Estudo aponta ilegalidade em 94% do desmatamento na Amazônia e Matopiba

maio, 18 2021

Dificuldade de verificar a legalidade do desmatamento impede produtores, investidores e mercado em geral de separarem o joio do trigo do agronegócio brasileiro
Pesquisa conduzida por organizações brasileiras relevantes concluiu que a dificuldade de checar a legalidade do desmatamento impede produtores, investidores e mercado em geral de separarem o joio do trigo do agronegócio brasileiro, favorecendo a impunidade e prejudicando a imagem de um setor chave da economia brasileira

São Paulo, 17 de maio de 2021 - Um estudo inédito desenvolvido por pesquisadores do Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com apoio do WWF-Brasil, concluiu que 94% da área desmatada na Amazônia e no Cerrado (mais exatamente na região conhecida como Matopiba, que inclui o estado do Tocantins e partes dos estados do Maranhão, Piauí e Bahia) até o segundo semestre de 2020 está relacionado à derrubada ilegal.

O estudo "Desmatamento Ilegal na Amazônia e no Matopiba: falta transparência e acesso à informação" cruzou dados oficiais de desmatamento do sistema PRODES, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para a Amazônia e o Cerrado e diversas bases de dados sobre autorizações de supressão de vegetação nativa (ASV), necessárias para proprietários rurais promoverem o desmate de áreas em conformidade com os casos previstos na legislação.

O estudo detectou que a transparência dos dados das ASVs é bastante precária, com informações inexistentes ou disponibilizadas em formato inadequado ou incompleto. Do modo como estão apresentadas, em grande parte dos casos, fica impossível diferenciar o desmatamento legal do ilegal, algo fundamental para frear as taxas cada vez maiores de derrubada de florestas e demais ecossistemas naturais. "Observamos um quadro preocupante de bases de dados oficiais de baixa qualidade, assim como a limitação ou mesmo a indisponibilidade de acesso a informações ambientais que, por lei, deveriam estar disponíveis à sociedade", afirma Paula Bernasconi, coordenadora do Instituo Centro da Vida - ICV e uma das autoras do estudo.

Para avaliar a transparência e qualidade das informações, os pesquisadores fizeram um levantamento das bases de dados de autorizações de supressão da vegetação nativa emitidas até o segundo semestre de 2020, nos 11 estados que compreendem a Amazônia Legal e o Matopiba. Foram analisados o acesso e a disponibilização das bases de autorizações de desmatamento por meio da verificação de sites das agências estaduais de meio ambiente e do Ibama, dos Diários Oficiais dos estados, e da situação dos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs). Além disso, foram feitas solicitações aos órgãos públicos, via Lei de Acesso à Informação (LAI) e, por último, a avaliação da qualidade das bases de dados com relação a critérios importantes para a transparência nos processos de supressão da vegetação nativa, como identificação dos requerentes, formato, data de emissão, validade e área.

Como resultado, constatou-se que cinco estados (Acre, Amapá, Bahia, Maranhão e Piauí) sequer disponibilizam qualquer base de dados sobre ASVs em seus sites, enquanto o Governo Federal e os demais estados apresentam problemas no formato, acessibilidade ou na atualização das informações. Ao se tentar obter as informações via Lei de Acesso à Informação, apenas três estados encaminharam as bases solicitadas e, mesmo assim, com falhas, como não atender todo o período solicitado.

Ao analisarem a disponibilização pelos Diários Oficiais dos estados, novamente a transparência prevista em lei não foi atendida: Amapá, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins não disponibilizam nenhuma informação sobre as ASVs. Aqueles que divulgam, o fazem de forma incompleta, sem dados como coordenadas geográficas ou o total da área a ser suprimida, por exemplo.

Após os levantamentos nas diferentes fontes de dados, foram elencadas as melhores bases por estado, conforme formato e abrangência de tempo, que permitiriam uma análise da ilegalidade do desmatamento. A maioria dos estados ofereceu dados que compreendem apenas os anos de 2018 a 2020. Ao cruzarem as áreas das ASVs com os dados de desmatamento para o mesmo período, os pesquisadores verificaram que as áreas das ASVs correspondem, em média, a apenas 5% do desmatamento total observado nos estados, conjuntamente. "Vale ressaltar que as áreas desmatadas nem sempre coincidem com as indicadas na ASV, temos casos em que a ASV é emitida e o desmatamento não é realizado, ou é feito fora do período da validade da ASV. Então, o nível total de ilegalidade pode ser ainda maior, e somente análises utilizando informações georreferenciadas poderiam chegar a uma estimativa de ilegalidade minimamente confiável", explica Vinícius Guidotti, coordenador de Geoprocessamento do Imaflora, um dos coautores do estudo.

