Indígenas seguem protagonistas na defesa e gestão de seus territórios

abril, 27 2023

Lideranças reiteram no ATL o papel dos povos originários como guardiões, mas pleiteiam fortalecimento de políticas públicas
Por WWF-Brasil 

A proteção de Terras Indígenas (TIs) é central para a redução do desmatamento, a conservação da biodiversidade e o combate à crise climática. E as ações de monitoramento dos territórios devem continuar a ser lideradas pelos próprios povos originários, destacaram lideranças presentes no Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena do país, que reúne nesta semana aproximadamente 6 mil representantes de mais 200 povos em Brasília.  

“Nos nossos territórios, fazemos nosso próprio monitoramento e vigilância e trabalhamos na autodemarcação. Essa tarefa é nossa e nós sabemos cuidar dos nossos territórios assim como sabemos cuidar dos nossos filhos”, declarou Maria Leusa Kaba Munduruku, uma das principais lideranças brasileiras contra o garimpo ilegal no Alto Rio Tapajós, no Pará, durante o painel “Demarcação como estratégia de proteção e monitoramento territorial”, no dia 25/04. 

Maria Leusa ressaltou que os sete territórios de sua região, onde vivem cerca de 14 mil indígenas Munduruku, têm sofrido invasões constantes e seu povo perdeu a liberdade de andar livremente. Ela mesma é ameaçada de morte. “Não é fácil a luta pela proteção do território. Mas vamos sempre resistir. Continuamos fazendo nosso monitoramento e continuam nos atacando. Pensavam que íamos desistir. Mas como é que uma mãe vai desistir de lutar pelo futuro de seus filhos? Mesmo se me matassem, outras mães iriam continuar essa luta. O território é nosso. Não vamos esperar iniciativas do governo, nós é que temos que cuidar”, acrescentou. 

Os povos indígenas sempre atuaram na proteção de seus territórios. É por isso que, apesar da crescente pressão, TIs têm funcionado como barreiras contra o desmatamento. Tanto que apenas 1,6% da perda de florestas e vegetação nativa no Brasil entre 1985 e 2020 ocorreu em terras indígenas, de acordo com dados do MapBiomas. E como a maior parte das emissões de gases de efeito estufa no Brasil são provenientes do desmatamento, a conservação de TIs é também fundamental para o combate à crise climática. 

Esperança e proatividade 

Apesar das dificuldades, a mudança de governo trouxe esperança aos indígenas. Presentes no ATL frisaram a necessidade de fortalecer a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que pela primeira vez está sob a presidência de uma indígena, a advogada e ex-deputada Joênia Wapichana. Mas, em vez de esperar que o fortalecimento aconteça, eles tomaram a iniciativa nessa luta. Foi o que disse Zenilda Kumaruara, presidente do Conselho Kumaruara, do Baixo Tapajós, no Pará.  

“Independentemente de governo, não estamos dormindo, esperando bolsas, esperando que nos deem de comer. Estamos lutando, fazendo a resistência pela demarcação, como estratégia de proteção do território. Sem demarcação, estamos perdendo acesso a políticas públicas. Mas estamos furando o cerco da burocracia. Já trabalhamos desde 2018 para termos guardiões indígenas fazendo a vigilância dos territórios. Para isso contamos apenas com o apoio de parceiros da sociedade civil, mas a luta é nossa”, relatou. 

Zenilda acredita que a Funai voltará a cumprir seu papel na defesa das TIs, em especial com a provável volta das demarcações. Mas que a retomada do órgão ainda vai demorar e os povos indígenas precisam assumir a dianteira dos processos. A avaliação é correta, a julgar pelo discurso de Joênia Wapichana, em outro painel realizado no mesmo dia no ATL. 

“Os R$ 600 milhões que a Funai teve aprovados neste ano no orçamento são insuficientes para atender à demanda dos povos indígenas e manter uma boa estrutura, de modo que os processos avancem. Mas não estamos parados, mesmo com esse orçamento baixo, estamos lutando para desengavetar processos de demarcação que estão parados há muito tempo. Precisamos também de recursos para pessoal, para bases de fiscalização nos territórios e que nossos agentes tenham poder de polícia”, afirmou a presidenta da Funai. 

Liderança do Sul do Amazonas, Wallace Apurinã, que foi nomeado recentemente vice coordenador do Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, também ressaltou o protagonismo indígena na proteção dos territórios e afirmou que os povos originários apoiaram a eleição do atual governo, mas que agora é hora de cobrar. 

“Na nossa região está acontecendo o que ocorreu em todas as outras: invasão de terras indígenas porque o governo não tem feito seu papel. Nós é que fazemos esse papel, assumindo a ideia de fazer não apenas a vigilância, mas a proteção em si. Agora, temos que apresentar uma pauta incisiva e cobrar o presidente e nossos deputados. O tempo acabou. Vamos mostrar que apoiamos o governo, mas o movimento indígena continuará sendo autêntico como sempre”, afirmou. 

Política em construção 

Além de tomar a iniciativa nas ações de monitoramento de seus territórios e nos processos de demarcação, os povos originários também estão assumindo o protagonismo no desenho das políticas públicas. Em uma plenária sobre a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI), no dia 26/04, lideranças destacaram sua participação na construção dessa iniciativa, que foi estabelecida por um decreto presidencial em 2012, mas ainda segue em fase de implementação. 

