Visita às aldeias wajãpi do rio Inipuku

agosto, 03 2005

Nos dias 3 e 4 de agosto, uma parte da expedição subiu o rio Inipuku, afluente do Jari que delineia a fronteira entre a Terra Indígena Wajãpi e o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (PNMT), a fim de levar lanchas que auxiliarão os índios na vigilância dessa área. Essa etapa da expedição foi marcada pelo aprofundamento do diálogo entre índios e os gestores do PNMT, visando definir ações comuns que incrementem a fiscalização das duas áreas. Abaixo, o coordenador do Programa Áreas Protegidas do WWF-Brasil Cláudio Maretti faz um relato dessa experiência, reunindo informações fornecidas por Eudimar dos Santos Viana, o "Nego", Marcelo Creão (WWF-Brasil), Christoph Jaster e Cristiano Fernandes Ferreira (Ibama).
Ficamos dois dias sem comunicação e, neste período, subimos e descemos o rio Inipuku com os índios wajãpi, acompanhados do Ibama e de alguns participantes da expedição.
Os Waiãpi mostraram ao Ibama aldeias e roças ao longo do rio Inipuku, para onde levamos suas três voadeiras (lanchas) de aproximadamente seis metros com motores de popa de 15 hp, fornecidas há um ano pelo Programa Demonstrativo dos Povos Indígenas (PDPI), do PP-G7, mas que nem o programa nem os índios conseguiram meios de trazê-las. Essas voadeiras vão se juntar aos rádios, baterias e painéis solares já instalados anteriormente, com o apoio da Fundação Nacional de Saúde, para ajudar na vigilância da área.

Todas as três lanchas foram conosco até um ponto chamado Kamuta, onde chegamos à noite. Passamos por roças antigas e recentes, como Myrysi'ypy, local aberto recentemente, onde eles vão plantar este ano e pretendem ocupar proximamente, e Okarã, local de ocupação recente, mas sem plantio e, portanto, em vias de abandono assim que o outro estiver com o mandiocal produzindo. Outro local importante no caminho é Jururu'ywyry, local de plantio e moradia do grupo liderado por Ajãreaty, também conhecida como Nazaré, e Marãte, que acompanharam a expedição desde o início.

Saímos, como de costume perto das oito horas da manhã da aldeia Mukuru e deveríamos ter parado perto das 16 horas, pois mais que isso fica tarde para montar acampamento e nos instalarmos. No entanto, por volta desse horário, fomos convidados pelos Wajãpi que nos acompanhavam, sobretudo Puku Wajãpi, a continuarmos até Kamuta e lá dormirmos - assim, não precisaríamos procurar local e armar acampamento, já que armaríamos nossas redes nas casas deles. Aceitamos o convite e lá chegamos às 18h55.

Fomos bem acolhidos, nos foram oferecidas duas casas, onde instalamos nossa cozinha e nossas muitas redes - éramos 16, além dos seis índios e da Kátia, assessora do Iepé, ONG que assessora os índios há muitos anos. Os Wajãpi que estavam em Kamuta - uma família com seus outros parentes, incluindo um neto de Wai-Wai, líder tradicional que nos acompanhou até essa aldeia -, além de nos terem recebido, também acolheram seus amigos e outros Wajãpi. Ofereceram-lhes caxiri, uma bebida à base de mandioca, fermentada a partir da mastigação das mulheres wajãpi, e fizeram reuniões e muitas conversas.

Uma atração foi o "cineminha" na aldeia: à noite, todos os que levaram câmeras fotográficas digitais procuram descarregar nos computadores disponíveis. Praticamente todos os participantes da expedição se achegam ao redor dos "operadores" do computador e assistem à "sessão" de descarregamento e passagem das fotografias.

Após o despertar, muito cedo, inclusive por conta dos Wajãpi já terem se levantado e estarem conversando no rádio com outras aldeias, e dos preparativos matinais, Ibama e os Wajãpi iniciaram uma importante reunião com vistas à cooperação entre eles para o controle das duas áreas - o parque e a terra indígena.

Christoph Jaster, servidor do Ibama e chefe do Parque, acredita que essa reunião foi "o início de uma conversa importante", da qual destacou o clima de entendimento, representado pelos interesses comuns que ficaram evidentes, isto é, com todos entendendo a necessidade de trabalharem juntos. Nesta ocasião, segundo Jaster, "não se poderia tomar maiores decisões, mas ficaram claras as intenções de cada parte, como uma somatória de interesses com uma causa comum, para evitar a invasão de terceiros".

Depois do diálogo entre os representantes do Ibama e dos Wajãpi, todos participaram de uma reunião de despedida. Arraia, líder da comunidade de São Francisco do Iratapuru, agradeceu a participação e colaboração de todos. Também expressou interesse e disponibilidade em colaborar com os índios. Waraku Wajãpi manifestou interesse de cooperação com os castanheiros do Iratapuru para aprenderem a construir grandes embarcações de madeira, como os batelões usados pela expedição.

