Projeto “Juntos pela Amazônia” ajuda a conservar mais de 145 mil hectares de florestas

junho, 07 2024

Iniciativa de revitalização da cadeia produtiva da borracha nativa leva benefícios socioeconômicos e ambientais a uma das regiões mais pressionadas por desmatamento no bioma
Por Solange Azevedo, do WWF-Brasil, de Canutama (AM)

A retomada da cadeia de borracha nativa era um sonho antigo de Damião Santana de Oliveira, de 84 anos. “Não falei que criei esses meninos tudinho cortando seringa? Era o que eu mais gostava de fazer. Só não volto para o mato porque não tenho mais resistência”, diz. Ele aprendeu o ofício com o pai, ensinou aos filhos, que repassaram aos netos. Hoje, seus descendentes fazem parte das 500 famílias envolvidas em uma iniciativa do WWF-Brasil em parceria com o Memorial Chico Mendes, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), ​a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (​USAID​ Brasil), o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a Michelin Brasil e a Fundação Michelin.

A iniciativa contribuiu com a conservação de mais de 145 mil hectares na Amazônia e gerou um impacto ambiental positivo de mais de 1,3 milhão de hectares nas quatro unidades de conservação e cinco municípios do Amazonas em que as atividades são realizadas: Canutama, Pauini e Manicoré, no Sul do estado; Eirunepé, no Sudoeste, nas proximidades do Vale do Javari; e Itacoatiara, na região metropolitana de Manaus. 

Em 2023, mais de 130 toneladas de borracha foram produzidas e vendidas, gerando R$ 1,8 milhão de renda para os participantes. Ricardo Mello, gerente de Conservação do WWF-Brasil, destaca que o objetivo é fortalecer a cadeia produtiva da borracha e, ao mesmo tempo, fomentar o desenvolvimento socioambiental da região amazônica, preservando a natureza e fortalecendo povos indígenas e comunidades tradicionais, com remuneração justa aos trabalhadores. “O envolvimento do setor privado nas cadeias produtivas da sociobiodiversidade tanto da Amazônia quanto dos outros biomas brasileiros é fundamental”, acrescenta.

Esse formato de coleta de borracha nativa da Amazônia, uma das principais cadeias produtivas para a geração de renda de forma sustentável na região, é uma solução climática que conserva a floresta em pé por meio da participação ativa das comunidades locais. E o fortalecimento dessa cadeia é essencial porque gera uma rede robusta que conecta pessoas, biodiversidade, clima, território, negócios e oportunidades. Também traz aos moradores uma alternativa à pressão de uma economia baseada no desmatamento. Há seringueiros que abandonaram ocupações como a mineração, percebendo que seu trabalho não só gera renda e poder de compra para as comunidades locais, mas também ajuda a manter a Amazônia em pé.

A seringueira (Hevea brasiliensis) é uma árvore nativa da região amazônica e se reproduz naturalmente nesse bioma. E a borracha nativa, por ser produzida na estrutura da floresta, oferece, além do produto borracha, serviços ambientais como regulação climática, produção de água e serve como abrigo para a diversidade biológica.

De acordo com o Relatório Amazônia Viva 2022, elaborado pelo WWF, 18% das florestas amazônicas foram completamente perdidas e 17% estão degradadas. Estimativas realizadas por modelagem indicam que, quando alcançarmos de 20% a 25% de desmatamento no bioma, a floresta pode atingir o chamado ponto de não retorno: um estágio de degradação que a levará à perda da sua capacidade de resiliência e regeneração, com uma série de consequências não só para o bioma e para as regiões próximas à floresta, mas para o mundo todo. É preciso interromper essa destruição.

Para isso, o WWF-Brasil trabalha ao lado de organizações parceiras na Amazônia em soluções para o desenvolvimento sustentável porque a floresta em pé, além de ser crucial para garantir a sobrevivência do planeta, é capaz de gerar renda para as comunidades locais. O fortalecimento da cadeia da borracha, com a reinserção de famílias como a de Damião Santana de Oliveira na atividade produtiva, em uma das áreas mais ameaçadas por crimes ambientais no bioma, é uma das soluções mais promissoras atualmente. 

A borracha no passado, presente e futuro

O ciclo econômico da borracha teve o seu auge no Brasil entre os anos 1870 até por volta de 1912. A riqueza produzida, porém, ficou concentrada em poucas mãos. Assim como no pico seguinte, durante a Segunda Guerra Mundial (1941-1945). 

Apesar de a seringueira ser nativa da Amazônia, a árvore foi sendo cultivada fora do Brasil, especialmente no sudeste asiático, tornando-se uma commodity internacional, com flutuação diária nas bolsas de valores, impactando significativamente a vida e a renda dos povos da floresta amazônica. Hoje, o formato de monocultura se popularizou em outras regiões do Brasil e internacionalmente.

