Nas águas barrentas do Purus: no interior do Amazonas, as políticas públicas chegam de barco

23 dezembro 2019

Mutirão promovido pela prefeitura de Boca do Acre visitou 8 comunidades e realizou quase 300 atendimentos
Por Jorge Eduardo Dantas 

Boca do Acre (AM) - Levar políticas públicas ao interior do Amazonas é sempre um grande desafio. Aqui e ali, surgem alternativas que buscam levar aos habitantes programas, projetos e iniciativas que promovem a garantia de direitos – sempre com muita dificuldade, por conta das distâncias amazônicas e precária infraestrutura da região. 

Recentemente, uma dessas iniciativas aconteceu na calha do rio Purus, no sudoeste do estado do Amazonas. Ali, a prefeitura de Boca do Acre – um pequeno município, de 34 mil habitantes, a 1.561 quilômetros de Manaus – promoveu a quarta edição de uma ação chamada Mutirão Integrado de Políticas Públicas Socioambientais.  

Neste evento, um barco saiu pelo rio oferecendo serviços públicos para populações tradicionais e comunidades isoladas – cidadãos que, de outra maneira, não teriam como ter acesso a esses serviços. Oito pontos serviram como base e mais de 30 comunidades foram atendidas. 

Foram utilizados ainda uma voadeira e um barco, que fizeram as vezes de sala de reuniões, escritório, dormitório e refeitório para uma equipe de dez pessoas - a maior parte deles, servidores da prefeitura de Boca do Acre, das secretarias de Meio Ambiente e Assistência Social. Técnicos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Boca do Acre também estavam envolvidos.

Serviços

Entre as instituições apoiadoras da iniciativa, estavam a Cooperação Alemã/GIZ, o Instituto de Educação do Brasil (IEB) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O WWF-Brasil também deu suporte, prestando apoio técnico e financeiro para esta ação. 

Neste mutirão, foram oferecidos 12 serviços, como emissão e retificação do Cadastro Ambiental Rural (CAR); declaração de residência – em comunidades isoladas, a falta deste documento é um problema crônico; requerimento da carteira de produtor rural; declaração do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS); e declaração de aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP-Pronaf).

Esta empreitada possibilitou a realização de 284 atendimentos, que beneficiaram diretamente mais de 300 pessoas. A maior parte dos serviços consistiu em resolução de pendências para obtenção do Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS (106), documento que regulariza a situação fundiária dos moradores de várzea; registro no Cadastro Ambiental Rural (77) e requisição de documentos a Secretaria de Patrimônio da União - SPU (47).

Agricultura familiar
 

O secretário de Meio Ambiente de Boca do Acre, Josimar Fidelquino, contou que o grande benefício do mutirão é de fato levar políticas públicas para comunidades mais distantes e isoladas da Amazônia.

“O que mais eu ouço nessas viagens é que este é um tipo de trabalho que nunca foi feito na região, que servidores públicos nunca passaram por aqui. E o que fazemos é muito importante, já que estamos tentando contribuir e colaborar com o cumprimento de diversas políticas públicas, inclusive as socioambientais”, afirmou. 

Fidelquino é um dos responsáveis pelo mutirão – projeto que teve início em 2017 – e disse ainda que a principal dificuldade para a realização deste projeto é recurso: “A secretaria de Meio Ambiente, que eu coordeno, não tem dinheiro. Nós entramos com o pessoal, organizando a logística e a viagem. Mas precisamos de ajuda para combustível e alimentação”.

Para o presidente da Associação Santana, Europa e Cametá, Jaime de Farias Ribeiro, a grande importância do mutirão é de que ele prestigia a agricultura familiar, resolvendo vários problemas de pequenos produtores.

“Esse atendimento é importante porque traz o estado para perto do agricultor e chama os órgãos governamentais à sua responsabilidade. Hoje sabemos um pouco mais o que precisamos fazer para obter nossos direitos e podemos cobrar de outros órgãos que não estiveram aqui conosco”, disse. Santana, Europa e Cametá são três das comunidades visitadas durante o mutirão.

Conversa e pactuação

Analista de conservação do WWF-Brasil, o biólogo Henrique Santiago contou que este tipo de mobilização leva informação e esclarecimento aos ribeirinhos, assim como possibilita a solução de conflitos dentro das comunidades

“Eventualmente, você tem produtores rurais que têm incertezas com relação aos limites de suas propriedades registradas no Cadastro Ambiental Rural. Este tipo de iniciativa, que ocorre no próprio território das comunidades, possibilita uma conversa entre vizinhos e uma pactuação que seria difícil de resolver com atendimentos individuais”, afirmou Santiago.  

Já existe uma previsão de que o próximo mutirão ocorrerá em janeiro de 2020, numa outra área do rio Purus – desta vez, mas próxima do município de Pauiní, um dos mais longínquos e isolados do Amazonas.

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O mutirão realizou 284 atendimentos em comunidades isoladas do rio Purus
O mutirão realizou 284 atendimentos em comunidades isoladas do rio Purus
© Divulgação/Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Boca do Acre
O mutirão ofereceu 12 serviços, emitindo e retificando documentos importantes para os pequenos produtores rurais do rio Purus
O mutirão ofereceu 12 serviços, emitindo e retificando documentos importantes para os pequenos produtores rurais do rio Purus
© Divulgação/Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Boca do Acre
Amanhecer no rio Purus, nas proximidades do município de Boca do Acre (AM)
Amanhecer no rio Purus, nas proximidades do município de Boca do Acre (AM)
© WWF-Brasil / Jorge Eduardo Dantas
Esta foi a quarta edição do Mutirão Integrado de Políticas Públicas Socioambientais. Uma próxima edição está marcada para janeiro de 2020
Esta foi a quarta edição do Mutirão Integrado de Políticas Públicas Socioambientais. Uma próxima edição está marcada para janeiro de 2020
© Divulgação/Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Boca do Acre
O WWF-Brasil, assim como outras instituições, deu apoio técnico e financeiro para o mutirão ocorrido na cidade de Boca do Acre
O WWF-Brasil, assim como outras instituições, deu apoio técnico e financeiro para o mutirão ocorrido na cidade de Boca do Acre
© Divulgação/Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Boca do Acre
O rio Purus é um dos grandes rios amazônicos: ele nasce no Peru e deságua no rio Solimões. Possui grande beleza e riqueza de espécies
O rio Purus é um dos grandes rios amazônicos: ele nasce no Peru e deságua no rio Solimões. Possui grande beleza e riqueza de espécies
© WWF- Brasil / Jorge Eduardo Dantas
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