Ainda sem licença do Ibama, exploração de petróleo na Foz do Amazonas é risco para povos indígenas e tradicionais

novembro, 28 2022

Petroleira brasileira ainda não tem a aprovação do Ibama para início de operações; falta também consulta prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais
Por WWF-Brasil

Quase 10 anos após a concessão de blocos na Foz do Amazonas, considerada um marco na história da indústria petrolífera no Brasil, o plano de exploração pela Petrobras ainda assombra comunidades indígenas e ribeirinhas, especialmente no Amapá e no Pará. A preocupação tem nome: a licença ambiental do bloco FZA-M-59, que aguarda a aprovação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério Público Federal (MPF) para que a Petrobras inicie as operações. Com uma série de inconsistências, o projeto é amplamente criticado por entidades e pesquisadores, que apontam a falta de elementos que garantam um plano de emergência eficiente em caso de derramamento de óleos e outros possíveis danos ambientais.

Situada na margem equatorial, a bacia da Foz do Rio Amazonas, na costa do Amapá e próxima à Guiana Francesa, é considerada um território estratégico para a conservação da biodiversidade, abrigando uma expressiva cobertura de manguezais, sistemas recifais e de biodiversidade marinha que são únicos nos ecossistemas do Brasil e do mundo. Mas além dos riscos ambientais alarmantes, a exploração da margem equatorial, em especial na Foz do Rio Amazonas, põe em risco as comunidades tradicionais, ribeirinhas e os povos indígenas na região. Esse risco também refletiu no desânimo das empresas em explorar a região que, além dos possíveis danos geológicos e da sensibilidade socioambientais, se viram diante da diminuição de demanda causada pelos compromissos climáticos.
 

Povos e comunidades tradicionais em risco

 

A movimentação com a exploração de petróleo da bacia da Foz do Amazonas pela Petrobras alteraria a dinâmica socioeconômica da região e aumentaria ainda mais a pressão sobre as Terras Indígenas Uaçá, Juminã e Galibi, dos povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, que estão localizadas no município de Oiapoque (AP) e que já são alvo de invasões. Existe o temor de que os grandes esforços em vias logísticas, como avenidas, estradas, e hospitais, segurança pública, saneamento e outros equipamentos urbanos possam afetar o modo de vida e até os recursos das comunidades. Existe ainda a capacidade restrita de investimento por parte dos poderes públicos municipais e estaduais para comportar a demanda de atividade petrolífera. 


No município de Oiapoque, por exemplo, o impacto sobre o setor aeroportuário é classificado no Relatório de Impacto Ambiental como de alta magnitude, considerando a perspectiva de aumento de 3.000% sobre o movimento do aeroporto. O Cacique Edmilson, coordenador geral do Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), que reúne todas as lideranças de 53 aldeias da região, afirma que o projeto é extremamente preocupante ao afetar os costumes das aldeias e o equilíbrio ambiental. “Além do aumento do fluxo de transporte na BR-156 [que liga Macapá ao município de Oiapoque], os rios que chegam às aldeias, como o Curipi, podem ser prejudicados em caso de acidentes ambientais. Tem também as rotas dos aviões, o aumento do risco de acidentes e de furtos, que são questões muito preocupantes para nós pois podem impactar o nosso estilo de vida.”

Além disso, comunidades tradicionais que vivem da pesca artesanal, responsável por grande parte da produção pesqueira nacional, poderão ser prejudicadas pelo impacto que o empreendimento causará na fauna marinha. Essas comunidades vivem diretamente da pesca e de recursos naturais dos manguezais e correm risco com o aumento no fluxo de embarcações, que podem afastar os peixes e até mesmo perder embarcações e materiais com o impacto das embarcações maiores. Ou seja, são centenas de localidades e populações suscetíveis a severos danos no caso de derramamento de petróleo na região.
 

Consulta aos povos

 

Daniela Jerez, analista de políticas públicas do WWF-Brasil, ressalta a falta de informação das comunidades locais e a falta de diálogo com a Petrobras. Segundo ela, nem todos os pescadores locais foram informados sobre estarem na rota das embarcações, tampouco os indígenas foram consultados. Em vez disso, a empresa realizou pequenas reuniões de apresentação durante o período imediatamente após as eleições presidenciais em outubro, resultando na baixa adesão. “Existe uma falta de informação sobre o empreendimento e que ele trará poucos benefícios para o território, uma vez que a exploração ainda será inicial. A possível geração de emprego e movimentação da economia só deve acontecer daqui a 10 ou 15 anos”, afirma Jerez. “Os moradores não têm informações básicas do que vai acontecer.”

Jerez lembra da importância, no caso das comunidades indígenas, do direito à Consulta Prévia, previsto na Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é lei no Brasil desde 2004 (Decreto Presidencial nº 5051). A consulta prévia é uma obrigação dos Estados brasileiros de perguntar aos povos indígenas sua posição sobre decisões administrativas e legislativas capazes de afetar suas vidas e seus direitos. Além das comunidades que exigem serem consultadas, o próprio MPF recomendou que a Petrobras realizasse a consulta aos povos indígenas. “Temos o direito à consulta quando um empreendimento passa próximo de terras indígenas. Não aceitaremos esse projeto sem que sejamos consultados”, ressalta o cacique coordenador da CCPIO.


Atualmente, o licenciamento do bloco FZA-M-59 (e outros 5 blocos adjacentes) está na fase final de aprovação do Ibama. Recentemente, a Petrobras entregou um estudo solicitado pelo Ibama com atualizações sobre práticas de dispersão de óleo em caso de acidente, entre outras questões relacionadas aos danos socioambientais. Mas existem ainda diversas etapas a serem cumpridas para que se tenha uma tomada de decisão do órgão. Além do investimento de bilhões de reais na segunda atividade que mais emite gases de efeito estufa no planeta, a Petrobras colocará em risco ecossistemas importantes e complexos e modos de vida que deles dependem, como os dos indígenas, quilombolas e extrativistas e outros povos e comunidades tradicionais.
Suely Araújo, especialista sênior de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, afirma que o processo do empreendimento não reúne condições para que a licença possa ser emitida. “O governo deve evitar novas explorações em áreas ambientalmente sensíveis, como é o caso da Foz do Rio Amazonas. É uma região com características ambientais ainda pouco estudadas.”
Questionada sobre a falta de consulta aos povos e comunidades, a Petrobras afirmou que desde o início do processo de licenciamento ambiental, em 2015, liderado pela empresa BP, foram realizadas 47 reuniões em municípios da região e três audiências públicas em 2017 em Oiapoque (AP), Macapá (AP) e Belém (PA). Segundo a estatal, as reuniões contaram com "ampla participação de entidades representativas". Além disso, a Petrobras realizou outras 18 reuniões sobre a atividade de perfuração e seus impactos e também levou às partes interessadas informações sobre o processo de licenciamento ambiental.
Quanto à solicitação do CCPIO, a Petrobras confirmou o recebimento dos ofícios enviados e informou que está atualmente em contato com a entidade e agendou uma reunião para o início de dezembro. "A Petrobras acredita no diálogo e reafirma o seu compromisso com a ética e a transparência nas ações de comunicação e relacionamento, assim como a preocupação com a proteção das pessoas, do meio ambiente e da segurança nas operações", disse a companhia, em nota.
Centenas de localidades, diversas populações e a fauna local estão suscetíveis a severos danos no caso de derramamento de petróleo na região
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