Exploração de petróleo: riqueza latente ou poço sem fundo?

dezembro, 07 2020

Ao subsidiar a exploração, o país aprofunda seu retrocesso para um crescimento desigual
Ao subsidiar a exploração, o país aprofunda seu retrocesso para um crescimento desigual 

Por Livi Gerbase e Ricardo J. Fujii
Valor Econômico


Vários países discutem as ações a serem tomadas para estimular a retomada econômica pós-Covid-19. A situação é vista por muitos como uma oportunidade de estimular atividades que estão em linha com a economia de baixo carbono e o desenvolvimento inclusivo, diretrizes importantes para qualquer sociedade que queira entrar no século XXI de forma consistente. Se incentivos públicos e vultosos investimentos são necessários para recuperar a economia, que sejam realizados tendo-se em vista o futuro que almejamos. 

O Brasil tem boas razões para adotar essa estratégia: temos diversas vantagens competitivas na migração para uma economia de baixo carbono, em particular na adoção de fontes renováveis de energia. Os custos de produção são inferiores aos da maioria dos países e há abundância de alternativas em todo o território. Novas tecnologias estão em franco desenvolvimento, o que aumentará a versatilidade dessas opções. Por isso, não faz sentido que o governo promova investimentos para prospecção de petróleo e gás em fronteiras exploratórias, regiões onde há pouca informação geológica e, consequentemente, alto risco que acarretam maior chance de insucesso. 

Infelizmente é isso que está sendo feito com o 2º ciclo de oferta permanente de blocos para a exploração de petróleo e gás, cuja sessão pública de apresentação de ofertas está marcada para o início de dezembro. O estímulo a investimentos na exploração de petróleo e gás, notadamente em fronteiras exploratórias, faz com que sejam alocados recursos em atividades de capital intensivo que podem se manter ativos por décadas.  

Ocorre que esses investimentos vão de encontro à tendência global de redução da exploração de reservas petrolíferas. A Agência Internacional de Energia publicou um estudo indicando que 59% das reservas provadas mundiais de petróleo não serão exploradas num cenário de combate às mudanças climáticas. 

A perspectiva de ver seus ativos em petróleo e gás sofrerem uma desvalorização intensa e irreversível é algo que preocupa todas as empresas do setor energético, razão pela qual elas intensificaram o processo de diversificação de seu portfólio nos últimos anos. 

Se nem as empresas petrolíferas querem micar com ativos encalhados, por que o Brasil faria disso uma política pública? Além de fomentar uma atividade de longo prazo cada vez menos atrativa, a realização de leilões de áreas em fronteiras exploratórias imobiliza recursos que deveriam ser alocados para a expansão da geração de energia renovável, cada vez mais barata e ao mesmo tempo valorizada pelos benefícios ambientais e sociais a ela associada. 

Um dos argumentos pela exploração do petróleo é que, apesar de ser um investimento sem boas perspectivas de longo prazo, ele gera riqueza hoje, criando empregos e distribuindo renda. Mas essa é uma visão imprecisa do setor: entre o leilão e o início da produção várias etapas exploratórias devem ser vencidas, o que pode levar até quinze anos, sem nenhuma garantia de que haja petróleo em condições adequadas para produção. Essas etapas consomem boa parte dos subsídios destinados ao setor de petróleo e gás, da ordem de R$ 23 bilhões ao ano – média dos incentivos dos últimos três anos calculados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC). 

Os subsídios acarretam uma série de distorções no mercado. Eles possibilitam a expansão da exploração para áreas que seriam inviáveis sem eles; atraem empresas estrangeiras para o país, que procuram lucros garantidos em um contexto de declínio do setor globalmente, dificultam a expansão das energias alternativas no Brasil. 

Além disso, os subsídios ao setor limitam o financiamento de políticas sociais. O Repetro, maior incentivo tarifário e alfandegário ao setor do país, possibilita a isenção do PIS-Cofins, Imposto de Importação e Imposto de Produtos Industrializados para compra de produtos a serem utilizados na produção de petróleo e gás.  

Na prática, isso significa a queda, em bilhões de reais anuais, das transferências da União para Estados e municípios e o financiamento da seguridade social (previdência, saúde e assistência social). E o Repetro, regime existente desde 1999 e que em 2017 foi renovado até 2040, nem é contabilizados pela Receita em seu cálculo anual de estimativa de incentivos fiscais. 

Quando ouvimos sobre o déficit da previdência e o subfinanciamento do SUS, precisamos entender que a queda do financiamento dessas políticas sociais tem também como causa a estrutura de incentivos fiscais no Brasil, que retira dessas políticas dezenas de bilhões de reais por ano. 

A questão dos royalties 

Para contrabalancear a queda na arrecadação do governo, as empresas do setor frequentemente mencionam a arrecadação de royalties, a qual pode ser revertida em investimentos para o bem-estar da população. Infelizmente, há barreiras para a utilização eficaz dos royalties à promoção do desenvolvimento. 

A primeira delas é a inconstância nos fluxos de pagamento de royalties: como eles dependem da cotação internacional do petróleo, da taxa de câmbio entre dólar e real e da produção mensal de petróleo em uma dada localidade, esses valores variam severamente de ano a ano e até de mês a mês, impedindo o planejamento de sua utilização pela administração pública. 

A segunda é a dificuldade de estruturar políticas para compensar os impactos locais da atividade petrolífera sobre o ambiente e a população, especialmente no nível municipal, uma vez que as prefeituras geralmente não possuem corpo técnico para esse desafio. 

É comum que os recursos sejam usados em atividades com pouca relação com esses impactos, às vezes com claros sinais de desperdício. Além disso, há municípios cuja participação dos royalties no orçamento anual supera 70%; mesmo o estado do Rio de Janeiro chega a ter uma dependência superior a 20%.  

Essa dependência pode levar a armadilhas fiscais que explodem quando a arrecadação cai. O tema é tão explosivo que levou a disputas no Congresso Nacional e à suspensão em 2013 no Supremo Tribunal Federal da Lei 12.734/2012, que alterava a distribuição de royalties, pendente de julgamento até hoje. 

Existem diversos estímulos para a retomada econômica que contribuem com o meio ambiente, o desenvolvimento humano e o combate às mudanças climáticas. Ao subsidiar a exploração, propor novos leilões e depender dos royalties do petróleo, o país abre mão de recuperar a economia olhando a sociedade do século XXI e aprofunda seu retrocesso para um crescimento desigual e com baixa qualidade de vida. Escolheu-se procurar riquezas em poços que podem se mostrar sem fundo. 

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Livi Gerbase é mestra em Economia Política Internacional pela UFRJ e assessora política do Instituto de Estudos Socioambientais. 

Ricardo J. Fujii é engenheiro, doutor em sustentabilidade energética e responsável pela estratégia de transição energética no WWF-Brasil. 
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