Atualmente, no Brasil, os seringueiros que moram nas quatro Resex (Reservas Extrativistas) envolvidas no projeto “Juntos pela Amazônia - Revitalização da cadeia extrativa da borracha” têm a compra garantida e negociada a um preço justo.

Tanto que, na composição do preço da borracha vendida, foi considerado não apenas o valor de mercado similar ao látex coletado em florestas plantadas no Brasil. Foram adicionados também bônus referentes à sustentabilidade, comércio justo e prestação de serviços ambientais, como a conservação da Amazônia. Assim como uma quantia para manter funcionando a estrutura e a mobilização das associações envolvidas no projeto. Os produtores ainda tiveram apoio para acessar o subsídio estadual de R$ 2 por quilo produzido e três dos cinco municípios onde o projeto atua também garantiram R$ 1 de subsídio por quilo – os outros dois prometeram a subvenção para 2023. 

Uma alternativa à economia baseada no desmatamento

Aquela é uma região que merece atenção redobrada. Canutama, o 10º município que mais perdeu floresta entre dezembro de 2021 e 2022 em toda a Amazônia Legal, está localizado no Sul do Amazonas, a área mais pressionada por crimes ambientais no Estado e uma das mais críticas em toda a Amazônia. De lá para cá, com a adoção de uma série de medidas de fiscalização e controle colocadas em prática pelo novo Governo Federal, o desmatamento começou a diminuir.

“A escolha do Sul do Amazonas como parte desse trabalho de retomada da cadeia da borracha é importantíssima para a estratégia de conservação da Amazônia”, alega Jhassem Siqueira, analista de Sustentabilidade do Memorial Chico Mendes, uma das organizações parceiras do projeto e que é ligada ao Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). “Essa é uma região que, no passado, alimentou a economia do Estado com produtos da sociobiodiversidade e a atuação incansável de pessoas que têm sua cultura e seu modo de vida atrelados à floresta viva. É muito triste ver todo esse potencial sendo destruído para dar lugar a commodities como soja e gado. Ao revitalizar a atividade da borracha, também estamos incentivando o uso múltiplo e sustentável da floresta, fortalecendo outros produtos não madeireiros, como castanha, copaíba, andiroba e murumuru”.

O prefeito Zé Roberto (PSC) afirma que já percebe mudanças na economia do município, pois o látex e a castanha são os principais produtos florestais não madeireiros obtidos atualmente na região. “A borracha é muito importante porque é um produto certo. Pode ser extraída hoje, amanhã, no outro mês, no outro ano. A floresta passa a ser mais bem cuidada porque os produtores se tornam fiscais e não deixam degradar ou derrubar”, relata. 

Isso porque os moradores costumam se dedicar a atividades diferentes ao longo do ano, dependendo do clima e da disponibilidade dos produtos. A extração do látex, por exemplo, é feita no segundo semestre, na temporada seca. Já a safra da castanha, ao contrário, ocorre no período chuvoso. 

O sucesso desse projeto mostra a importância de desenvolver abordagens semelhantes em outras regiões do mundo ambientalmente ameaçadas.

Conheça os parceiros do WWF-Brasil nesse projeto

  • Michelin Brasil   
  • Michelin França   
  • Fundação Michelin
  • WWF-França   
  • CNS - Conselho Nacional das Populações Extrativistas  
  • Memorial Chico Mendes   
  • PPA - Plataforma Parceiros pela Amazônia  
  • Coiab - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
  • Imaflora - Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
  • Conab - Companhia Nacional de Abastecimento
  • Secretaria de Produção do Estado do Amazonas   
  • Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amazonas  
  • ADS - Agência de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas
  • Prefeitura de Canutama 
  • Prefeitura de Pauini
  • AMARGE - Associação de Moradores Agroextrativistas do Rio Gregório  
  • APAIGA - Associação de Produtores Agroextrativistas do Igarapezinho   
  • APROCRIA - Associação dos Produtores, Criadores e Extrativista do Amazonas   
  • ASPAC - Associação dos Produtores Agroextrativistas de Canutama   
  • ATAE - Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas de Eirunepé   
  • ATININGA - Associação dos Moradores Agroextrativistas da Comunidade de Terra Preta e São José do Lago do Atininga 
  • ATRAMP - Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Município de Pauini



A iniciativa contribuiu com a conservação de mais de 145 mil hectares na Amazônia
© Christian Braga - WWF-Brasil
O projeto gerou um impacto ambiental positivo de mais de 1,3 milhão de hectares
© Christian Braga - WWF-Brasil
Hand extracting rubber from a tree
Em 2023, mais de 130 toneladas de borracha foram produzidas e vendidas, gerando R$ 1,8 milhão de renda para os participantes
© Christian Braga / WWF-Brasil
Seringueiro no Amazonas
Esse formato de coleta de borracha nativa da Amazônia é uma solução climática que conserva a floresta em pé
© Christian Braga / WWF-Brasil
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