Em nome do WWF-Brasil, expressei nosso contentamento em colaborarmos para esse entendimento. Destaquei nosso apoio ao Arpa, o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia, do governo federal; nossa colaboração direta com o Ibama, como neste caso do PNMT, e lembrei que já colaboramos com o Governo do Estado, com quem assinamos um protocolo de intenções de apoio ao Corredor de Biodiversidade do Amapá. Mencionei que estamos em trâmites para um acordo de cooperação que, entre outras coisas, deve apoiar a elaboração do plano de manejo da RDS do Rio Iratapuru.

Puku Wajãpi, designado como porta-voz dos índios nesta expedição, foi entrevistado pelo jornalista Gary Streiker, que prepara um documentário sobre esta experiência. Puku disse que esta expedição foi muito importante para estabelecer um diálogo com o Ibama. "A maior preocupação que temos é com a invasão dessas áreas pelos garimpeiros, que sujam a água e poluem com mercúrio. Não é só por nós que reclamamos, mas porque essa poluição faz mal também aos animais, aos peixes, ou seja, prejudicam a natureza".

Depois das reuniões, uma voadeira foi deixada em Kamuta. Junto com ela, WWF-Brasil e Ibama ofereceram combustível e peças para uso dessa embarcação. Importante foi a presença do sargento René, do Batalhão Ambiental do Amapá, revisando os motores e dando explicações sobre a sua manutenção aos Wajãpi. Uma segunda voadeira foi deixada em Jururu'ywyry, com Ajãreaty e Marãte. A terceira regressou à aldeia Mukuru com Waraku e outros índios. Marcelo Creão, coordenador da expedição pelo WWF-Brasil, afirmou que "com este objetivo específico alcançado, estamos com a sensação do dever parcialmente cumprido, pois a expedição tem ainda outros objetivos".

Conheça mais sobre os Wajãpi

Wajãpi é o nome utilizado para designar os índios falantes desta língua Tupi que vivem na região delimitada pelos rios Oiapoque, Jari e Amapari, no estado do Amapá. Os Wajãpi ganharam destaque na imprensa nacional em novembro de 2003, quando receberam um título da Unesco por seu esforço em manter o repasse oral, entre as gerações, de seus ricos grafismos tradicionais. A premiação decorre de atividades educativas visando o fortalecimento cultural e político do grupo, que conta com o apoio da ONG Iepé - Instituto de Pesquisa e Formação Indígena.

A história dos Wajãpi foi marcada por constantes deslocamentos em busca de refúgio diante do avanço da sociedade nacional. Originários do baixo rio Xingu, protagonizaram, ao longo dos séculos 19 e 20, um processo de migração em direção ao norte, cruzaram o rio Amazonas e se instalaram nas terras firmes recobertas por florestas do interior do Amapá.

Viveram em relativo isolamento até o início da década de 1970. Em 1973, foram compulsoriamente contatados pela Funai, que visava sedentarizá-los para permitir a passagem da rodovia BR-210, a Perimetral Norte. Em 1976, quando a construção da estrada foi interrompida, os Wajãpi viviam as conseqüências do contato e da invasão de suas terras por caçadores e garimpeiros: doenças desconhecidas, dependência de agências governamentais ou religiosas, degradação de seu meio ambiente e perdas territoriais.

Nos anos 1980, iniciaram um processo de recuperação de suas formas tradicionais de ocupação territorial. Com o apoio do Centro de Trabalho Indigenista, ong com sede em São Paulo, perambularam por gabinetes de Brasília e inclusive do exterior, reivindicando a demarcação de suas terras. No início dos anos 1990, conseguiram incluir a demarcação de parte de sua área tradicional como um projeto-teste, financiado pelo governo alemão no âmbito do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PP-G7). Em março de 1996, celebraram a conclusão da demarcação da Terra Indígena Wajãpi, com 607 mil hectares.

A demarcação reforçou a possibilidade de manter o padrão de dispersão das famílias wajãpi, invertendo a tendência de sedentarização incentivada duas décadas antes. Desde então, vêm aprimorando mecanismos de controle territorial e combate a invasões, executados pelo Conselho das Aldeias Wajãpi - Apina, tendo inclusive um projeto com tal finalidade apoiado pelo Programa Demonstrativo dos Povos Indígenas (PDPI), do PP-G7. A criação do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque tem sido vista pelos índios como uma oportunidade a mais para reforçar a proteção de suas terras. (Fontes: Instituto Socioambiental e Dominique Gallois/ NHII USP)
Integrantes da expedição carregam voadeira sobre uma das corredeiras do rio Inipuku
© Zig KOCH
"Cineminha" ao anoitecer na aldeia Kamuta, Terra Indígena Wajãpi
© Zig Koch
Christoph Jaster e representantes wajãpi, reunidos na aldeia Kamuta, falam sobre cooperação para fiscalizar a região
© Zig Koch
Casa Wajãpi na aldeia Kamuta
© Zig KOCH
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