Homologação de três novas Terras Indígenas é motivo de comemoração, mas é preciso avançar muito mais

dezembro, 05 2024

Com assinatura de decretos de homologação das TIs Monte-Mor, na Paraíba, e Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, ambas em Santa Catarina, governo federal chega a 13 territórios homologados. O WWF-Brasil saúda esses avanços, mas todos eles estão ameaçados enquanto persistir a Lei do Marco Temporal
O WWF-Brasil celebra o anúncio da homologação de três novas Terras Indígenas (TIs) realizado pelo governo Federal nesta quarta-feira, 4. Mais que um ato simbólico, realizado às vésperas do aniversário de 57 anos da Funai, o anúncio é mais um passo concreto para a conservação dos biomas brasileiros, o enfrentamento à crise climática e a proteção dos povos originários. 

Contudo, ainda é preciso avançar mais nessa agenda, garantindo a regularização, proteção e demarcação definitiva de todos os territórios, de modo a assegurar a sobrevivência física e cultural dos povos originários. Para tanto, é fundamental agir com urgência para revogar a lei inconstitucional do Marco Temporal (Lei 14.701/2023), aprovada pelo Congresso Nacional - um retrocesso que desencadeou uma escalada de violência contra os povos indígenas.

Os três territórios homologados são a TI Monte-Mor, na Paraíba, e as TIs Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, ambas em Santa Catarina. Com a assinatura dos três novos decretos de demarcação pelo presidente Lula e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, o governo soma 13 TIs homologadas desde o início da gestão e se aproxima do compromisso assumido durante o governo de transição, em 2022, quando foram identificadas 14 TIs que não possuíam pendências em seus processos e estavam prontas para homologação. 

A TI Monte-Mor, localizada nos municípios de Marcação e Rio Tinto, na Paraíba, possui mais de 7,5 mil hectares e abriga cerca de 7 mil indígenas Potiguara em seis aldeias. As tratativas para sua demarcação já se estendiam por 20 anos. A TI Morro dos Cavalos, na cidade de Palhoça (SC), tem área de 1.983 hectares e 200 habitantes Guarani Mbya e Nhandeva. A TI Toldo Imbu, em Abelardo Luz (SC), possui 1.960 hectares e é habitada por 731 pessoas da etnia Kaingang.

A homologação é o penúltimo passo no processo de demarcação dos territórios, sendo feita antes do registro em cartório. De acordo com o governo, porém, ainda é preciso concluir a desintrusão das áreas nas novas TIs homologadas.

O WWF-Brasil reconhece a importância da homologação das 13 TIs - que ajudam a reduzir um enorme passivo, já que as demarcações haviam sido congeladas entre 2018 e 2023 -, mas alerta que ainda há mais de 200 territórios com processos demarcatórios pendentes, e quase 500 reivindicados sob análise inicial pela Funai. Outra necessidade imediata é assegurar a proteção das TIs, que sofrem com invasões, grilagem, garimpo, exploração madeireira, caça e pesca ilegais. Por fim, é fundamental que haja avanços mais significativos na implementação de políticas públicas para as comunidades, garantindo acesso a saúde, moradia, educação, crédito para agricultura e cadeias produtivas diversas.

Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal reconheceu os direitos territoriais indígenas como “cláusulas pétreas” da Constituição Federal e declarou inconstitucional a tese do Marco Temporal, que estabelecia que os povos indígenas só poderiam ocupar as terras que já ocupavam em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição. Logo em seguida, à revelia do julgamento, o Congresso Nacional incluiu na lei 14.701/23 o Marco Temporal como critério para a demarcação de terras indígenas, além de um conjunto de dispositivos legais que, na prática, buscam inviabilizar novas demarcações.

Com a insegurança jurídica que se seguiu à lei do Marco Temporal, a violência contra os direitos indígenas se intensificou. Só em 2023, segundo o Conselho Indigenista Missionário  (CIMI), foram registrados 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio em pelo menos 202 territórios indígenas em 22 estados do Brasil. Mais de 200 indígenas foram assassinados naquele ano, um aumento de 15% em comparação ao ano anterior. 

No Senado Federal, tramitam vários projetos anti-indígenas, como as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que insere o Marco Temporal no texto da Carta Magna, a PEC 59/2023, que transfere a competência sobre demarcações da União para o Congresso Nacional, a PEC 10/2024, que libera o arrendamento de terras e práticas agropecuárias aos indígena, a PEC 132/2015, que prevê a indenização de invasores de TIs, além dos Projetos de Lei 6050/2023 e 6.053/2023, que liberam as atividades de mineração e garimpo em TIs.

Estudos mostram que territórios indígenas demarcados e devidamente protegidos são sinônimos de floresta em pé e queda no desmatamento, desempenhando um papel fundamental para a manutenção do modo de vida e cultura dos povos, assim como manutenção da biodiversidade. Preservadas, essas áreas promovem ainda o engajamento ambiental e colaboram direta e indiretamente com a saúde da população.

Os povos originários são reconhecidamente guardiões dos biomas e seus modos de vida e seus conhecimentos ancestrais contribuem para a conservação dos biomas, sendo fundamentais para conter o avanço das mudanças climáticas. A demarcação desses territórios, portanto, constitui peça-chave no combate ao aquecimento global.

A demarcação de Terras Indígenas é um direito ancestral previsto na Constituição Federal e, além de ser um elemento central na luta pelos direitos dos povos originários, é também fundamental para a manutenção da democracia brasileira. Sem demarcação, quem mais se beneficia são grileiros, garimpeiros e madeireiros. 

A discussão sobre o Marco Temporal é a pedra angular de todo o debate em torno da questão das demarcações e dos direitos indígenas. Enquanto a Constituição não for respeitada e a tese do Marco Temporal não for varrida de vez, todas as demarcações estão ameaçadas, incluindo as dos três territórios que acabam de ser homologados.
Com assinatura de decretos de homologação das TIs Monte-Mor, na Paraíba, e Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, ambas em Santa Catarina, governo federal chega a 13 territórios homologados.
© Jacqueline Lisboa / WWF-Brasil
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