O estudo observou ainda que há uma discrepância entre os estados: enquanto Amazonas, Roraima, Pará e Bahia apresentam uma área total de ASVs que corresponde a menos de 2% do desmatamento no período, em estados como Amapá e Roraima esse valor supera os 30%. Mas, apesar dessa diferença entre estados, a conclusão é de que 94% da área desmatada nos biomas Amazônia e Cerrado nos estados incluídos na análise não está acompanhada de ASVs disponíveis publicamente e, portanto, podem ser considerados ilegais. Isso corresponde a 18 milhões de hectares, área superior aos territórios somados da Dinamarca, Holanda, Bélgica e Suíça. "É urgente haver maior esforço técnico e vontade política no cumprimento da legislação ambiental e da Lei de Acesso à Informação. Caso contrário, a falta de transparência seguirá como escudo para a continuidade da destruição dos ecossistemas", conclui Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (LAGESA) da UFMG e coautor da pesquisa.

A falta de transparência, em conjunto com os altos índices de ilegalidade, se convertem em riscos reais de mercado para o Brasil, uma vez que é crescente a pressão dos compradores por uma melhor rastreabilidade dos produtos, bem como são inúmeras as instituições financeiras nacionais e internacionais demandando cadeias de valor livres de desmatamento. O mesmo ocorre no campo geopolítico, com a União Europeia e o Reino Unido, por exemplo, preparando legislações para garantir cadeias de fornecimento limpas, impedindo a importação de produtos provenientes de áreas recentemente desmatadas.

"Este novo estudo aponta que o Brasil não vem implementando a legislação ambiental e de acesso à informação de forma séria e responsável, como a sociedade espera de suas autoridades. Mostra uma enorme precariedade com relação à transparência de dados de desmatamento, uma espécie de estímulo oficial à aceleração do desmatamento e ao cometimento de crimes impunes. Um quadro que só traz prejuízos a todos os brasileiros e à nossa imagem no exterior, assim como à reputação de nosso setor privado e dos produtos agropecuários que vendemos. A pergunta que não conseguimos responder é: quem está se beneficiando de tudo isso?", pondera Frederico Machado, líder de Conversão Zero do WWF-Brasil.

Sobre o ICV
Fundado em Mato Grosso no dia 14 de abril de 1991, o ICV é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) apartidária, sem fins lucrativos, e reconhecida como de utilidade pública pela lei estadual n° 6.752/96. Suas ações em busca da sustentabilidade do uso da terra e dos recursos naturais abrangem os temas da transparência, da governança ambiental e das políticas públicas, principalmente por meio de experiências práticas. A entidade busca disseminar inovações para dar amplitude e influenciar outros atores para além dos territórios em que atua, por meio de estudos e análises, bem como em experiências de campo, sempre buscando a participação efetiva do maior número possível de atores nesse processo. Mais informações: www.icv.org.br.

Sobre o Imaflora
O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) é uma associação civil sem fins lucrativos, criada em 1995 sob a premissa de que a melhor forma de conservar as florestas tropicais é dar a elas uma destinação econômica, associada a boas práticas de manejo e à gestão responsável dos recursos naturais. O Imaflora busca influenciar as cadeias produtivas dos produtos de origem florestal e agrícola, colaborar para a elaboração e implementação de políticas de interesse público e, finalmente, fazer a diferença nas regiões em que atua, criando modelos de uso da terra e de desenvolvimento sustentável que possam ser reproduzidos em diferentes municípios, regiões e biomas do país. Mais informações: www.imaflora.org   

Sobre o Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (LAGESA)
O Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (LAGESA) é um laboratório integrado ao Departamento de Engenharia de Produção da Escola de Engenharia da UFMG. Criado em 2012 e coordenado pelo professor Raoni Rajão, o LAGESA conta com uma equipe de 15 pesquisadores de diferentes percursos acadêmicos que desenvolvem estudos na área de gestão ambiental. Em consonância com sua missão de promover uma maior participação da ciência no âmbito das decisões em políticas ambientais no Brasil, o laboratório hoje desenvolve estudos reconhecidos na esfera pública e cultiva alianças com entidades como o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, o Observatório do Código Florestal e a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Sobre o WWF Brasil
O WWF-Brasil é uma organização não-governamental brasileira e sem fins lucrativos que trabalha para mudar a atual trajetória de degradação ambiental e promover um futuro em que sociedade e natureza vivam em harmonia. Criado em 1996, atua em todo Brasil e integra a Rede WWF. Apoie nosso trabalho em www.wwf.org.br/doe  
 
Desmatamento na reserva extrativista Jaci Paraná, Rondônia.
© WWF-Brasil / Juvenal Pereira
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