“Talvez essa tenha sido a única política para a qual os povos indígenas foram consultados em todo o Brasil. Quando olhamos para os sete eixos da PNGATI, nos enxergamos lá dentro, porque a discutimos ponto por ponto”, relatou Sinéia do Vale Wapichana, coordenadora do Departamento Ambiental do Conselho Indígena de Roraima. 

A PNGATI tem o objetivo de garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio. Segundo Sinéia, a PNGATI por enquanto é um decreto, mas será de fato implementada quando avançarem as discussões no Congresso Nacional para que se consolide como uma lei.  

“Enquanto isso, nós, povos indígenas, já estamos implementando essa política, na prática, nos nossos territórios. Falamos de PNGATI e planos de gestão territorial, mas são apenas novos nomes para o que nós fazemos desde sempre. Em Roraima, temos os planos de gestão territorial quase todos construídos e eles estão sendo implementados por nossa iniciativa, com apoio de nossos parceiros da sociedade civil”, declarou Sinéia. 

Ceiça Pitaguary, secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Governo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), lembrou que, a partir do decreto em 2012, havia a expectativa de que a PNGATI fosse implementada em todo o território brasileiro. “Recebemos um balde de água fria. Não conseguimos executar essa política como pensávamos, com recursos descentralizados para diversas regiões”, explicou. Por essa razão, organizações parceiras do movimento indígena promoveram capacitações para gestores indígenas das organizações de base, no formato da PNGATI, acrescentou ela. 

“Fazer gestão ambiental requer muito investimento e é preciso que isso esteja no orçamento do governo federal. A gestão ambiental é algo que os indígenas fazem secularmente e é preciso que esses povos sejam incentivados a continuar esse trabalho. Precisamos de gestão territorial, mas ela deve ser feita do nosso jeito”, disse Ceiça. 

Segundo Paulo Tupiniquim, coordenador da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), o trabalho em parceria com as organizações indigenistas e da sociedade civil é necessário. “Temos de receber os recursos, executar as ações e fazer com que os planos de gestão territorial saiam do papel e se tornem ações estruturantes dentro dos nossos territórios”, pontuou. 

Cooperação da sociedade civil 

Representantes de organizações indigenistas estão de acordo com as lideranças em relação à importância do protagonismo das organizações de base nas ações de defesa territorial e políticas de proteção das Terras Indígenas. “Damos apoio às iniciativas que são conduzidas pelas organizações indígenas de base. Articulamos, viabilizamos recursos, mas quem executa, organiza e gerencia os projetos na ponta são os próprios indígenas”, afirmou Ramires Andrade, coordenador jurídico da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que atua há mais de 30 anos na Amazônia.  

De acordo com Thamyres Mesquita, coordenadora do Programa de Formação da Kanindé, garantir o protagonismo dos indígenas na proteção territorial é uma questão de respeito. “Cada povo indígena tem uma dinâmica diferente e um olhar único sobre seus próprios territórios. É preciso ouvi-los e respeitá-los, construindo as ações conforme as necessidades e modo de vida de cada povo. Para isso, é importante o investimento em capacitações e equipamentos, que contribuem com a autonomia desses povos, melhorando a efetividade das ações de monitoramento”, concluiu. 

“A proteção territorial sempre foi feita pelos próprios povos indígenas. Nos últimos anos as ameaças cresceram tanto que a vigilância exercida pelos monitores indígenas ganhou ainda mais importância. Essas atividades subsidiam a ação do Estado brasileiro na fiscalização”, disse Vera Olinda Sena de Paiva, coordenadora executiva da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), que há mais de 40 anos atua na defesa dos direitos de povos originários. 

Papel complementar do WWF-Brasil 

O WWF-Brasil, que trabalha em parceria com organizações como a Kanindé e a CPI-Acre em projetos de proteção territorial na Amazônia, também prioriza o protagonismo dos próprios indígenas. “Ninguém conhece melhor o território do que os próprios indígenas e a proteção das terras sempre foi uma prioridade deles”, afirmou Ana Cláudia Moura, especialista em Conservação que lidera essa agenda no WWF-Brasil. 

Trata-se de uma atuação estritamente no apoio e fortalecimento de grupos locais, viabilizando, por exemplo, treinamentos técnicos e aquisição de equipamentos. “Cabe ao Estado e, em particular, à Funai, garantir a proteção de fato dos territórios e o combate a ilícitos”, salienta Ana Cláudia. “Reconhecendo o papel fundamental dos povos originários na conservação ambiental, fizemos uma visita de cortesia à Funai, no início de março, para ouvir sobre os projetos que estão sendo desenvolvidos e compreender possíveis colaborações no que a Fundação considerar adequado e relevante”. 
Maria Leusa Kaba Munduruku, uma das principais lideranças brasileiras contra o garimpo ilegal no Alto Rio Tapajós
© Nay Jinknss / WWF-Brasil
Advogada e ex-deputada Joênia Wapichana, primeira indígena na presidência da Funai
© Edgar Kanaykõ / WWF-Brasil
Ceiça Pitaguary, secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Governo do Ministério dos Povos Indígenas
© Edgar Kanaykõ / WWF-Brasil
Plenária Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas também teve a presença de Paulo Tupiniquim, Toia Manchineri e Sinéia Wapichana
© Edgar Kanaykõ / WWF-Brasil
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