uma floresta belíssima, com árvores muito imponentes, como o angelim, que sempre é proeminente vista de longe, e a sumaúma, uma das árvores símbolo da Amazônia - muito embora também ocorra na costa ocidental da África, onde trabalhei por vários anos, o que segundo Christoph Jaster, chefe do parque nacional, é uma das provas de que os continentes estiveram unidos num passado remoto.

Essa caminhada, no entanto, tinha outra razão: "visitar" um garimpo ilegal. A identificação do local é um porto meio escondido que, procurando com atenção, avistamos atrás de uma ilha próxima da margem esquerda do rio, à direita de quem sobe. Como o objetivo era conhecer e informar os garimpeiros, decidimos que Christoph iria com Arraia e Orlando na frente, duas caras regionais que não assustariam. O restante da equipe, o pessoal do Batalhão Ambiental, como segurança, e os que documentam a expedição - o jornalista norte-americano Gary Streiker, o fotógrafo brasileiro Zig Koch e eu - seguiriam depois.

Como previsto, essa forma de chegar não os assustou. Ao contrário, também como previmos desde o planejamento da expedição, nossa chegada não foi nenhuma surpresa para eles. Na verdade, na fase de organização da expedição estabelecemos contatos no município de Laranjal do Jari, buscando pessoas que prestassem serviços para nós. Sabíamos que todos saberiam de nossa vinda, pois são os mesmos que trabalham para os garimpos. Um deles caminhava até o porto quando chegamos. Não havia dúvida: eles nos esperavam.

Minha interpretação da estratégia do chefe do parque é que, neste momento, ele busca um melhor conhecimento sobre a situação dos garimpos - onde estão, qual o seu tamanho e estrutura, se estão funcionando, que tipo de gente trabalha neles. E começa a avisá-los de que no parque nacional não é possível garimpar.

A área do garimpo Cruzado não é tão grande, embora o estrago seja significativo. Segundo alguns dos garimpeiros, ouro não está dando muito mais, e estão retrabalhando restos do garimpo de 20 anos atrás. Segundo Francisco, mais conhecido como "Chico Cabeça", eles tiram de 70 a 100 gramas de ouro por semana, com nove pessoas trabalhando. Pagam R$ 500 a R$ 700 por semana para Ruth, a viúva do Adonias, "dono" do garimpo. Pagam cerca de 77 gramas por cada vôo para receber gêneros alimentícios, combustível e demais itens para as máquinas e enviar o ouro para a venda na cidade. Tudo somado, o grama do ouro vale R$ 26/27. O que significa que não sobra muito para eles. Segundo dizem, são do Maranhão e têm família em Boa Vista, Roraima, mas não dá para viajar para ver a família há anos.

Segundo informações recebidas, os garimpos mais importantes nesta região estão fora do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (PNMT). Chico comenta que muitos garimpeiros foram para a Guiana Francesa, Suriname e Guiana. De fato, quanto estive na Guiana Francesa, em 2003, e quando outros do WWF-Brasil lá estiveram, em 2004, pudemos tomar conhecimento de muitos garimpeiros no interior. Nessa região, os garimpeiros brasileiros são sobretudo ilegais, fazendo o trabalho sujo, não raro a mando dos próprios franceses guianenses.

O fato é que precisamos de uma estratégia regional, unindo Brasil, Guiana Francesa e Suriname, além da Guiana, para lidar com o assunto. O WWF-Brasil colabora com a rede WWF no apoio à criação do "Parc du Sud de la Guyane", na Guiana Francesa, o que constituiria, com o PNMT e outras áreas, um importante um corredor de conservação multilateral. O WWF-Guianas também faz estudos sobre a mineração de outro nas três Guianas, propondo minimização de impactos.

A equipe do PNMT deu seu recado: estamos implementando "prá valer" este parque nacional, o maior do mundo, e começamos com contatos amigáveis pedindo para vocês se retirarem. No futuro, algo poderá ser diferente.

Capivara na margem do rio Jari
© Zig KOCH
Tempestade tropical espreita o rio Jari
© Zig KOCH
Francisco Paulo, o "Chico Cabeça", dentro do barracão do garimpo Cruzado, que funciona dentro do parque nacional
© Zig KOCH
Destruição causada pelo garimpo Cruzado, dentro do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
© Zig KOCH
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